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    Relatórios da Abin apontam “prévia” do 8 de janeiro em manifestações de 2021

    CNN teve acesso à íntegra dos documentos, que traçam uma linha do tempo para demonstrar essa conexão

    Pedro NogueiraMarcos Amorozoda CNN

    em Brasília

    Relatórios da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) apontam uma conexão entre as manifestações antidemocráticas de 7 de setembro de 2021 e os atos criminosos de 8 de janeiro de 2023, indicando que os participantes usaram a mesma estratégia nos dois eventos.

    A CNN teve acesso à íntegra dos documentos, que traçam uma linha do tempo para demonstrar essa conexão. Os documentos foram entregues à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) em funcionamento no Congresso Nacional.

    São 11 relatórios de inteligência produzidos entre os dias 27 de dezembro e 2 de março, com a listagem de empresas que financiaram ônibus e caminhões em direção a Brasília.

    Eles identificam grupos extremistas violentos formados por reservistas das Forças Armadas nos acampamentos e descrevem o envolvimento de empresas do agronegócio e do garimpo ilegal em terras indígenas nos atos de 8 de janeiro.

    Também mostram quem são as pessoas e empresas que mobilizaram a chamada “Caravana Tomada Pelo Povo”, que culminou com a invasão dos edifícios públicos na Praça dos Três Poderes.

    “As ações concertadas de 7 set. 2021 apresentam semelhança com a campanha de contestação do resultado eleitoral desencadeada a partir de 30 out. 2022”, destaca um trecho dos relatórios. Para a Abin, os participantes dos atos se utilizaram do “mesmo repertório de protestos, empregado de maneira combinada, […] nas duas ocasiões”.

    De acordo com os documentos, o movimento para a tentativa de deslegitimação do processo eleitoral começou logo depois do anúncio da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na noite de 30 de outubro de 2022.

    As três primeiras ações desencadeadas em sincronia foram: (1) bloqueios rodoviários; (2) instalação de acampamentos em frente a organizações militares em todos os estados; e (3) deslocamento de caminhões em comboios para Brasília.

    Um quarto tipo de ação consistiu em atos de vandalismo e atentados contra infraestruturas – iniciados, também, em novembro de 2022. Os atentados incluíram a sabotagem de pontes, tentativa de atentados a bomba no acesso ao aeroporto de Brasília e derrubada intencional de torres de transmissão de energia elétrica.

    “A base social mobilizada também apresenta aspectos comuns. Em 6 e 7 set 2021, a maioria dos caminhões utilizados na invasão da Esplanada pertencia a empresas agrícolas e do ramo de transportes, sendo reduzida a participação de caminhoneiros autônomos. O mesmo pode ser dito dos caminhões enviados em comboio a Brasília a partir de 4 nov. 2022”, descrevem os documentos.

    Comboios de caminhões

    De acordo com a Abin, cerca de metade dos caminhões que chegaram a Brasília em 4 de novembro estava registrada em nome de pessoas jurídicas, atuantes principalmente no agronegócio.

    Da metade restante, a maior parte pertence a sócios de grupos econômicos majoritariamente ligados ao agronegócio.

    Foram identificados 272 caminhões que integraram os comboios em direção a Brasília. Do total, 93% estão registrados em apenas quatro estados: Mato Grosso (136), Bahia (46), Goiás (46) e Paraná (26). Os municípios de Sorriso (MT) e Luís Eduardo Magalhães (BA) foram os que tinham o maior número de caminhões — 72 e 22, respectivamente.

    A adesão de caminhoneiros autônomos foi residual, não tendo ocorrido adesão da categoria ao movimento, tal como observado em setembro de 2021.

    Alertas de segurança

    Os documentos listam 32 alertas rápidos, enviados a autoridades locais e federais, sobre as movimentações de caravanas em direção a Brasília e sinais da escalada violenta durante o ataque à Praça dos Três Poderes.

    No dia 8 de janeiro, a Abin produziu 22 alertas, desde a saída dos primeiros manifestantes, às 8h30, até a dispersão, às 21h30.

    O primeiro alerta foi enviado no dia 2 de janeiro, descrevendo as movimentações em acampamentos nas organizações militares e bloqueios em estradas. A primeira menção ao risco de manifestações violentas acontece no dia 6 de janeiro, dois dias antes do incidente.

    A Abin fala em baixa perspectiva de manifestações contra o resultado da eleição, mas destaca risco de ações violentas contra edifícios públicos e autoridades.

    O relato foi compartilhado com os ministérios da Defesa, da Justiça, da Infraestrutura e com o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), além de agências reguladoras como a ANTT (transportes terrestres) e a Anatel (telecomunicações).

    No dia 3 de janeiro, a agência relata a chegada de 18 ônibus ao acampamento em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília, além do impedimento de acesso de caminhões-tanque às refinarias.

    Mapeamento

    Os relatórios produzidos pós-ataques compartilham informações sobre empresas suspeitas do financiamento de ataques e os principais participantes.

    Um dos produtos aponta internauta responsável por 119 grupos de Telegram – dois deles responsáveis por disseminar conteúdos extremistas e violentos.

    Outro relatório lista contratantes de ônibus fretados para levar os manifestantes a Brasília, incluindo 91 indivíduos e 26 pessoas jurídicas.

    Garimpeiros

    A Abin traçou uma rede de associações entre empresários do garimpo ilegal em áreas de proteção ambiental no Pará e o financiamento das manifestações antidemocráticas em Brasília.

    A agência avaliou maquinários agrícolas apreendidos em terras indígenas e traçou conexões com empresas e empresários ligados ao lobby pró-garimpo em Brasília.

    Esses mesmos empresários financiaram manifestações políticas no Pará e em Brasília. Alguns inclusive foram identificados nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro na capital federal.

    Os empresários já teriam realizado reuniões com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), além de outros políticos na capital federal, buscando apoio para liberação do garimpo em unidades de conservação e terras indígenas.

    Os principais empresários identificados pela Abin são ligados a uma cooperativa de mineradores do Pará. Segundo o relatório, um deles aponta a empresa Hyundai Construction Equipment como financiadora de maquinários agrícolas para a região.

    Em 2018, ainda de acordo com informações do relatório, a empresa teria financiado cerca de R$ 220 milhões em equipamentos.

    *ERRATA: Inicialmente a matéria citava a montadora Hyundai como financiadora de maquinários, no entanto, se trata de uma empresa homônima. A informação foi corrigida. A CNN pede desculpas pelo erro.