Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Eleições 2022

    Sergio Vale: A extrema-direita hoje

    Polo político se divide entre uma direita radical populista, que aceita aspectos da democracia, e uma direita ultrarradical

    Polarização no Brasil não deve terminar depois da eleição para presidente
    Polarização no Brasil não deve terminar depois da eleição para presidente Antonio Cruz/Agência Brasil

    Sergio Vale

    O título desse artigo é o mesmo do último livro de Cas Mudde, talvez o maior especialista em extrema-direita hoje no mundo. Com vários livros e artigos sobre o assunto, acabou de ser lançado no Brasil um compilado de sua visão sobre o que é a extrema-direita no mundo atual.

    Como não poderia deixar de ser diferente, Bolsonaro perpassa diferentes partes do livro, escrito nos momentos iniciais de seu governo, mas quando já se tinha claro que seu ideário de vida não seria deixado de lado em seu mandato.

    Mudde tem o cuidado de diferenciar as extremas-direitas de hoje em uma direita radical populista, que aceita aspectos da democracia, e uma direita ultrarradical, mais revolucionária.

    Ele não posiciona Bolsonaro em um ou outro, porque talvez o atual presidente tenha aspectos de ambos os lados. Se, de um lado, ele é populista e aceita passar pelo crivo das eleições; por outro, flerta frequentemente com teses infundadas sobre as urnas eletrônicas e é conhecido seu apreço pela ditadura brasileira do passado.

    A salvaguarda brasileira, que nos impede de tornar uma Hungria e nos torna mais parecidos com a complexa Polônia, é que ele não conseguiu controlar nem o Legislativo nem o Judiciário, como Orban na Hungria conseguiu.

    Em que pese um Congresso mais à centro-direita, tirando alguns nomes mais radicais, o novo Legislativo poderia ser caracterizado mais como uma direita tradicional que vai jogar o jogo político normal caso Lula ganhe. Grande parte dessa direita legislativa na verdade é o velho Centrão, que saberá se ligar a Lula se este ganhar.

    Partidos identificados estritamente com a extrema-direita nós não os temos, como existem na França, Alemanha, Áustria, Itália e Suécia, para ficar em alguns exemplos em que a extrema-direita tem força. Diferentemente desses países europeus, essa tradição é recente no Brasil e não deu tempo ainda de formar partidos fortes com essas características.

    Sendo isto verdade, o bolsonarismo é um movimento à procura de um partido de fato para chamar de seu, que ainda não existe e não se sabe se vai existir. O tipo de radicalidade que o atual presidente inspira é algo que os europeus veem há décadas.

    Não à toa, Mudde considera essa a quarta onda da direita, mais consolidada do que as outras três ondas, mas de qualquer maneira diferente da direita que existia no país no passado.

    Paulo Maluf, por exemplo, é o típico político tradicional de direita, mas sem as pautas identitárias, xenófobas e claramente machistas com que a direita radical europeia e a atual direita brasileira tanto se identificam.

    Se Bolsonaro perder as eleições, o que parece mais provável, a direita seguirá presente, como Mudde acredita. Ela veio pra ficar e se a ultradireita tem dificuldades de fincar raízes, a direita radical populista já possui uma estrutura partidária que lhe permite sobreviver a líderes, que vêm e vão.

    O bolsonarismo não possui uma estrutura partidária que lhe dê perenidade, com membros radicais avulsos espalhados em diversas agremiações. A nossa excessiva pluralidade partidária paradoxalmente acaba sendo uma proteção ao surgimento de um partido de direita radical populista nos moldes europeus.

    Entretanto, as ideias que o presidente ecoa seguirão em frente à espera de alguém que as reverbere. De qualquer maneira, o radicalismo histórico de Bolsonaro é algo não construído da noite para o dia e pelo menos hoje não parece haver nenhuma liderança que se aproxime do grau de radicalidade que ele propaga.

    Poderia ser sinal de uma direita que volte à normalidade ou dará espaço para o surgimento de alguém tão radical quanto? Não sabemos ainda, mas o que parece claro é que essa polarização não vai diminuir.

    Criada pelo próprio PT com o “nós contra eles”, a divisão do país seguirá entre essas duas frentes e ainda teremos dificuldade de sairmos dela ainda na próxima eleição.

    A morte de Getúlio Vargas não acabou com o getulismo, que acabou por terminar apenas no golpe de 1964. Precisaremos de anos para entender o que vai sobrar dos espólios políticos de Lula e Bolsonaro.

    O PT sai na frente, pois tem uma estrutura partidária antiga e consolidada que será testada em termos de lideranças. O bolsonarismo não parece ter essa força para perdurar.

    De qualquer maneira, essa polarização ainda nos perseguirá e talvez não será em 2026 nem em 2030 que isso se normalizará. Teremos que acompanhar a atual crise inflacionária europeia e americana que poderá ser o novo gancho para manutenção da direita mais estridente por lá, reverberando também por aqui.

    A eleição em 30 de outubro é apenas um momento no meio de tempos turbulentos que ainda viveremos.

    Este texto não representa, necessariamente, a opinião da CNN Brasil.