Projeto de poder de 12 anos é viável, diz José Dirceu à CNN; veja íntegra da entrevista
Viabilidade de projeto seria a partir de um bloco social, e não apenas do PT e de forças de esquerda
O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu afirma, em entrevista à CNN, que é viável um projeto de poder por 12 anos à frente do governo federal, a partir da vitória do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022.
“Vai começar um processo de crescimento, eu sempre vejo de 8 a 12 anos, eu nunca vejo, porque a vida não é assim. Quando nós chegamos no governo eu disse que nós tínhamos que ter uma perspectiva de 20 anos e nós tivemos”, explica Dirceu.
Para Dirceu, caso a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) não tivesse sofrido o impeachment, o PT teria “governado o Brasil por 20 anos”.
Para viabilidade do projeto de poder, no entanto, não é necessário apenas a participação do Partido dos Trabalhadores ou forças de esquerda, mas de um bloco social.
“É o Brasil. É o desenvolvimento do Brasil. Evidentemente conservando os interesses das classes trabalhadoras que nós representamos e das camadas médias que nós representamos. Eu vejo as eleições municipais como primeiro passo de um crescimento do PT. Não vai ser fácil’, expressa.
Veja a íntegra da entrevista abaixo:
Tainá Falcão, da CNN: Ministro, vou começar olhando para o presente. O senhor tem feito algumas avaliações sobre o governo Lula 3 que tem chamado a atenção da imprensa e eu queria tratar do seguinte: acompanhei a campanha do presidente Lula, e o que ficou evidente é que nesse terceiro ano de mandato, o presidente Lula precisou abrir mão de várias convicções. A exemplo da reestatização da Eletrobras, independência do Banco Central, possível mudança nas metas de inflação. Hoje, passado um ano do governo Lula 3, a gente olha ainda muitos conflitos com o Congresso Nacional e essa difícil relação. O novo governo Lula na sua avaliação, 20 anos depois do primeiro mandato, ficou ainda muito dependente do centrão do Congresso?
José Dirceu: É que a realidade do país é outra, o mundo é outro. São 20 anos, nós vivemos um governo que foi eleito, uma frente ampla, uma aliança com setores de centro-esquerda e que para consolidar-se uma maioria no Congresso, fez uma aliança com o PP e com o PR [atual PL]. Então é uma realidade completamente diferente. Isso em primeiro lugar. Segundo, nós não tivemos transição, porque do governo do presidente Fernando Henrique [Cardoso] para o governo do presidente Lula, houve uma transição. Logo depois do segundo turno, e mesmo antes, o presidente Fernando Henrique já nos consultava e consultava também o candidato José Serra sobre os acordos com o FMI [Fundo Monetário Internacional], por exemplo. E houve o 8 de janeiro, uma tentativa de golpe. E os ministérios estavam desmontados. Se nós levarmos em consideração as circunstâncias, o primeiro ano é um sucesso. Foi aprovada a PEC da Transição, depois a reforma do IVA, a âncora fiscal, com esse nome arcabouço fiscal. Ter aprovado todas as medidas, o orçamento, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, todas as medidas sociais que o governo retomou os programas sociais, ter destinado mais recursos para a saúde e educação, ter voltado uma atenção de novo para o combate à fome, à pobreza, é extraordinário, no mundo, no cenário que nós estamos vivendo, que nós estamos vendo, todos os países do mundo depois da pandemia, da guerra da Ucrânia e agora da guerra entre Israel e os palestinos, todos os países do mundo estão buscando autonomia, segurança alimentar, ambiental e principalmente tecnológica. E chegou a hora do Brasil.
Daniel Rittner, da CNN: Ainda a gente voltando um pouquinho para o passado, mas para entender o presente. Quando a gente puxa ali pelo fio da memória, lembra do primeiro governo Lula, o que vem a cabeça é uma série de conselheiros do presidente que estavam há muito tempo com ele, era o senhor, Luis Gushiken, Luis Dulce, Gilberto Carvalho, o próprio Palocci. E hoje a gente não encontra mais esse tipo de figura, da mesma geração do presidente, que estava há muitos anos com ele, aquela pessoa ali que a gente diz: ‘Abre a porta sem perguntar’. Vai entrando na sala do presidente e vai dar uma sugestão e vai dizer: ‘Presidente, não vai por aqui, vai por lá’. Que falta que faz uma figura como essa? Quem poderia desempenhar essa função hoje?
José Dirceu: Eu acredito que o presidente está bem assessorado. O Rui Costa foi governador por 8 anos, o Jaques Wagner, que é o líder do governo, ali de deputado federal, senador, foi ministro da Previdência, do Trabalho, se não me engano, da Casa Civil, da Defesa. A nossa presidente Gleisi, ela foi secretária de município, de Estado do governo Dilma [Rousseff], deputada federal, senadora, tem experiência. O José Guimarães, que é o nosso líder, deputado de vários mandatos. O próprio [Paulo] Pimenta, deputado. O Márcio Macêdo. E o [Alexandre] Padilha, que foi ministro de dois ministérios, Saúde e Relações Institucionais, que ele é de novo, e deputado federal. Porque a nossa geração está chegando aos 80 anos, é muito importante que tenha essa segunda geração, essa terceira geração. Porque, alguns têm 40 anos de idade, como é o caso do Zeca Dirceu, que por coincidência é meu filho, ele tem 45 anos, é a terceira geração de petistas. O governo do presidente Lula é um governo de frente ampla. É um governo que primeiro tem que garantir a democracia e restabelecer a harmonia entre os poderes. É um governo que precisa retomar o fio da história. Precisa de um bloco social, de uma aliança, e isso vai se construindo.
Por exemplo, quando o presidente apresenta agora essa nova política industrial, e a CNI e a Fiesp apoiam, isso já é uma mudança. Porque a esquerda sozinha não muda o Brasil, nós não temos força para mudar o Brasil sozinho. O Brasil precisa mudar, o Brasil não pode ficar assim.
Tainá Falcão: Ministro, eu vou puxar um pouquinho de novo a sardinha para a política, para gente olhar para os personagens que compõem o círculo mais próximo do presidente da República. O senhor menciona um deles, o ministro-chefe da Casa Civil, agora no governo Lula 3, que é Rui Costa, cita a experiência política dele de forma elogiosa na Bahia, mas o senhor também deve acompanhar que há críticas recorrentes do Congresso, da política, ao que consideram justamente a falta de trato com a política, muitas vezes Rui Costa é acusado da dificuldade de cumprir acordos feitos com o Congresso Nacional. Ano passado a cúpula chegou a sugerir a mudança na Casa Civil, ou seja, a mudança ou demissão, seja lá o que for de Rui Costa, como, aliás, faz neste momento também com Alexandre Padilha, das Relações Institucionais. Eu queria que o senhor fizesse uma avaliação sobre as críticas a Rui Costa, se ele atende ao perfil, neste momento, de um ministro da Casa Civil. E outro personagem que também surge na esteira de aproximação com o presidente Lula agora, muito também alvo de críticas e questionamentos, é a primeira-dama, a Rosângela Silva, a Janja, que atua como uma conselheira informal do presidente da República, alvo de críticas dentro do PT recorrentes, inclusive, pela influência dela na política e atuação na política, e em medidas relacionadas ao governo. Sobre Janja, a quem o senhor atribuiu a existência de hoje o papel que ela desempenha de conselheira informal do presidente da República, que aliás, aparentemente é aprovado pelo presidente Lula?
José Dirceu: Totalmente aprovado pelo presidente Lula. Eu e minha companheira, minha esposa, mãe dos meus filhos, que passou os piores momentos da vida comigo, eu fui casado várias vezes, elas sempre tiveram uma influência fundamental nas minhas decisões e na minha vida. A primeira-dama, ela defende uma pauta das mulheres, antirracista, anti-homofóbica, do meio ambiente, social. Por que o presidente pode ter amigos que são conselheiros dele influentes, como vocês mesmos reconhecem, e ela não pode ser uma conselheira influente do presidente? É machismo? É preconceito? Eu não vejo nenhum problema nisso. Quer dizer que o presidente da República, a dona Ruth não tinha influência no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso? Ela comandou a Solidariedade, vamos lembrar isso. O principal programa social que o Brasil teve antes dos programas sociais nossos, que foi o Solidariedade, nós tínhamos críticas, como muitos tem críticas aos nossos programas, dona Ruth tinha um papel fundamental.
Eu não sei se é preconceito, se é machismo. E depois quem é o arbitro, o senhor dessas questões, é o presidente da República. Pelas declarações que ele deu ontem no programa do Mário Guedes ele está muito feliz. Ainda bem que o Lula está feliz. Porque é um presidente da República. Já imaginou um presidente da República de mau humor, infeliz. Porque o presidente da República ou o presidente da Câmara e do Senado, o presidente do Supremo tem um poder e o estado de saúde deles, o estado de bem-estar dele é muito importante para o país.
A questão do Rui Costa e do Padilha, as dificuldades não estão no Rui Costa e no Padilha, estão na situação de correlação de forma no Congresso, nas dificuldades de recursos que nós temos. Mesmo assim, se nós olharmos tudo o que o Congresso aprovou, o Congresso brasileiro nesse ano, trabalhou e trabalhou muito e aprovou coisas fundamentais para o país. Só a reforma tributária, eu não vou falar de todas as leis que foram aprovadas, na área da saúde, da educação, agora, essa bolsa. Todas que foram aprovadas com relação ao Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida que voltou. Todos os programas que o presidente retomou, o Congresso aprovou.
Eu acredito que há muita disputa política nisso também, lógico que todos gostariam, o presidente já teve ministros da centro-direita, o Mares Guia, o Múcio, meu amigo pessoal, ele foi ministro da articulação política. O presidente é senhor dessas decisões, se ele está mantendo o Rui, se ele está mantendo o Padilha, é porque ele considera que dentro das circunstâncias, eles estão fazendo um excelente trabalho. Porque dizer que o ministro Rui Costa não tem experiência, não tem capacidade, não corresponde à realidade, porque acabou de eleger o sucessor dele numa eleição que todos diziam que era impossível.
Porque, agora, o presidente é senhor dessas decisões. Eu deixo para a oposição criticar o governo. O meu papel é mostrar o que o governo fez de importante para o país, que move o país, que faz o país ir para a frente. Porque eu penso, a minha paixão sempre foi o Brasil. Quando eu vi o Juscelino Kubitschek menino ainda, lá em Passa Quatro, porque eu sou mineiro, meu sangue, minha raiz, minha terra é Minas Gerais, é Passa Quatro, para mim é parte da minha vida.
O que importa é o seguinte: o Brasil vai melhorar nesses quatro anos ou não? Também vamos nos ater a isso. E buscar aliança, buscar formar uma maioria no país favorável a um rumo, a um programa mínimo, não tudo o que a esquerda e o PT quer, aquilo que o Brasil precisa. E o Brasil nesse momento precisa olhar o mundo e pensar que ele tem uma oportunidade, abrir uma janela, porque todos querem olhar para o Brasil, por causa da questão energética, da questão ambiental, e por causa do papel que o Brasil pode ter na América do Sul. Porque a América do Sul é um problema, olha o Equador, olha a situação do Peru.
Daniel Rittner: O senhor falou das vitórias que o governo teve em 2023 no Congresso, muitas indiscutíveis, principalmente a agenda econômica, mas a que custo? Porque o Congresso tem crescido, como uma força vis a vis o Executivo. Basta ver, emendas parlamentares, R$ 53 bilhões de reais, era um quinto disso há 10 anos. E esse crescimento de emendas parlamentares, por exemplo, é um processo natural, ou é um crescimento desmedido?
José Dirceu: Depende. Se as emendas parlamentares estão dirigidas para programas prioritários para o país, e se há um controle, uma fiscalização sobre o uso para evitar o desvio de recursos ou a apropriação indébita de recursos, pode se compatibilizar. Agora, para mudar isso, precisa mudar a correlação de forças no Congresso. Quer dizer, se nós queremos fazer alguma mudança nas relações entre a Câmara e do Senado, dentro da Constituição, nós temos que ter maioria. Porque o orçamento impositivo é constitucional. Qualquer outra questão tem que ser levada ao Supremo, para dizer se é legal ou não. É a realidade, nós temos que conviver com ela. E devemos trabalhar, nós, a sociedade, a imprensa, as entidades, as organizações, os partidos, trabalhar para evitar o desvio de finalidade e o desvio de recurso. Porque se os recursos são dirigidos para áreas que são prioritárias, pode se compatibilizar. Agora, se começa a ter uso eleitoral, se começa a ter desvio, aí nós temos o Tribunal de Contas, o Ministério Público e tem uma imprensa e tem os próprios deputados e senadores que devem denunciar para não prevaricar.
Infelizmente, essa é a realidade, e nós temos que trabalhar com ela. Mas eu digo: o presidente tem sido muito coerente, ele vetou para essa sociedade saber que nós não concordamos que os agrotóxicos só sejam fiscalizados pelo Ministério da Agricultura e que a Anvisa seja retirada disso. Que é uma coisa completamente absurda. E o Ibama. E outra coisa, quando tentou se desmontar o Ministério do Meio Ambiente, é lógico que nós temos que insurgir contra isso. Como é que o mundo vai olhar? E é contra o agronegócio isso. Essas questões depõem contra o agronegócio no mundo. E vamos lembrar que os países desenvolvidos usam muitas vezes as questões trabalhistas, direitos humanos e a questão ambiental para fazer medidas protecionistas e fechar os mercados para nós. Eu considero uma irresponsabilidade aprovar que o próprio usuário é que vai dizer se algo faz bem ou mal para a saúde pública.
Daniel Rittner: Mas ministro, tudo isso dificulta tanto essa reconstrução de pontes do presidente com o agro, que parece que é um setor que realmente foi para o bolsonarismo e não volta mais.
José Dirceu: Mas se foi para o bolsonarismo é inacreditável. O que seria do agro sem o Plano Safra? O que seria do agro sem os empréstimos que nós fizemos subsidiados para armazéns, máquinas e equipamentos para a modernização do agro no governo do presidente Lula e da presidente Dilma. A presidente Dilma emprestou a 3,5% ao ano recursos para armazéns. Hoje o agronegócio não tem armazéns, vende os recursos a sua produção para cinco irmãs que controlam as trades no Brasil, perdendo as vezes até abaixo do custo. Se tem uma seca, quem socorre o agro é o governo.
É uma oposição mais política e mais ideológica, do que uma oposição dos programas de governo nosso. O que nós fizemos que prejudicou o agronegócio brasileiro? Pelo contrário, o Estado brasileiro, por decisão do Congresso, por decisão da sociedade. Sem a Embrapa, o que seria do agronegócio brasileiro?
Daniel Rittner: Não é o discurso? O fato do presidente chamar de vez em quando parte do agro de fascista?
José Dirceu: Mas ele não quis dizer. Porque realmente tem uma parte que se comporta como tal, não o agronegócio. Eu não vejo no Brasil nesse momento, nós temos que nos unir no mínimo. Evitar que o máximo nos divida. Porque eu estou dizendo: a situação do mundo vai piorar. Vamos lembrar que teve a guerra do Iraque, Afeganistão, a Líbia, a Síria. E agora nós estamos vendo a guerra da Ucrânia e a guerra do Oriente Médio. Há uma crise na Europa. A Europa está em crise. É só olhar. Os Estados Unidos o Trump pode ganhar a eleição. O Milei acabou de ganhar a eleição na Argentina. Nós aqui derrotamos o Bolsonaro numa eleição democrática, mas a realidade é outra. Os países estão se auto protegendo, se voltando pra dentro, procurando resolver os seus problemas. Então, o que nós queremos no Brasil nesse momento é isso. Criar uma unidade em torno de um programa mínimo, que é esse programa que nós estamos tentando desenvolver. É para o bem do Brasil. Essas políticas que nós estamos apresentando não é para o bem do PT, do presidente. É para o bem do Brasil. O Brasil precisa fazer, é uma necessidade histórica.
Porque eu quero repetir: nós mesmos brasileiros não nos damos conta que nós somos um dos países mais importantes do mundo, em tamanho, em população, em riqueza, em desenvolvimento já. O Brasil é uma das 10 maiores economias do mundo. É uma oportunidade que nós temos única para as próximas gerações de resolver esses problemas que o Brasil têm. Porque querer levar o Brasil, na austeridade, ou achar que a agricultura e a mineração, ou o turismo, como é o caso da Nova Zelândia e da Austrália, vai resolver os problemas que o Brasil tem, isso não é o que os outros países estão fazendo. Os outros países todos, já repeti, estão fazendo política industrial, o Estado está sendo determinante. Nesse momento tem uma crise na Alemanha, porque fizeram um teto de gastos lá, e agora eles precisavam de 19 bilhões de euros e não pode. Mas a Alemanha precisa de 7 milhões de trabalhadores nos próximos anos e não consegue aceitar os imigrantes. A Alemanha está em recessão. A energia na Europa aumentou cinco, 10 vezes o custo. A Grã-Bretanha saiu da União Europeia e entrou em crise. Se nós olharmos o mundo, vamos chegar a conclusão que nós precisamos procurar aquilo que nós concordamos, isso eu estou falando para o PL, para o PR, falo às vezes para os líderes desses partidos, União Brasil, PSD, vamos olhar aquilo que é importante para o Brasil ir para frente nesse momento, resolver seus problemas. Porque a disputa é daqui a três anos, nós já fizemos a disputa. Vamos aproveitar esses três anos.
Tainá Falcão: Ministro, já colocando um pezinho na economia, eu queria te ouvir sobre a meta, a promessa de déficit fiscal zero mantida até aqui pelo menos pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Mas é sabido para mantê-la será preciso contingenciar em ano eleitoral, provocando muito barulho. O senhor é a favor de manter a meta, o senhor acredita que é possível mantê-la ou que o governo prometeu o que não pode entregar?
José Dirceu: Primeiro, essas questões dependem da Câmara e do Senado. Se nós falarmos: vamos fazer um déficit 1%, e se a Câmara e o Senado não concordarem com déficit 1%? A Câmara e o Senado concordaram com o arcabouço fiscal, com todas as suas consequências. Se não fizer o déficit zero, dispara gatilhos e várias restrições. O ministro, o que nós temos que fazer? Foi isso que eu defendi publicamente e muitos entenderam que eu estava fazendo uma crítica à presidenta Gleisi. Não estava fazendo à ela. O Diretório Nacional do partido aprovou uma resolução. Eu não tenho nenhuma divergência.
Tainá Falcão: Quando o senhor fala que é covardia não apoiar integralmente o ministro da Fazenda.
José Dirceu: O que o Haddad propôs? O Haddad não propôs só o arcabouço fiscal. Só o déficit zero. Ele propôs impostos sobre offshores, sobre fundos exclusivos, sobre uso de capital próprio, uma reforma do imposto de renda, impostos sobre lucros e dividendos, uma reforma dos impostos sobre o mercado financeiro. Então, nós temos que fazer tudo para tudo isso. E a Câmara deu já uma parte importante disso. Não só a reforma tributária, chamada âncora fiscal, como deu os impostos sobre offshores e sobre mundo exclusivo, e agora ele apresentou, já está na imprensa, o segundo movimento. E a política industrial, porque nós temos que entender que isso é um conjunto, porque o desenvolvimento de um país, não é macroeconomia, câmbio, inflação e juros. É a polícia de educação, de saúde, política de infraestrutura. A infraestrutura vai receber, está nos jornais, entre saneamento, linhas de transmissão e rodovias, já falei dos portos, vai receber quase R$ 160 bilhões de investimentos. Até a ex-ministra Kátia Abreu me mandou uma matéria sobre isso essa semana.
Então, o Haddad não apresentou o arcabouço fiscal. Primeiro não é o Haddad, é o governo e é o presidente Lula, foi isso que eu falei. Eu não posso ficar contra algo que o governo e presidente, eu posso discutir num governo, posso discutir no partido, debater e depois de decidido, que o presidente bater o martelo, todos nós temos que nos reunir para ajudar o governo a aprovar. E se cria, durante meses, um debate contra essas medidas.
Tainá Falcão: Mas não foi o próprio presidente Lula que pautou esse debate quando questionou o cumprimento da meta?
José Dirceu: O que o presidente Lula falou, eu entendi, certo, é que precisava aprovar as outras medidas para se manter o déficit zero, senão, não seria possível manter o déficit zero. Porque vamos supor qual a outra alternativa? Por que? Quem critica não apresenta alternativa. Porque em matéria de política econômica, tem que levar em consideração três coisas: primeiro, que existe um mercado financeiro poderosíssimo, que é um poder político, não é um poder econômico só. Porque tem representantes na Câmara e no Senado. Não tem a bancada rural, não tem a bancada da bola, da bíblia, do boi, como ironicamente se fala? Existem as bancadas, existem as forças econômicas organizadas no país.
O que nós fizemos, na verdade, foi um acordo realista e pragmático com os mercados, para não ficar, que já estava desmoralizado. Quem desmoralizou o teto de gastos foram os próprios governos Temer e Bolsonaro. Já chegou para nós inviabilizado. Se nós olharmos que a política do governo é a questão só. Porque, primeiro, a inflação está controlada, o Brasil está aumentando suas reservas, o emprego está crescendo, a renda não caiu. Então nós temos que olhar para esse lado e fazer esse impulso que é a política industrial, que são as novas reformas que o Haddad está propondo na renda, na riqueza e no patrimônio. Porque o Brasil precisa, nós precisamos desonerar, o trabalhador não pode comprar uma televisão e pagar 40% de juros. Porque a cada duas televisões nós deixamos de produzir uma. Nós temos que reduzir os juros no Brasil. Isso é um problema gravíssimo, que toda a sociedade tem que discutir.
Do meu ponto de vista, o meu partido deveria estar fazendo uma campanha sobre isso. A defesa da reforma tributária sobre renda, patrimônio e riqueza. A defesa do desenvolvimento tecnológico do país, essas questões. A defesa de que o país precisa desconcentrar renda.
Daniel Rittner: No final das contas, fica parecendo que o PT quando critica o Haddad tem o olho na política econômica e um olho talvez em 2026.
José Dirceu: Eu não acredito nisso, porque em 2026 nós vamos reeleger o Lula. Pelo menos do meu ponto de vista, nosso objetivo é governar com o Lula oito anos. Quem será o sucessor em 2030? Pelo amor de Deus, discutir isso agora é uma insanidade política.
Daniel Rittner: Quando se fala em 2026, o senhor está dizendo: ‘Poxa, Lula tende a disputar a reeleição’. A gente olha o bolsonarismo, Bolsonaro está inelegível. Mas e o bolsonarismo, morreu? Ele sobrevive? Se sobrevive, qual é a melhor reposta da esquerda ao bolsonarismo?
José Dirceu: Primeiro, o bolsonarismo não é um fenômeno brasileiro, é um fenômeno mundial. Eu falei já aqui que com a crise do bem-estar social, das indústrias dos países desenvolvidos, da ascensão da China, da Índia, da Rússia, da Turquia, do Irã. Você vê que a Turquia faz guerra na Síria, faz guerra na Líbia, entra no conflito da Armênia com o Azerbaijão. O Irã é uma potência, o Hezbollah é um exército internacional. Os americanos têm base no mundo todo. O Irã tem o Hezbollah. Então é outro mundo, nesse sentindo, também, nós temos um choque no mundo de civilização. Essa questão identitária, chamada, essa questão do aborto, das armas, a questão da igualdade racial e de gênero, a questão ambiental, a questão LGBTQIA+, tudo isso, hoje, em todos os países do mundo, isso é uma pauta, é uma luta, porque te um mundo novo nascendo e tem um anterior que resiste ainda e a questão religiosa passou a ser fundamental em todos os países, inclusive no Brasil.
Então o bolsonarismo não é o Bolsonaro, não é essa coisa histriônica que é o Bolsonaro, que as vezes beira ao ridículo, não é isso. É uma base conservadora, popular, de classe média e uma base empresarial que tem uma união em defesa da família, da propriedade, da pátria. Quem mais defendeu a família nesse país foi o Lula em nossos governos. Que nós combatemos a pobreza e a miséria com o Bolsa Família, o Minha Casa, Minha Vida, a expansão da universidade, a expansão do ensino.
Então virou um problema muito mais grave que disputa político-eleitoral, há uma cisão nas sociedades. Tem alguns países que não é tão religiosa, mas no Brasil é profundamente religiosa e nós não podemos discutir. Eu sou totalmente contrário que se critique os pastores e os evangélicos fazendo política. Porque a Igreja Católica sempre fez política no Brasil. Eu fui criado e educado na Igreja Católica. A Igreja Católica tinha um partido, o PDC, a Igreja Católica participou dos golpes no Brasil, apoiou as direitas, os golpes no Brasil. E a Igreja Católica depois tem a teoria da libertação, as sedes, as pastorais, que é a origem do PT, inclusive. Então é que nós podemos?
Outra questão é que nós divergimos das políticas, das propostas e das divisões que os evangélicos têm no caso do Brasil. Porque eles estão mais à direita e são conservadores. Eu acho muito bom para o Brasil que hoje os partidos de direita vem fazer sua propaganda e vem dizer: ‘Eu sou conservador, eu sou de direita, minha pauta é essa’. E nós falamos: ‘Nós somos de esquerda’. Como eu falei, eu sou um militante de esquerda. Nós somos de esquerda, nossa pauta é essa. Porque isso politiza a sociedade.
Essa coisa de polarização, não existe polarização. Quando o PT e o PSDB disputavam.
Daniel Rittner: Mas o que acontece que hoje o PT, as esquerdas, as forças progressistas de forma geral não conseguem falar com os evangélicos, por exemplo? Ou com os religiosos?
José Dirceu: Mas eles não conseguem falar também conosco, com a nossa base.
Daniel Rittner: Há um divórcio?
José Dirceu: Aí é um outro problema. Veja bem, nós passamos de 2013 a 2019 reprimidos. Não só a guerra jurídica da Lava Jato, o uso da Lava Jato como instrumento político, como nós também não podíamos sair na rua com as bandeiras do PT, da CUT, do MST, da Contag, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. E nós sofremos uma série de derrotas, o golpe na Dilma, o processo político sumário de exceção que levou a prisão do Lula, a reforma trabalhista, a reforma previdenciária, a precarização. A classe trabalhadora brasileira passou por um processo de automação, robotização, desmonte de parte da indústria, aumento da pobreza, da informalidade, surgimento do crime organizado. É uma situação quer as esquerdas, portanto, ficaram na defensiva e sofreram derrotas. Então nós estamos começando com a vitória do Lula, com o desmonte da Lava Jato porque veio a público, a partir da chamada Vaza Jato, todas as informações, há uma nova realidade e nós vamos ter que trabalhar daqui para frente para nos recompomos como força política e social. Porque o partido que tem mais simpatia hoje, mais apoio, é o PT. Nunca o PT esteve tão bem quanto agora. Então, é um processo que o PT vai ter que fazer em 2025, que vai ter um congresso de reorganização para os próximos anos.
A esquerda toda. Porque o PSB e o PDT perderam metade das bancadas nessa eleição. O PV e a Rede são partidos pequenos. Então nós temos um problema na esquerda. A esquerda precisa se reunir e se repensar. Refletir o que é o mundo que está surgindo, refletir esse momento que o país está vivendo e se reorganizar para frente, como a direita fez. A direita fez esse processo nos anos anteriores.
Com o golpe jurídico-parlamentar que tirou a Dilma e com a vitória do Bolsonaro, a direita se recompôs. A novidade, é que aquilo que nós tínhamos na década de 1970 e 1980 de bases militantes organizadas e partidos organizados, a direita tem hoje no Brasil. Essa é uma realidade, nós temos que enfrentar isso. Eu vejo assim.
Tainá Falcão: Ministro, eu queria que o senhor falasse desse movimento também, quero muito falar de eleições municipais, vou deixar aqui a carta na manga, justamente para lhe questionar sobre esse movimento do PT e a ausência em capitais relevantes. Mas o senhor cita a Lava Jato e a gente precisa entrar no assunto. O senhor fez um movimento recente com a sua defesa de pedir a suspeição do ex-juiz Sergio Moro no Supremo Tribunal Federal. Quais são os argumentos que o senhor tem para fazer esse tipo de questionamento que o senhor espera de retorno da Justiça em relação ao caso?
José Dirceu: A minha prisão foi política. Aliás, eu estava preso, estava cumprindo pena no regime aberto da ação penal 470, chamada Mensalão, que nunca existiu. E fui preso. Fizeram um espetáculo. Anunciaram minha prisão no dia do meu aniversário, não me prenderam. Depois anunciaram de novo e foram criando um clima. Se vocês tem acesso à operação Spoofing, a Vaza Jato no que diz respeito à minha pessoa, vocês vão ver os procuradores conspirando com o juiz. E o objetivo deles era atingir o Lula, eles dizem isso. Se eu fizesse delação seria uma bomba de Hiroshima e Nagasaki e entregaria o Lula.
Quando eles me prendem, me prenderam três vezes. Me prenderam ilegalmente em agosto de 2015. Depois de 21 meses preso, sem ser julgado na 2ª instância, tendo evidências de prescrição, o Supremo Tribunal Federal me soltou. Aparece nos dados da Vaza Jato, eles pressionando, fazendo um movimento no TRF para me condenar no primeiro processo para me prender de novo. Me prendem em 2018, o Supremo me solta imediatamente, porque era ilegal a prisão. Aí eles inventam um processo da Apolo para me prender em 2019 de novo. Todo esse objetivo era para a delação. Eles tentam envolver minha filha, que era menor de idade, a mãe já tinha morrido em uma compra e venda de apartamentos, para me pressionar. Prendem meu irmão, num processo condenam meu irmão. Me tiram a possibilidade de viver, porque primeiro bloquearam meus bens, segundo eu não tinha renda. Aí levanta suspeição, quem está pagando meu advogado, o Roberto Podval, meu advogado, advogou pro bono para mim, porque eu não tinha condições.
Qual era o objetivo? Prender o Lula. Tanto é que se você olhar aquele power point que ele faz, só tem dois nomes: Lula em cima e José Dirceu embaixo. Depois são eventos. Porque o objetivo eles falam, está aí nas gravações da Vaza Jato, eles conversando, era me levar e fazer delação.
Toda a Lava Jato foi montada numa tortura psicológica, que ia prender as esposas, bloquear os bens, prender os filhos, inviabilizar a defesa para levar à delação. Então, acho que dois terços, 80% dos que foram investigados ou eram réus fizeram delação.
Daniel Rittner: É importante como um esclarecimento, a gente apresentar essa informação para quem está nos acompanhando, a gente leu atentamente os diálogos da Operação Spoofing, em dado momento existe uma troca de mensagens entre os procuradores da Lava Jato em que se diz o seguinte: ‘O que acham de denunciarmos a filha do JD [José Dirceu] por lavagem? E o diálogo se segue e se discute a possibilidade de uma denúncia contra a sua filha e diz o seguinte: ‘Sim, mas com plena consciência, o homem [Dirceu], vai ficar puto, paus nela, não precisa ser nada específico em termos da denúncia, genérico está bom’. O que o senhor achou ali? O senhor certamente leu essas mensagens, o que que mais lhe impressionou nessas mensagens todas?
José Dirceu: Você sabe que o Moro não aceitou a denúncia dela, o TRF, por causa do desembargador Gebran, me deu 40 anos de prisão. O Moro deu 20 e ele aumentou para 40. Por que 40 anos? Porque você não progride, você não entra em indulto, ai você vai e faz delação. Você faz um cálculo: ‘Eu vou ficar um sexto preso depois mais um sexto de 40, então eu vou estar com 100 anos e vou fazer delação.’
A Operação Lava Jato foi montada toda na ilegalidade, para pressionar, para fazer delação. Porque, colocar os investigados numa situação, isso não quer dizer que não houve corrupção, que não era preciso investigar e nem era preciso tomar medidas contra o estado de coisas que existia, são coisas diferentes. No meu caso, todo o objetivo, por isso eu peço anulação, era atingir o Lula. Eles dizem. Está dito aí. Eles combinam com o Moro nesse processo.
Eu vou citar aqui só um processo, que é o processo da Apolo. Absorveram a empresa, absorveram o delator que era consultor, legalizaram os R$ 7 milhões que ele deu e me condenaram. Olha, se a empresa foi absolvida, não teve corrupção. Se o dinheiro era legal, não teve lavagem. E não provam que ele me deu R$ 2 milhões. Porque dizem que ele pagou uma terceira empresa, R$ 600 mil que seria para mim. Por quê? Porque eles iam no meu escritório e me telefonaram. Depois eu usava um avião, ele comprou o avião, pagou a dívida que o avião tinha e disse que isso era propina para mim, para me prender de novo em 2019. Eu fiquei preso seis meses até a decisão do Supremo em 8 de novembro que revogou sua decisão anterior de prisão na 2ª instância.
O outro processo da Engevix. Eu dei consultoria no Peru para a Engevix. O delator e os próprios membros da Engevix, porque foram presos e condenados a 34 anos, fizeram a colaboração, um deles. No primeiro momento, disseram que eu só tinha feito lá no Peru. No segundo fiz na Petrobras, como o anterior. No primeiro momento, disse que eu não tinha nenhuma relação com ele, era só pessoal, de amizade. Aí no segundo fala que o Duque mandou dar o dinheiro da Apolo para mim, R$ 4 milhões. Tudo é delação. Tudo é a pressão sobre a família. O risco de prender, que leva, as penas, que eles façam delação. Eu não dei nenhuma consultoria para a Engevix aqui no Brasil, dei toda no Peru.
Mas aí, o Dr. Moro, que era juiz então, ele não me condena por causa da minha relação com a Engevix, porque eu ganhei R$ 900 mil. O delator ganhou quase R$ 100 milhões. Ele me condena por todos os contratos da Engevix com a Petrobras. Para quê? Para aumentar a pena e aumentar também a reparação.
Então, foi um jogo de cartas marcadas a Lava Jato. A Lava Jato precisa ser anulada, na verdade. Não é só o meu pedido de anulação, extensão da anulação do presidente Lula para mim, porque essas evidências todas que estão, são públicas já, porque estão na Operação Spoofing, que agora você pode ter acesso, os réus podem pedir, no caso que está relacionado à Odebrecht, podem pedir e ter acesso.
Quem lê a Vaza Jato ao meu respeito, vê que o objetivo deles era atingir Lula e objetivo deles era me levar à delação. Os processos eram instrumentos, que rompem todas as regras, do devido processo penal, o ônus da prova cabe ao acusado, a presunção da inocência. Por exemplo, eu sou inocente, eu não fui condenado em última instância. Como é que eu sou culpado?
Daniel Rittner: Agora tem um movimento também, que é um desdobramento da Lava Jato, das delações premiadas e de todos os acordos de leniência que derivaram da Lava Jato, de revisão das multas. O ministro Toffoli já considerou as provas oriundas das colaborações da Odebrecht como imprestáveis. Existe o movimento de algumas empresas, como J&F, a própria Odebrecht tentando fazer esse movimento de revisão das multas. O senhor acha que esse é um caminho que vai acontecer naturalmente? Das próprias empresas deixarem de ter essas penalidades que foram acordadas?
José Dirceu: Veja bem, eu trabalhei em consultorias internas internacionais. O Brasil construía em quase todos os países da América Latina e em muitos países da África, metrôs, rodovias, ferrovias, gasodutos, termelétricas, hidrelétricas, não era pouca coisa. Aeroporto, saneamento, habitação. Essas empresas foram destruídas. O Brasil saiu do mercado internacional, aí entraram os indianos, os turcos, os espanhóis voltaram. É uma coisa extraordinária o que aconteceu aqui. Milhões de empresas. Uma empresa é um patrimônio do país. Leva 30, 50 anos para construir uma empresa. Essas empresas que são empresas com capacidade de atuar no mundo. Eu considero que esse lado da Lava Jato, é imperdoável o que aconteceu.
Em qualquer país do mundo se preserva a empresa e se pune os diretores, se pune quem tem responsabilidade. Aqui, o objetivo deles era destruir as empresas. Por isso que muitos dizem que eles estavam a serviço de interesses estrangeiros. No caso, dos Estados Unidos.
Daniel Rittner: O senhor acredita?
José Dirceu: O ataque à Petrobras é sintomático, por causa do pre-sal. O Brasil tem uma riqueza que ele se apropriar de parte dessa riqueza ele se desenvolve. A maioria dos países se desenvolveram assim, eu citei isso. A Noruega, a Grã-Bretanha, os países árabes que tem petróleo. Eles se desenvolvem porque se apropriam dessa renda e investem na tecnologia, na educação, na infraestrutura e no desenvolvimento do país.
Essa renda virou privada. Como é que pode uma empresa como a Petrobras e a Valle dar um lucro e distribuir para os acionistas? Mas é um bem do país, o petróleo é um bem de todos. O que está embaixo do Brasil de minerais são de todos os brasileiros. Tem que ter um imposto grande, uma parcela dessa renda tem que ficar com a nação para investir.
Qual é o nosso maior problema? A pobreza, a miséria, a educação, a infraestrutura do país, o desenvolvimento tecnológico e o meio ambiente. É para isso que nós criamos aquele fundo soberano social para isso. Aí vem e querem privatizar a Petrobras, a Vale já está privatizada. A Eletrobras que o presidente tem razão. Nós temos 44% de participação na Vale e eles fizeram uma lei que só vale 10%. Imagina se algum empresário aceita isso na empresa dele.
Daniel Rittner: O senhor vê alguma influência, algum dedo do Departamento de Justiça dos Estados Unidos? Porque não há nenhuma evidência disso.
José Dirceu: Há evidência, sim. Já surgiram várias provas disso. É só olhar o noticiário que você vai encontrar.
Eles colocaram aqui na embaixada uma procurada e ela começou a fazer palestras no Ministério Público, a Polícia Federal. Essa semana tem matérias no jornal sobre isso, inclusive.
Esse outro lado da Lava Jato para o país foi um desastre. Essas empresas terem sido destruídas. Fora os milhões de empregos e o prejuízo que isso deu.
Vou nem falar dos recursos que eles queriam se auto atribuir. Querendo fundos que eles iriam administrar, que o ministro Alexandre de Moraes impediu e pôs a público isso, que estava escondido.
Então, são questões que o país precisa se debruçar sobre isso. Precisa reconstruir um setor de exportação de serviços. O BNDES precisa voltar a financiar exportação. É o ridículo público mundial dizer que o Brasil não pode ter um banco que financia exportação. Mas se os alemães têm, os japoneses. Os EUA depois da Segunda Guerra Mundial criou o BID para financiar a reindustrialização e o reerguimento da Europa e a industrialização da América Latina. O Japão tem o Exxon. Você vai na Alemanha e compra uma fábrica de R$ 2 bilhões, eles financiam a juros negativos a garantir a própria fábrica e você começa a pagar no dia que você começar a produzir. Mas como é que nós vamos concorrer contra isso?
Daniel Rittner: Ministro, só tentando amarrar aquele assunto das condenações que o senhor teve com a política atualmente. O senhor está pedindo a suspeição de Sergio Moro, hoje o senhor está inelegível com os direitos políticos suspensos, caso o senhor se reabilite, eu imagino que não está no seu radar disputar eleições novamente, mas o presidente tem tentado recuperar alguns de seus antigos aliados, agora fala-se em Guido Mantega na Vale, se o presidente lhe quiser trazer de volta para o time, o senhor aceita?
José Dirceu: Primeiro, eu fui absolvido duas vezes de lavagem, tive arquivado inquéritos, foi anulada uma multa, eu tive muitas vitórias. A 13ª Vara acabou de arquivar um processo contra mim, porque esse processo eles fizeram para pressionar o Supremo em 2017 quando ia votar o meu habeas corpus. Aliás, o ministro Gilmar Mendes denunciou no plenário essa tentativa de manhã cedo, eles fizeram um espetáculo, apresentaram uma denúncia contra mim que agora foi arquivado pelo juiz. Eles me acusaram de lavagem e o juiz disse que eles nem fundamentaram. A fundamentação que eles fizeram era sobre corrupção. O juiz não disse que eu tinha feito corrupção, disse que era a fundamentação deles. Então eu quero primeiro esperar o julgamento dos meus recursos no STJ, do meu pedido de anulação e do meu habeas corpus que eu apresentei no STF para decidir a questão do prazo para prescrição. Depois, esse ano eu preciso ajudar o PT em São Paulo nas eleições municipais, preciso reorganizar a minha vida profissional e financeira, porque eu voltei a advogar em janeiro desse ano, porque cassaram meu registro, impediram que eu trabalhasse, cassaram meu registro em 2015, o Conselho Federal confirmou em 2017, agora eu fui reabilitado. Quando eu conseguir tudo isso, eu vou tomar uma decisão, vou consultar a todos que me apoiam, que estão no meu entorno e vou conversar com o meu partido e com o presidente. Eu não tenho assim expectativa de voltar para o governo. Eu quero ajudar de fora, quero ajudar, acho que todos nós devemos ajudar o presidente Lula.
Tainá Falcão: Mas o senhor já tem ajudado? Qual é hoje o seu poder de influência no governo? Ministro, todo mundo se questiona. Ainda mais com as últimas declarações, opiniões públicas do senhor em relação ao andamento do governo Lula.
José Dirceu: Eu não tenho influência política no governo. Eu tenho [aproximação com o presidente Lula]. Eu falo com ele o que eu devo. O presidente não em tempo para ficar me atendendo, para ficar conversando comigo toda hora, nem deve. Ele tem outras tarefas. Mas eu converso com outros ministros do governo, converso com os dirigentes do PT, com as bancadas, converso com lideranças da oposição, eu tenho uma vida política, eu tenho trânsito. Agora, eu não diria que eu tenho influência no governo. Eu tenho direito e vou passar a falar publicamente agora como eu fiz com vários artigos que eu escrevi, eu escrevi um artigo sobre polarização, escrevi um sobre segurança pública que saiu na Carta Capital, outro saiu do jornal O Povo, escrevi um na Folha de S. Paulo sobre os desafios. Vou escrever um sobre a questão dos 60 anos do Golpe Militar, vou escrever sobre a reforma tributária, sobre política industrial. Vou participar do debate público a partir desse ano e no ano que vem eu quero andar pelo Brasil porque eu vou publicar meu segundo livro de memórias, que vai de 2006 até 2015, até quando eu sou preso na Lava Jato. Eu vou entrar um pouco no impeachment da Dilma, porque eu gravei sobre isso na época por quase 50 horas e quero transformar isso num capítulo do livro. Eu tô em expectativa de resolver o meu problema, virar essa página da Lava Jato, reorganizar as minhas dívidas, que ficaram congeladas todo esse tempo e ajudar em São Paulo nas eleições municipais. Questão de governo, de ser candidato, isso está para ser resolvido no segundo semestre de 2025. Eu fui deputado federal eleito por São Paulo a última vez, eu fui o 2º mais votado no Brasil em votos, eu fui deputado estadual, mas a minha vocação é mais essa que eu estou exercendo do que ser parlamentar ou participar de um governo. Eu vou chegar aos 80 anos em 2026, eu acho que posso contribuir talvez mais participando do debate público, a não ser que as circunstâncias me levem para fora da minha possibilidade de decidir.
Tainá Falcão: Queria lhe ouvir sobre o pronunciamento do presidente da República se é cabível buscar uma aproximação com Milei e sobre Trump, que pode novamente tornar-se presidente dos Estados Unidos. Com Trump vem uma onda conservadora ameaçar as eleições de 2026 no Brasil?
José Dirceu: Com relação à Argentina, nós somos irmãos siameses. A economia brasileira e a economia argentina estão integradas. A indústria automobilística argentina não sobrevive sem o Brasil. O eleito presidente Milei enviou a ministra de relações exteriores ao Brasil, o ministro Mauro Vieira já esteve na Argentina, eu acredito que não haja um rompimento das relações diplomáticas nem comerciais. Evidentemente, que são dois governos totalmente diferentes, mas é muito importante manter, até porque nós temos o Mercosul, o acordo com a União Europeia que, pelas decisões dos franceses, pela eleição do parlamento europeu, acho que a Europa que não vai ter condições de chegar a um bom termo nos acordos do Mercosul, porque nos termos em que estava, para o Brasil e para a Argentina não estava de bom tamanho. Com relação às eleições nos EUA, nós convivemos seis anos com o presidente Bush. A relação do Brasil com os EUA ela é tão importante quanto a do Brasil com a China, porque os EUA ainda são a potência hegemônica do mundo no ponto de vista militar, do dólar, da cultura, ainda que a China do ponto de vista comercial, tecnológico, tenha ultrapassado os EUA e a tendência é ultrapassá-lo do ponto de vista também, inclusive, equilibrado do ponto de vista militar. Então nós temos que manter relações se o Trump for eleito, não vejo interesses das empresas, dos investidores americanos no Brasil ele possa tomar qualquer decisão com relação ao Brasil que possa nos prejudicar. Evidentemente que é um alento para as forças conservadores de direita, mas eu não vejo isso pesar aqui para nós vencermos as eleições. O que vai dizer se vamos vencer ou perder as eleições é o próprio governo do presidente Lula e porque de certa maneira, a direita brasileira, uma parte liberal e uma parte democrática, se afastou do bolsonarismo.
Não há uma unidade com o bolsonarismo no Congresso, na Câmara e no Senado. Aí fala: ‘Mas 31 senadores assinaram em oposição aos atos de 8 de janeiro realizados agora’. Mas um terço assinou ali porque está perdendo eleição então tá querendo o voto do bolsonarismo, não quer dizer que é bolsonarista, entendeu? Existe uma força conservadora, bolsonarista, importante no Brasil? Existe. Existe uma direita importante no Brasil. Existe. Mas, nós também somos fortes, tanto é que nós vencemos cinco eleições. A que nós perdemos é porque o Lula não pôde ser candidato e não tava em liberdade para fazer campanha, porque se ele tivesse o Haddad ganhou. Então, nós somos muito fortes. Quando o Haddad teve 32 milhões de votos, eu disse, tava preso: ‘Nós vamos ganhar a eleição de 2022, porque ter 32 milhões naquelas condições mostra uma força nossa que é histórica, que é de tudo que nós realizamos, que é a memória do país, que é uma ideologia, que é uma visão política, como tem o conservadorismo de direita, tem o bolsonarismo, tem também as várias visões do campo democrático, progressista de esquerda, socialista. São dois campos que tem no Brasil, com diferenças. Muitas vezes são três campos, quatro. Mas essa é a realidade: o Brasil não é um país conservador. Não é verdade isso. Mesmo São Paulo, quando falam que é conservador, nós já governamos a cidade de São Paulo três vezes, já governamos 16 anos Guarulhos, já governamos as principais cidades de São Paulo com exceção de algumas, o PT já governou. Mesmo Santa Catarina, nós já governamos todas as cidades de SC, inclusive a capital como vice e depois prefeito, porque o prefeito faleceu. Nós somos uma força política no país histórica, não é conjuntural, porque é uma memória, é um fio da história, do Brasil desenvolvimentista, do Brasil progressista, do Brasil democrático, do Brasil que precisa o social e do Brasil que quer ter uma presença no mundo. Isso veio do Getulismo, veio do Juscelino, veio das reformas de base do governo Jango e até do governo de um ditador que era o Geisel, havia uma ideia de um projeto nacional, autoritário, de direita, mas o Geisel fez.
Daniel Rittner: O PT vai sair dessas eleições municipais maior?
José Dirceu: Mas nós estamos nessa situação não por erros nossos, mas pela repressão que nós sofremos, porque a vida nossa de 2013, 2014, 2015 até 2017, 2018, 2019 não foi fácil, da esquerda aqui no Brasil. O Lula foi preso. Os principais dirigentes do PT foram excluídos da vida política do país.
Daniel Rittner: Mas agora este ano com o Lula no governo, qual o cenário?
José Dirceu: Vai começar um processo de crescimento, eu sempre vejo de 8 a 12 anos, eu nunca vejo, porque a vida não é assim. Quando nós chegamos no governo eu disse que nós tínhamos que ter uma perspectiva de 20 anos e nós tivemos. Se a Dilma não tivesse sofrido golpe, nós teríamos governado o Brasil por 20 anos.
Daniel Rittner: O senhor visualiza isso [projeto de 12 anos]?
José Dirceu: É viável, é possível. Nós temos que construir esse projeto, mas só o PT, evidentemente, o PT é uma das forças, pode ser uma das forças mais importante e não é só forças de esquerda, é um bloco social. É o Brasil. É o desenvolvimento do Brasil. Evidentemente conservando os interesses das classes trabalhadoras que nós representamos e das camadas médias que nós representamos. Eu vejo as eleições municipais como primeiro passo de um crescimento do PT. Não vai ser fácil. Não vai ser fácil o PT essa eleição agora, por exemplo, por que eu estou dizendo que eu quero como militante ajudar o Boulos? Porque é muito importante vencer em SP. Nós vamos crescer no Brasil todo, até porque nós temos governos, participamos de governos de outros partidos, nós vamos crescer muito. Nós vamos sair da situação de decréscimo que foi 2016 e 2020 e nós vamos começar uma ascensão e é importante eleger prefeitos que apoiam o governo do Lula.
Eleger prefeitos do PT, dos nossos aliados de esquerda aonde nós podemos e eleger vereadores, porque o Lula 60% de votos em mais de 2.000 cidades, então nós podemos eleger muitos vereadores, muitos deputados. Vereador e prefeito são também a base da eleição dos deputados estaduais, federais, senadores e dos próprios governadores. Então acho que é um momento de ascensão nosso, eu tenho certeza. A nossa presidente Gleisi está comandando o processo, o Humberto Costa está dirigindo o grupo eleitoral e eu acho que nós vamos conseguir.
Tainá Falcão: Quem é o adversário em potencial do presidente Lula em 2026?
José Dirceu: O noticiário e os partidos estão pensando em ter candidatos. Estou vendo o PSD falando no Ratinho Jr., o nosso Caiado, nosso vizinho, o Tarcísio pode ou não ser candidato, por enquanto o Zema eu não sei se ele consegue viabilizar uma candidatura. Eu vejo que por enquanto não está muito definido isso. O Bolsonaro pode ser que ele seja candidato inelegível, fique até o final até o TSE declarar inelegível e depois coloque alguém para substituir. Mas precisa ver quais partidos vão com Bolsonaro. Será que o PR, o PP, o PSD, o União Brasil vão junto? É muito improvável que isso aconteça. Então também não é tão simples. Então nós temos a tarefa de manter o nosso campo unido, vai ser um desafio, por isso, isso explica muitos gestos do presidente Lula e muitas das questões que eu levantei aqui. Nós precisamos manter o Brasil, um projeto para o Brasil, uma coisa ampla, que envolve setores empresariais, que a gente consiga, principalmente, envolva a juventude brasileira, as classes médias, os empreendedores brasileiros. Eu confio muito no Brasil, no povo brasileiro, na sua capacidade criativa, de luta, no empresariado brasileiro porque o Brasil tem patrimônio e um dos patrimônios que o Brasil tem é o empresariado. Eu sou uma pessoa de esquerda, socialista, mas a realidade é que o Brasil criou um know-how, uma capacidade de gestão, de desenvolvimento tecnológico, empresarial, e também tem empreendedores, como nós temos a agricultura familiar que é uma riqueza, como nós temos a classe trabalhadora operária brasileira que é uma riqueza que o país tem. Então nós precisamos pegar nesse mundo tão perigoso que nós estamos vivendo, nós estamos vivendo tempos difíceis, nós brasileiros e brasileiras, o que nós vamos fazer para o nosso país sair dessa situação que ele está. Como o país mais rico do mundo, porque o Brasil não tem inverno, é um dos países mais ricos do mundo, ter tanta pobreza, tanta desigualdade? Isso tá errado. Nós temos que mudar isso. Assim que eu vejo esses 2026 e 2030, com esse objetivo.
Daniel Rittner: Só para arrematar: o senhor não citou Michelle Bolsonaro.
José Dirceu: Eu não falei isso, muitas vezes se fala que ela pode ser candidata no lugar do Bolsonaro. Eu não subestimaria a Michelle como candidata, porque o Bolsonaro tem uma natureza duma força, o Bolsonaro elegeu senadores, o Tarcísio foi eleito em SP. Não é o bolsonarismo que elegeu o Tarcísio, é o conservadorismo que existe em SP, como existe também o progressismo em SP, porque nós já fizemos um terço de votos em SP em várias eleições, então o Genoíno fez, o Mercadante fez, a Marta quando quase foi para o 2º turno com o Covas já mostrou a nossa força em 1998. Então, o PT e as esquerdas têm força no estado de São Paulo, mas eu acho que sim, que ele pode buscar uma solução como colocar a ex-primeira-dama, a esposa dele, a Michelle, como candidata.
O que diz Sergio Moro
Citado por José Dirceu na entrevista, o senador e ex-juiz Sergio Moro (União Brasil-PR) foi procurado pela CNN e disse que o ex-ministro “foi condenado pelo próprio STF por corrupção no Mensalão.”
“Foi condenado em três instâncias na Lava Jato e consta no processo prova documental de que recebeu valores provenientes de subornos de contratos da Petrobras. Os fatos são inegáveis. Não houve conluio ou perseguição, aliás, a denúncia proposta pelo MPF contra a filha dele foi rejeitada por mim na época”, finalizou Moro.
*Publicado por Douglas Porto