STF forma maioria contra retirada de símbolos religiosos em instituições públicas
Corte julga recurso do MPF que contesta presença de itens como crucifixos em prédios dos Poderes
O Supremo Tribunal Federal (STF) formou maioria de votos, nesta segunda-feira (25), contra a retirada de símbolos religiosos em instituições públicas.
A análise é feita em um recurso apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF), contestando a presença de itens como crucifixos. A discussão passa por saber se isso fere princípios como o do Estado laico.
Até o momento, votaram para rejeitar esse recurso: o relator, Cristiano Zanin, e os ministros Flávio Dino, André Mendonça, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Edson Fachin.
O tema está sendo julgado em sessão virtual, que começou no dia 15 de novembro e vai até terça-feira (26). No formato, não há debate entre os ministros, que apresentam os votos em um sistema eletrônico.
Votos
Para Zanin, relator do caso, a existência dos itens religiosos nos prédios públicos não viola as normas constitucionais, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira.
O ministro propôs a seguinte tese:
“A presença de símbolos religiosos em prédios públicos, pertencentes a qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, desde que tenha o objetivo de manifestar a tradição cultural da sociedade brasileira, não viola os princípios da não discriminação, da laicidade estatal e da impessoalidade“, ponderou o magistrado.
O entendimento que vier a ser definido valerá para todos os casos semelhantes na Justiça.
Herança cultural
No voto, Zanin disse que a presença dos símbolos religiosos nos espaços públicos “não deslegitima” a ação estatal, seja administrativa ou de julgador, “mesmo porque a fundamentação jurídica não se assenta em elementos divinos”.
Segundo o ministro, a existência desses itens “não constrange o crente a renunciar à sua fé; não retira a sua faculdade de autodeterminação e percepção mítico-simbólica; nem fere a sua liberdade de ter, não ter ou deixar de ter uma religião”.
Para Zanin, a solução da controvérsia passa por levar em consideração o “aspecto histórico-cultural presente”, como a importância do catolicismo.
“No início de meu voto, demonstrei como o Cristianismo — até então liderado pela Igreja Católica — esteve presente na formação da sociedade brasileira, registrando a presença jesuítica desde o episódio do descobrimento e, a partir daí, atuando na formação educacional e moral do povo que surgia”, afirmou.
“Não fossem apenas os crucifixos, não há como desconsiderar as dezenas de dias consagrados — diversos deles com decretação de feriado —, a nomenclatura de ruas, praças, avenidas e outros logradouros públicos, escolas públicas, estados brasileiros, que revelam a força de uma tradição que, antes de segregar, compõe a rica história brasileira.”
Legado do cristianismo
Ao acompanhar o entendimento, Flávio Dino também ressaltou que a valorização da dimensão religiosa do ser humano pela Constituição “reflete uma influência histórica do cristianismo e, em particular, da Igreja Católica”.
Dino deu exemplos da presença desse legado em nomes de estados e municípios. “Com nomes de Santas e Santos, são 586 municípios, aproximadamente. Tais denominações são parte da construção de nossa identidade nacional”, afirmou.
“O descanso semanal remunerado, prática consolidada na legislação trabalhista e na rotina dos brasileiros, é mais uma herança da tradição judaico-cristã que foi incorporada à nossa cultura e que beneficia a organização da vida social, sem impor ou discriminar qualquer religião”, disse Dino.
De acordo com o magistrado, a presença de símbolos religiosos do cristianismo vai além do aspecto “puramente religioso e assumem um valor cultural e de identidade coletiva”.
“O crucifixo, assim, possui um duplo significado: representa a fé para os crentes e a cultura para os que compartilham da comunidade”, afirmou.
Segundo Dino, proibir a exposição de crucifixos em repartições públicas seria instituir um “Estado que não apenas ignora, mas se opõe a suas próprias raízes culturais e à liberdade de crença”.
O caso
A discussão sobre o tema chegou ao STF por meio de um recurso do Ministério Público Federal (MPF).
O MPF havia acionado a Justiça Federal em São Paulo contra a exposição de símbolos religiosos nas repartições públicas do estado.
O Judiciário negou o pedido em duas instâncias. No Supremo, o caso teve a repercussão geral reconhecida.
Na Corte, a posição defendida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) passou a ser de rejeição do pedido.
Segundo a PGR, os símbolos religiosos não violam os princípios da laicidade do Estado, da liberdade de crença, da isonomia, da impessoalidade da Administração Pública e da imparcialidade do Poder Judiciário.
Tratam-se, segundo o posicionamento, de expressão da liberdade religiosa e da diversidade cultural do povo brasileiro, que deve ser “salvaguardada pela tolerância e respeito ao pluralismo”.