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    STF finaliza julgamento sobre juiz de garantias; entenda como ficou

    Análise do tema levou 11 sessões; instrumento deverá ser criado em até dois anos

    Ministros do STF durante a sessão plenária
    Ministros do STF durante a sessão plenária Carlos Moura/SCO/STF

    Lucas Mendesda CNN

    em Brasília

    Depois de 11 sessões, o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou, nesta quinta-feira (24), o julgamento sobre a validade da figura do juiz de garantias.

    A Corte entendeu que o instrumento deve ser obrigatoriamente implantado em todo o país, num prazo de um ano, prorrogável uma única vez por igual período. O prazo começa a ser contado a partir da publicação da ata de julgamento no Diário da Justiça.

    A implantação deverá seguir diretrizes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Caberá aos estados, ao Distrito Federal e à União definir o formato em seus tribunais. O placar final pela criação do juiz de garantias foi unânime, de 11 a zero.

    O relator, ministro Luiz Fux, havia votado pela inconstitucionalidade formal da figura, por entender que a iniciativa deveria ter partido do Poder Judiciário. Neste ponto, o placar foi de 10 a 1.

    Durante os debates, ele acompanhou o restante da Corte no mérito da questão quanto à criação do modelo no prazo endossado pela maioria.

    Até a efetiva criação do juiz de garantias, haverá uma regra de transição. As ações penais que já estiverem em tramitação no momento da implantação do instrumento não serão afetadas e não precisarão se adequar ao novo modelo.

    O que é

    O juiz de garantias é um magistrado que atuaria só na fase de investigação do processo e seria responsável por fiscalizar a legalidade da apuração criminal, autorizando medidas como prisões, quebras de sigilo e mandados de busca e apreensão. Tem a função de garantir os direitos individuais dos investigados.

    A criação do juiz de garantias foi aprovada pelo Congresso no chamado “pacote anticrime” e sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2019. A aplicação foi suspensa em janeiro de 2020 por decisão do ministro Luiz Fux, então vice-presidente do STF.

    O ministro Luiz Fux é o relator de quatro ações que contestaram a figura. Foram propostas pelos partidos PSL (hoje União Brasil), Podemos e Cidadania, além de entidades representativas de carreiras jurídicas: Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp).

    Outros pontos

    Por maioria de votos, a atuação do juiz de garantias termina com o oferecimento da denúncia, sem que haja análise sobre seu recebimento ou rejeição. Essa posição diverge da lei aprovada pelo Congresso, que estabelecia que o novo magistrado teria competência para receber ou rejeitar a denúncia.

    O ministro Edson Fachin foi o único a ficar vencido neste ponto, propondo que fosse validada a proposição original da lei.

    Por unanimidade, os ministros também consideraram inconstitucional a previsão de um rodízio de juízes em casos de comarcas com apenas um magistrado, para a implementação do juiz de garantias.

    Também por unanimidade, a Corte entendeu que o juiz de garantias deve atuar em casos criminais da competência da Justiça Eleitoral. O juiz das garantias não atuará em processos de competência originária de tribunais, no Tribunal do Júri (o júri popular) e nos casos de violência doméstica e familiar.

    Outro trecho que teve o aval dos ministros é o que estabelece que todos os procedimentos investigativos criminais do Ministério Público devem ser submetidos ao controle do Poder Judiciário, e de que as apurações em andamento devem ser enviadas aos respectivos juízes, em um prazo de 90 dias, sob pena de nulidade dos procedimentos.

    Por maioria de votos, a Corte entendeu que o juiz de garantias pode, pontualmente, determinar diligências suplementares durante a investigação, para elucidar dúvidas sobre questões relevantes do caso.

    Também por maioria, ficou definido que, ao se manifestar pelo arquivamento do inquérito policial, o órgão do Ministério Público submeterá sua manifestação ao juiz, podendo encaminhar o caso para o Procurador-Geral ou para a instância de revisão ministerial, para homologação.

    Análise

    Advogados e especialistas têm elogiado a criação do juiz de garantias. As críticas ficaram mais ligadas a entidades da magistratura e aos tribunais, que argumentaram que haveria grande impacto financeiro na implementação da medida.

    Para Bruno Borragine, sócio do Bialski Advogados, a separação do trabalho de juízes em duas fases, a pré-processual e a de instrução do processo, evita que o magistrado “atue no caso com predisposição cognitiva já voltada a legitimar a tese acusatória”.

    “Ao separar a atuação dos juízes, se evitará a contaminação cognitiva daquele que avalizou atos cautelares de produção probatória, tais quais quebras de sigilo, busca e apreensão, relegando ao juiz que atuará na fase de instrução a construção de seu – efetivo – livre convencimento”, afirmou.

    Conforme Thaynara Rocha, advogada criminalista do escritório Daniel Gerber Advogados Associados, já que no processo penal se discute a liberdade de ir e vir de um cidadão, a “principal garantia constitucional”, “nada mais prudente do que a instituição obrigatória do juiz das garantias, de modo a propiciar um sistema penal mais independente”, declarou.

    A especialista em Direito Constitucional Vera Chemim, mestre em Direito Público pela FGV, disse que o novo modelo não implica a constatação de que o juiz natural de cada causa seja parcial.

    “O Poder Legislativo criou e editou uma lei instituindo aquele modelo [do juiz de garantias], com a finalidade precípua de aperfeiçoar a fase pré-processual penal e a fase processual penal, quando já se recebeu a denúncia e se parte para a instrução e julgamento de uma ação penal”.

    Veja também: Múcio pedirá ao STF acesso à investigação sobre hacker

    Há críticas de advogados a pontos específicos do juiz de garantias. À CNN, o presidente do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Renato Vieira, sócio do escritório Kehdi Vieira, entende que a mudança operada pelo Supremo na competência para receber a denúncia “aniquila” a essência do instrumento.

    “A parte mais importante, a razão de ser do juiz das garantias, é fazer com que o juiz da causa comece do zero. Se o juiz da causa recebe a denúncia, é o juiz da causa que está apreciando elementos do inquérito. Uma das principais ideias do juiz das garantias é que aquilo que é do inquérito fica com o inquérito”, declarou.

    Uma das autoras das ações contra o juiz de garantias, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), afirmou que está “pronta para auxiliar os magistrados na execução das determinações previstas na legislação”, em nota divulgada em 17 de agosto.

    A entidade também fez um apelo para que o novo modelo seja implantado “dentro de um prazo razoável”.