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    Eleições 2022

    Sergio Vale: Duas propostas econômicas feitas pelos “pais” do Plano Real

    Me parece incontornável dizer que o Estado de fato será o foco de atenção nos próximos anos, mas precisamos combinar com a política

    Sergio Valeda CNN

    Com a proximidade das eleições, propostas econômicas têm sido divulgadas, a parte dos projetos dos candidatos. Duas especialmente chamaram a atenção, curiosamente cada uma capitaneada pelos dois principais teóricos do Plano Real, André Lara Resende e Pérsio Arida. Mas as duas propostas destoam em muita coisa e se aproximam de um fato que será incontornável nos próximos anos.

    O fato inadiável é o papel do Estado. De um lado, o grupo de Resende defende um estado mais presente, com políticas públicas mais ativas, especialmente com a volta do investimento público, desta vez capitaneado pelo BNDES. A ideia de um Copom ampliado em que a política fiscal é incorporada, na ideia de que as duas políticas, fiscal e monetária, tem que ser coordenadas.

    Por outro lado, o grupo de Arida considera um Estado que precisa garantir apoio para as reformas necessárias. E propõem um “programa especial de gastos” durante aparentemente quatro anos com 1% do PIB em que 60% seriam gastos sociais e o restante distribuídos em gastos para aumentar a produtividade e de sustentabilidade ambiental. Em ambas as propostas a ideia de uma reforma do estado, mais profunda no grupo de Arida do que de Resende. A reforma tributária também surge nas duas como pontos importantes da agenda.

    Mas o que destoa, e na verdade tem sido assim nos últimos anos, é que Resende se aproximou de uma visão mais heterodoxa da economia enquanto Arida percebe a necessidade do Estado, mas com um foco muito mais amplo em reformas do mesmo com continuidade do peso do setor privado. O programa especial de gastos viria de forma temporária para apaziguar a sociedade em torno da necessidade de reformas, essas sim as duradouras e relevantes.

    O grupo de Resende coloca o BNDES como capitão dos investimentos públicos, correndo o risco de voltarmos às velhas práticas de anos atrás. Arida, assim, foca no social de curto prazo para dar espaço para reformas de cunho privado e profundas no Estado. Resende, de outro lado, foca no papel do Estado como indutor do crescimento através de diversas políticas públicas mais ativas.

    Me parece incontornável dizer que o Estado de fato será o foco de atenção nos próximos anos, mas precisamos combinar com a política. O grupo de Arida tem uma preocupação maior com isso ao considerar, por exemplo, o sequenciamento político ideal das reformas com o objetivo de ter apoio político.

    Na reforma tributária, capitaneada por Bernardo Appy, nota-se o cuidado na parte técnica em demonstrar como pode haver ganhos importantes de produtividade para as empresas sem perda de arrecadação, ao tributarmos mais a renda dos mais riscos e desonerando tributação das empresas e do trabalho. Resende não considera isso e não indica os problemas políticos que haveriam em migrar as decisões de investimentos públicos da política para o BNDES.

    A política me parece um impeditivo para que reformas muito profundas avancem. Tenho receio de que apenas a parte mais vantajosa politicamente, como o programa especial de gastos com o peso maior das políticas públicas nas duas propostas, ganhe espaço na agenda política de um Congresso cada vez mais vocal. A força do Centrão na liderança de Arthur Lira deve continuar ano que vem e vai dificultar propostas muito ousadas de agenda reformista.

    Tenho impressão que estamos maduros apenas para uma reforma tributária mais relevante e ajustes no regime fiscal, com reformulação da regra do teto. Essas duas agendas já vão ganhar todo o tempo político no primeiro semestre em uma sociedade que ainda estará muito polarizada. O cuidado a se tomar é não fazer uma reforma tributária apenas na renda, mas insistir nas PECs 45 e 110 que reforma profundamente o sistema tributário de bens e serviços, proposta essa detalhada no projeto de Arida e que deveria ser levada adiante.

    Ao mesmo tempo, modernizar a regra do teto significa dar flexibilidade que não dependa de mudanças constitucionais para incorporar o ciclo econômico. Em um momento de recessão, aumenta-se o gasto público, o inverso acontecendo em momento de expansão da economia. Manter uma regra do teto mais flexível com uma regra de dívida pode ser um caminho virtuoso no novo regime fiscal que dê durabilidade a regras que o Brasil tão costumeiramente quebra.

    Essas duas agendas me parecem ser o que é possível politicamente de fazer e deveria ser o foco de atenção para não perdermos o tempo precioso de início de mandato.

    Este texto não representa, necessariamente, a opinião da CNN Brasil.