Prime Time

seg - sex

Apresentação

Ao vivo

A seguir

    Eleições 2022

    Organizações temem que interpretação da LGPD leve a ocultação de dados de candidatos

    Integrantes do TSE têm encontros com representantes de ONGs nesta semana para debater a transparência de dados públicos

    Fachada do prédio do TSE em Brasília
    Fachada do prédio do TSE em Brasília Antonio Augusto/Secom/TSE

    Gabriel HirabahasiGabriela Coelhoda CNN

    em Brasília

    Entidades ligadas à defesa da transparência na divulgação de dados públicos têm demonstrado preocupação com a possibilidade de a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) ser interpretada de tal forma que impeça a divulgação de dados de candidatos e de doadores das campanhas eleitorais deste ano.

    Representantes de algumas entidades ouvidos pela CNN afirmaram que têm receio de como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) pode, de alguma forma, limitar o acesso a informações dos candidatos e dos doadores de campanha por parte das organizações e da imprensa.

    Nesta quinta-feira (2) e na sexta-feira (3), integrantes do TSE vão se reunir com diversos órgãos, entidades, pesquisadores e especialistas relacionados ao tema para debater o assunto. O encontro será realizado de forma híbrida (parte presencial e parte por videoconferência).

    Para a audiência pública desta semana, foram convidados a participar representantes da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), da Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral (Ibrade), do Data Privacy Brasil, do InternetLab, do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, dos partidos políticos com representação no Congresso, do Ministério Público Eleitoral (MPE) e do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).

    Para Marina Atoji, gerente de projetos da Transparência Brasil, há uma preocupação sobre uma eventual solução que pode ser encontrada pelo TSE: restringir a divulgação dos dados durante o período chamado de “período crítico eleitoral”, ou seja, durante a campanha.

    “Para nós da Transparência Brasil e algumas outras organizações, isso é ruim, porque são dados que interessam, sim, à sociedade para fazer o controle social dos eleitos e dos não eleitos”, disse.

    “Não é porque ele [candidato] não foi eleito que ele não vai ocupar um cargo público ou estar na administração pública. Os dados de financiamento de campanha são importante para mapear os interesses que esses políticos têm. Não é só durante o período eleitoral que esses dados interessam para os cidadãos”, afirmou.

    Atoji avaliou que a limitação temporal “é ruim, porque o interesse público não se exaure no período eleitoral. Nem todos os não diplomados vão se afastar da vida pública”.

    A vice-presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e representante do Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Katia Brembatti, concorda com a preocupação.

    “A gente tem esse receio sim, tanto a Abraji quanto o próprio Fórum. Existe essa discussão de limitar por um tempo. A gente acha ruim ficar aberto por um tempo e depois não ficar mais”, avaliou.

    Brembatti disse que a possibilidade de ocultar os dados após a eleição “significa perder uma memória”. Para ela, dados de doação de campanha são de “flagrante interesse público” e “não existe motivação para retirar esse tipo de dado” da base pública do TSE.

    A posição, porém, não é unânime entre integrantes dessas organizações. O diretor-fundador do Data Privacy Brasil, Bruno Bioni, disse que concorda com a possibilidade de os dados estarem disponíveis durante o período eleitoral, seguindo jurisprudência do TSE em outros casos parecidos.

    Para Bioni, não há receio de que os dados cheguem a ser ocultados definitivamente pelo Tribunal para preservar informações pessoais dos candidatos e dos doadores.

    A audiência pública servirá para embasar a discussão sobre o assunto e para auxiliar os ministros na decisão sobre se os dados da prestação de contas das campanhas deste ano serão divulgados com mais restrições do que nos anos anteriores por causa da LGPD.

    Em fevereiro deste ano, pouco antes de assumir a presidência do TSE, o ministro Edson Fachin recebeu em seu gabinete diversos representantes dessas entidades para debater o assunto. À época, o ministro se comprometeu a discutir o assunto e levar os pontos em consideração para a decisão que seria tomada pelo Tribunal.

    O assunto é importante pois, a partir dos dados sobre os candidatos e os doadores de campanha, é possível fazer acompanhamento e fornecer essas informações aos eleitores para que eles estejam mais embasados para decidirem seus votos.

    Em 2018, por exemplo, graças à publicidade dessas informações, foi possível identificar que empresários ampliaram suas doações após o Supremo Tribunal Federal (STF) decidir que o financiamento de campanhas por parte das empresas era inconstitucional. O empresário Rubens Ometto, da Cosan, foi o maior doador nas últimas eleições, com mais de R$ 5,4 milhões doados a 40 candidatos, de vários partidos, da direita à esquerda.

    Além disso, a publicidade dos dados sobre os candidatos também permite o acompanhamento da evolução do patrimônio dos candidatos. Em 2018, por exemplo, foi possível identificar que o patrimônio que o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) declarou à Justiça Eleitoral cresceu 397% de 2006 a 2018. Na mesma eleição, também foi constatado que o patrimônio líquido declarado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Justiça Eleitoral cresceu mais de 800%.

    O que diz a lei e o que já decidiu o TSE

    A Constituição Federal determina que a administração pública deve obedecer ao princípio da publicidade, mas a LGPD garante o segredo de informações pessoais. A divulgação da identidade dos filiados a partidos políticos já foi restringida pela Justiça, com base na própria LGPD.

    Além disso, em novembro do ano passado, o TSE determinou a retirada do DivulgaCandContas dos dados pessoais de um candidato eleito suplente de vereador de Guarulhos nas eleições de 2020. Luciano Reginald Fulco foi à Justiça para por causa de ameaças sofridas por ele durante o período eleitoral.

    Ao votar, o ministro Fachin, relator do caso, reiterou que, em regra, os dados pessoais de cidadãos que disputam as eleições devem ser fornecidos à Justiça Eleitoral e disponibilizados pelo referido sistema, mas, no caso específico, a retirada se justificava diante das ameaças relatadas pelo candidato.

    Fachin ressaltou, à época, que a jurisprudência do TSE permite a restrição à divulgação dos dados pessoais e patrimoniais de candidatos derrotados no processo eleitoral, uma vez que o direito à intimidade prevalecerá sobre a publicidade eleitoral, por inexistir interesse na permanência da exposição. Porém, tal entendimento não atinge os suplentes de cargos proporcionais, que, ao menos em tese, podem vir a assumir o cargo ao qual concorreram.

    Além disso, em 2020, o TSE acolheu um pedido de um candidato a senador pelo Distrito Federal em 2018 para que suas informações pessoais e patrimoniais fossem classificadas como não divulgáveis no sistema do TSE.

    O relator do pedido, ministro Og Fernandes, entendeu que, após o encerramento do processo eleitoral, muitas informações de caráter pessoal e patrimonial de candidatos não eleitos não precisam mais ficar expostas ao público, prevalecendo o direito à privacidade para aqueles que não são considerados pessoas públicas. O entendimento foi seguido por todos os demais ministros do TSE à época.