Redução de recursos atrasa modernização das Forças Armadas
Efeito do Teto de Gastos, bem como outros problemas administrativos, fez com que as entregas de veículos estratégicos sofressem atrasos
Os sistemas de defesa das Forças Armadas do Brasil enfrentam atrasos em sua modernização devido à redução dos investimentos nos últimos anos. O assunto foi tema do programa WW, que abordou os programas estratégicos que vêm sendo coordenados por Marinha, Exército e Força Aérea e os impactos causados pela redução dos recursos.
O teto de gastos, criado em 2016, é apontado como um dos fatores que contribuíram para a redução dos investimentos em defesa. A A Emenda Constitucional 95/2016 instituiu o Novo Regime Fiscal, com vigência por vinte anos, que fixou limites para as despesas primárias do poder público.
A redução no orçamento dedicado à defesa causou impacto direto na renovação de veículos e provocou atraso no cronograma das compras. Tais medidas afetaram especialmente os mais recentes programas estratégicos das Forças Armadas, como a aquisição dos caças suecos Gripen, o Prosub (programa de Submarinos) e até mesmo a frota de blindados, na qual o Exército Brasileiro tem forte tradição de inovação e tecnologia.
O programa de blindados Guarani conta com um orçamento previsto de R$ 30,5 bilhões, mas até agora apenas R$ 3,2 bilhões foram executados. Isso fez com que o prazo de entrega dos 1.580 veículos fosse estendido de 2030 para 2040.
A FAB (Força Aérea Brasileira) também sofreu os impactos da redução da receita. O prazo original da entrega dos caças Gripen, de origem sueca e que atendem aos requisitos da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte) foi estendido de 2024 para 2027. Ao todo são 36 unidades, em um acordo que inclui inclusive a transferência de tecnologia, com parte da produção feita em território nacional.
Os atrasos também contemplam os imponentes aviões de carga KC-390, da Embraer. As aeronaves, que seriam entregues em 2027, tiveram o prazo adiado para 2034.
A Marinha também não foge à força da tesoura do Teto de Gastos. O orçamento previsto para a Força no período de 2017 a 2022 era de R$ 12 bilhões, mas caiu para R$ 9 bilhões. O resultado: mais atrasos. Os quatro submarinos convencionais do Prosub deveriam ter sido entregues no ano passado, mas só chegarão em 2025. O veículo de propulsão nuclear, previsto para este ano, só será entregue em 2033.
Em busca de soluções
Para contornar esses problemas, o ministro da Defesa José Mucio defende uma ampliação dos recursos destinados previamente para o setor. Atualmente, o Brasil separa 1,1% de seu orçamento e a meta da pasta é chegar a 2%.
Em audiência na Câmara dos Deputados, Múcio pediu aos parlamentares que coloquem o tema na pauta de votação. Segundo ele, esse número é o adotado pelos países de maior relevância geopolítica.
Ronaldo Carmona, professor da Escola Superior de Guerra (ESG), pondera que o mundo vive atualmente um momento de grande instabilidade política e que, por isso, investir em defesa se torna imperioso. “O Brasil precisa se situar de que temos um novo mundo. A guerra na Ucrânia demonstra que o mundo está cada vez mais perigoso”.
Ele destaca que as características naturais do Brasil, que é rico em recursos naturais e possui uma relativa vulnerabilidade em suas longas fronteiras, exige que o país amplie sua capacidade dissuasória e defende a tese de José Mucio. “Precisamos equiparar nossos investimentos com nações da nossa estatura – isso ocorre tanto com os países da Otan quanto dos Brics”.
O aumento dos investimentos faria não apenas com que a modernização dos sistemas de defesa fosse preservada, mas também ajudaria no desenvolvimento da indústria de defesa. O setor hoje emprega cerca de 1 milhão de pessoas e também é crucial para a evolução tecnológica, inclusive para fins civis, além de ser de alto potencial de exportação.
A maior parte dos projetos estratégicos das Forças Armadas foram concebidos nos primeiros governos do PT e a expectativa é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva olhe com carinho para a questão. Ele já acenou com a promessa de investimentos, até mesmo como uma forma de angariar apoio dos militares, que nos últimos anos demonstraram forte inclinação ao bolsonarismo.
Um outro aspecto que pode influir nesse aumento dos investimentos em defesa é a política de reafirmação internacional que o presidente Lula tenta emplacar desde que iniciou seu mandato. Um país com maior presença nas discussões mundiais e que reivindica um assento permanente no Conselho de Segurança. Um país com essas aspirações necessita de forças armadas mais bem equipadas e modernizadas.
Carmona lembra que o conflito no Leste Europeu deixa claro que alguns investimentos são prioritários. “Precisamos modernizar o sistema de defesa antiaérea, que tem sido fundamental na guerra da Ucrânia”.
Tecnologias próprias
O professor da ESG também destaca algo que vem sendo adotado no Brasil, mas que precisa avançar mais: gerar tecnologias próprias ou investir na transferência a partir de projetos a ser consolidados, como feito na aquisição dos caças Gripen.
“Os exemplos demonstram muito claramente que o Brasil precisa buscar autonomia em tecnologias críticas, já que os países negam acessos às partes mais sensíveis, como de um submarino nuclear, sistemas para guiar mísseis ou defesa antiaérea”, explica. “O mundo passa por uma crise da globalização, em que os estados nacionais buscam constituir autonomia”.
(Com colaboração de Daniel Rittner e Marina Demori)