STF tem na pauta casos sobre violações de direitos no sistema prisional
Corte pode voltar a analisar “estado de coisas inconstitucional” nos presídios e possibilidade de indenizar detentos
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem na pauta de julgamento desta semana duas ações que tratam de violações de direitos no sistema prisional brasileiro.
Em um dos processos, a Corte retomará a análise sobre o chamado “estado de coisas inconstitucional” dos presídios do país.
A situação foi formalmente reconhecida pelo Supremo em 2015. Significa que a mais alta instância do Judiciário brasileiro entende haver sistemática e estrutural violação dos direitos dos detentos no Brasil.
Outra ação discute a responsabilidade do Estado em indenizar presos por más condições carcerárias.
As duas ações foram pautadas em conjunto pela presidente do STF, ministra Rosa Weber.
Antes, os ministros devem fazer o julgamento das quatro primeiras ações penais pelos atos de 8 de janeiro.
Serão julgados quatro réus, denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) no grupo dos responsáveis pela execução dos atos que levaram à invasão e depredação das sedes dos Três Poderes.
Para dar conta da pauta, Weber convocou duas sessões extras, nas manhãs de quarta-feira (13) e quinta-feira (14). As sessões tradicionais das tardes desses dois dias foram mantidas.
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“Estado de coisas inconstitucional”
Ao reconhecer que existe um “estado de coisas inconstitucional”, o Supremo entende haver massiva e sistemática violação dos direitos fundamentais dos presos nas penitenciárias brasileiras, em virtude de problemas estruturais na área e da incapacidade de autoridades públicas solucionarem as péssimas condições das unidades prisionais.
O instrumento possibilita que o Judiciário possa intervir determinando medidas concretas para superar violações.
No país, havia 832.295 pessoas presas no final de 2022, número que excede em 230.578 as vagas nas unidades prisionais, segundo a 17ª Edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, organizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O número leva em conta os presos condenados e provisórios, no sistema prisional e sob custódia das polícias.
Quando os ministros analisaram a questão, em 2015, o estado de coisas inconstitucional foi reconhecido em uma decisão liminar (provisória).
Na ocasião, a Corte também determinou a realização das audiências de custódia em prisões em flagrante (quando o preso é apresentado a um juiz em até 24h para verificar a legalidade da detenção), e a liberação de recursos acumulados no FunPen (Fundo Penitenciário), com o dinheiro devendo ser aplicado em melhorias no setor, e proibindo novos contingenciamentos.
Agora, o Supremo deve julgar o mérito da ação, apresentada pelo PSOL.
O relator é o ministro Marco Aurélio Mello (já aposentado). O mérito do caso já começou a ser julgado em 2021, e foi suspenso por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Roberto Barroso.
O voto de Marco Aurélio ficará mantido na retomada do caso. Assim, seu sucessor, André Mendonça não vota.
Marco Aurélio defendeu que se confirma a existência do estado de coisas inconstitucional nos presídios.
Ele também propôs outros pontos:
- Determinar a juízes e tribunais que expliquem por que mantiveram prisões preventivas, no lugar de medidas alternativas;
- Determinar a juízes e tribunais que considerem o “quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro” quando decretarem prisões ou fixarem penas;
- Que juízes estabeleçam, quando possível, penas alternativas à prisão.
O relator ainda determinou que o governo federal elabore, em três meses, um plano nacional para superar em, no máximo, três anos o estado de coisas inconstitucional nos presídios.
Conforme a proposta do relator, o plano deve considerar algumas balizas, como:
- Redução da superlotação dos presídios;
- Diminuição do número de presos provisórios;
- Adequação dos presídios a parâmetros mínimos de espaço, salubridade, condições de higiene, segurança e lotação máxima;
- Separação de presos a partir de critérios como gênero, idade, situação processual e natureza do crime;
- Garantia de assistência material, de segurança, de alimentação adequada, de acesso à Justiça, à educação, à assistência médica integral e ao trabalho digno e remunerado para os presos;
- Contratação e capacitação de pessoal para atuar nos presídios;
- Eliminação de tortura, maus-tratos e aplicação de penalidades, sem o devido processo legal;
- Tratamento adequado considerados grupos vulneráveis, como mulheres e população LGBT.
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Indenização
Outra ação em pauta que trata do sistema penitenciário foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em 2014.
O órgão pede que o STF estabeleça haver responsabilidade civil do Estado por danos morais causados aos detentos submetidos a condições sub-humanas, insalubres, degradantes ou de superlotação nos presídios.
Conforme a OAB, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que os presos não têm direito a qualquer indenização.
Segundo o órgão, isso viola os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proibição de penas cruéis, e o direito fundamental dos presos ao respeito de sua integridade física e moral.
A OAB afirmou que a pena cumprida em condições desumanas é incapaz de exercer sua função ressocializadora.
“Em decorrência do total descaso do estado, ao manter o sistema prisional em condições absolutamente precárias, o preso não se ressocializa efetivamente”, afirmou na ação. “O dano moral que atinge o detento possui, portanto, também uma importante repercussão social: toda a sociedade, a não apenas o detendo, é prejudicada pelas condições desumanas dos presídios”.