Quem é o juiz Eduardo Appio e por que ele foi afastado da Lava Jato
Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4) afastou magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba na noite de segunda (22)
O juiz federal Eduardo Appio foi afastado, nesta segunda-feira (22), da 13ª Vara Federal de Curitiba – e da responsabilidade pelos processos da Operação Lava Jato – após determinação do Conselho do Tribunal Regional Federal da Quarta Região (TRF-4).
A decisão de afastamento do juiz de 53 anos que estava no cargo há menos de quatro meses não é definitiva. Appio tem 15 dias, a partir do momento em que for notificado, para apresentar sua defesa.
Com o afastamento de Appio, quem fica responsável pelos processos da Lava Jato provisoriamente é a juíza Gabriela Hardt, que já havia substituído Sergio Moro, em 2018, quando este pediu exoneração para compor o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Quem é Eduardo Appio?
Antes de assumir o cargo, Appio estava na 2 Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais do Paraná, onde cuidava de questões de Direito Tributário. Maratonista desde 15 anos, o juiz corre todos os dias: “Sou viciado em endorfina.” Também é fã de cinema e literatura. O autor favorito é Philip Roth e o diretor é Elia Kazan.
Especialista em Direito Constitucional e natural do Rio Grande do Sul, Eduardo Appio assumiu como titular 13ª Vara Federal de Curitiba em fevereiro deste ano, após o juiz Luiz Antônio Bonat ser promovido a desembargador do TRF-4.
Bonat inclusive participou do julgamento que culminou no afastamento de Appio – seu nome consta como suplente na certidão de julgamento da Corte Especial Administrativa da Corte regional.
Na época em que assumiu, os processos que tramitavam em Curitiba correspondiam a 40% do acervo original da operação. Apesar de ser crítico da Operação, Appio disse que não seria o “coveiro oficial” da Lava Jato.
A cadeira da qual o juiz agora foi afastado foi ocupada pelo ex-juiz Sérgio Moro, hoje senador, no auge da Lava Jato.
Desafeto de Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol, artífices da operação, Appio assumiu o rótulo de “garantista” (termo que se sobressaiu justamente em meio à Lava Jato; indica um perfil jurídico que prioriza a garantia de prerrogativas individuais), e se tornou um crítico declarado de métodos da operação.
“Mesmo no auge da Lava Jato, quando havia essa tsunami popular em favor da operação, eu me sentia muito à vontade, como professor, para fazer uma crítica ao que estava acontecendo, porque entendia que havia excessos”, disse na ocasião.
As críticas renderam, por exemplo, ataques públicos de Dallagnol, que acusou o juiz de alinhamento com um programa ideológico de “esquerda”.
Desde que assumiu o juízo base da Operação, Appio tomou uma série de medidas que inquietaram a antiga força-tarefa, como o resgate do capítulo Tacla Duran, ex-operador financeiro da Odebrecht que acusa Moro e Deltan Dallagnol.
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli determinou o envio à Corte de cópias na íntegra de duas ações penais, recursos e outros procedimentos envolvendo o advogado Rodrigo Tacla Duran em casos da Lava Jato.
Foi também o juiz federal quem concedeu à defesa do doleiro Alberto Youssef o acesso ao laudo da Corregedoria da Polícia Federal (PF) que apontou que a Lava Jato grampeou ilegalmente Youssef e outros presos da operação em uma cela da carceragem em Curitiba, em 2014.
Appio determinou que Superintendência da Polícia Federal (PF) no Paraná instaurasse um inquérito sobre a escuta ilegal encontrada.
Afastamento de Appio
O TRF-4 tem sede em Porto Alegre e jurisdição nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, com Turmas Regionais descentralizadas em Florianópolis e Curitiba.
Foi levantada a suspeita de que ele teria ameaçado o filho do desembargador federal Marcelo Malucelli por meio de um número bloqueado.
Na ligação, ele teria se identificado como um funcionário da Justiça Federal se referindo a dados sigilosos referentes a imposto de renda e despesas médicas.
O magistrado era titular da 13ª Vara Federal em Curitiba desde o dia 8 de fevereiro deste ano. A decisão de afastamento não é definitiva. Appio tem 15 dias, a partir do momento em que for notificado, para apresentar sua defesa.
O relatório da decisão, obtido pela CNN, diz que, em tese, o juiz pode ter cometido as seguintes infrações:
“(a) consultar dados de sistema restrito a que tem acesso (consulta de dados de advogados no eproc) para intimar, constranger ou ameaçar desembargador federal, fazendo uso de acesso privilegiado aos sistemas da Justiça Federal da 4ª Região para fins alheios aos interesses estritamente institucionais, na atividade-fim, que lhe é atribuída;
(b) efetuar ligação por meio de telefone sem identificador de chamada, não se identificando corretamente;
(c) passar-se por terceira pessoa (servidor da área de saúde do TRF4, pessoa que não existe);
(d) realizar ligação para filho de desembargador federal que figurou como relator em correições parciais que o magistrado sofreu, logo após ter sido comunicado das decisões desfavoráveis proferidas pela turma julgadora do TRF4 e, nesse contexto, tecer afirmações relacionadas a supostas consulta à base de dados da Receita Federal em nome do desembargador-relator, com menção a valores a devolver e a despesas médicas, como se detivesse informações de cunho relevante, capazes de causar algum tipo de intimidação, constrangimento ou ameaça ao desembargador-relator, ou a seu filho”.
O documento detalha o passo a passo da investigação. Diz que “o desembargador federal Marcelo Malucelli noticiou que em 13/04/2023 seu filho, João Eduardo Barreto Malucelli, havia recebido ligação telefônica que entendia capaz de “evidenciar ameaças” a ele direcionadas” e que “também encaminhou documentos relacionados à ligação telefônica, inclusive gravação desta e atas notariais a certificar o contexto dos fatos”.
“Naquele momento, a ligação telefônica pareceu suspeita, uma vez que:
(a) realizada com número bloqueado (sem identificação do ID do chamador);
(b) o interlocutor utilizou-se do nome de “Fernando Gonçalves Pinheiro” e identificou-se como servidor da área de saúde da Justiça Federal, o que posteriormente se verificou não ser verdadeiro, porque não existe servidor com esse nome na Justiça Federal da 4ª Região;
(c) o interlocutor justificou estar utilizando o sistema Skype para economizar valores da Justiça Federal na ligação, quando não há essa política em âmbito institucional;
(d) o interlocutor mencionou ter consultado bases de dados do imposto de renda do desembargador federal e se dirigiu diretamente ao filho desse desembargador, fazendo também menção a informações que não eram corretas e se contradizem (dizendo que o número do celular pertenceria ao desembargador e, depois, ao seu filho);
e (e) a ligação foi abruptamente encerrada pelo interlocutor, sem que houvesse alguma justificativa para que a ligação tivesse sido feita ou fosse daquela forma encerrada”, diz o relatório.
O relatório afirma que “pôde-se perceber existir muita semelhança entre a voz do interlocutor da ligação telefônica suspeita e a do juiz federal Eduardo Fernando Appio, tendo então a Presidência do TRF4 e a Corregedoria Regional noticiado esses fatos à Polícia Federal e solicitado realização de perícia para comparação do interlocutor da ligação suspeita com aquele magistrado federal”.
Segundo a defesa, o juiz Eduardo Appio da 13ª Vara Federal em Curitiba não vai se pronunciar.
* Publicado por Léo Lopes, com informações de Estadão Conteúdo