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    STF está aniquilando essência do juiz de garantias, diz presidente do Ibccrim

    Para Renato Vieira, há má compreensão sobre papel do novo magistrado; advogado defende que se mantenha competência fixada em lei para que atuação só termine com o recebimento da denúncia

    Fachada do palácio do Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília (DF)
    Fachada do palácio do Supremo Tribunal Federal (STF) em Brasília (DF) Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

    Lucas Mendesda CNN

    em Brasília

    Com maioria de votos formada a favor da implantação obrigatória do juiz de garantias no país, o Supremo Tribunal Federal (STF) caminha para alterar uma das principais atribuições desse novo magistrado: a competência para receber a denúncia oferecida pela acusação.

    Para o presidente do Ibccrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), o advogado Renato Vieira, sócio do escritório Kehdi Vieira, a possibilidade de o Supremo mudar esse ponto vai “aniquilar” a essência do juiz de garantias e “frustrar” uma oportunidade de melhorar o sistema processual penal brasileiro.

    “É um golpe de morte que esse entendimento dá na ideia principal do juiz das garantias”, disse Vieira à CNN.

    Até o momento, são sete votos na Corte a favor dessa alteração, para que a atuação do juiz de garantias se encerre com o oferecimento da denúncia.

    “A parte mais importante, a razão de ser do juiz das garantias, é fazer com que o juiz da causa comece do zero. Se o juiz da causa recebe a denúncia, é o juiz da causa que está apreciando elementos do inquérito. Uma das principais ideias do juiz das garantias é que aquilo que é do inquérito fica com o inquérito”, declarou.

    O juiz de garantias é um magistrado que atuaria só na fase de investigação. Seria responsável por fiscalizar a legalidade de medidas tomadas nessa etapa, autorizando medidas como prisões, quebras de sigilo e mandados de busca e apreensão. Tem a função de garantir os direitos individuais dos investigados.

    A lei que cria a figura está dentro do chamado “pacote anticrime”, aprovado pelo Congresso e sancionado pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em dezembro de 2019. A sua eficácia, no entanto, foi suspensa por decisão do ministro Luiz Fux, em 2020. O magistrado é o relator das quatro ações que contestam o juiz de garantias que estão em julgamento no Supremo.

    Veja também: Zanin se manifesta pela 1ª vez no plenário do STF com voto pró-criação do juiz de garantias

    Do jeito que foi aprovado pela lei, o juiz das garantias atuaria até o recebimento da denúncia – momento em que o investigado se torna réu. Aberta a ação penal, a competência para o caso passaria ao juiz da instrução e julgamento, também chamado de “juiz da causa”.

    Para Vieira, havia expectativa de que fosse mantida a repartição da competência entre o juiz das garantias e o juiz da causa, tal como estabelecido na lei.

    “A importância é descontaminar o juiz da causa daquilo que está na investigação”, afirmou o especialista. “Quando se leva isso para o juiz da causa receber a denúncia, estamos colocando para ele apreciar tudo que vinha na investigação. Estamos matando a essência do juiz das garantias.”

    Mudança

    A mudança nas competências do juiz das garantias surgiu na análise das ações no STF, a partir de uma proposta no voto do ministro Dias Toffoli. Ele entende que a atuação do juiz de garantias se encerra com o oferecimento da denúncia.

    Um dos pontos que Toffoli levantou para basear seu entendimento é o de que a proposta inicial afetaria a independência funcional do juiz do julgamento.

    “Restringir o acesso aos elementos do inquérito, alegando impacto na imparcialidade do juiz, afeta diretamente a independência funcional do magistrado em exercer seu julgamento conforme sua consciência jurídica, desde que concretamente motivada nos autos, em busca da verdade possível”, disse em seu voto.

    Para o ministro, o juiz das garantias analisará a denúncia estando “contaminado” pela sua atuação durante o inquérito, o que poderá influenciar sua decisão sobre recebimento ou rejeição da denúncia.

    “O juiz das garantias estará contaminado e tendente a confirmar as convicções prévias surgidas ao longo do inquérito policial, o qual não apenas teve acesso aos elementos produzidos, como o presidiu, podendo, assim, influenciar na análise da absolvição sumária ou da rejeição da denúncia”, disse Toffoli.

    A proposta de Toffoli ganhou o endosso dos sete ministros do STF que já se manifestaram no julgamento, inclusive de Luiz Fux. O magistrado é o único até o momento a votar a favor de que a criação do juiz de garantias seja opcional e definida pelos tribunais do país.

    A Corte retoma a análise na quarta-feira (23). Ainda faltam os votos de Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes e Rosa Weber. Até o fim do julgamento, os ministros que já se manifestaram podem, se quiserem, mudar pontos de seus votos.

    Essência

    Em oposição a esse entendimento que está se formando no STF, o Ibccrim elaborou uma nota técnica defendendo a implantação do juiz de garantias e sua competência para avaliar a viabilidade da ação penal. A entidade é uma das participantes do julgamento na Corte, admitida em um dos processos para colaborar com informações e fazer sustentação oral no começo da análise.

    A nota foi subscrita por entidades de advogados e da magistratura, como a Associação Juízas e Juízes para a Democracia (AJD).

    Conforme Renato Vieira, o juiz de garantias deve apreciar a denúncia, caso contrário não haverá mudança significativo no processo penal.

    “O legislador brasileiro já assumiu o posicionamento de que a prova é o que se produz no contraditório. Quando o STF altera a ideia do Legislativo, o Supremo está dando passos para trás”, afirmou. De acordo com o especialista, o juiz da causa deve vir “descontaminado, em estado de originalidade cognitiva”, para poder tocar a instrução do processo e, ao fim, julgar o réu.

    Para Vieira, a discussão na Corte tem se dado com uma má compreensão da “essência” do juiz das garantias.

    “Ninguém estabeleceu uma separação de competência por acaso. A razão de ser dessa separação é justamente fazer cada juiz apreciar determinado contexto de informação”, declarou. “O juiz da causa, que vai sentenciar o réu, tem que receber o processo em estado de neutralidade e ineditismo, tanto quanto possível. Quando você fala para ele apreciar o recebimento, ele tem que olhar para o que está o inquérito, e aí acabou o ineditismo.”

    Prazo

    Uma das autoras das ações que contestam o juiz de garantias no STF, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) se posicionou logo depois do fim da sessão de quinta-feira (17), quando se formou a maioria na Corte pela criação obrigatória do instrumento.

    Para a entidade, é preciso que o novo modelo seja implantado no Judiciário “dentro de um prazo razoável”.

    Leia a íntegra da nota da AMB

    A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) apresentou a ação contra a implementação do juiz das garantias, tal como previsto na lei, por entender que a medida, além de inviável financeiramente, provocaria abalos significativos no Sistema de Justiça, com consequências negativas sobre a prestação jurisdicional.

    Ao final do julgamento, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o caso será cumprida – e a AMB está pronta para auxiliar os magistrados na execução das determinações previstas na legislação. É fundamental, porém, que a implantação do novo modelo se dê dentro de um prazo razoável e com respeito à autonomia dos Tribunais.”

    A definição de prazo para a implantação do juiz de garantias ainda está aberta no Supremo. Há propostas de 12, 18 e 36 meses. A fixação deverá ser feita ao final do julgamento.