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    O que é o Centrão, o grupo que domina o Congresso e se aproximou de Bolsonaro

    Partidos emplacaram nomes em cargos do segundo escalão do atual governo. Presidente vê aliança por "agenda positiva"; críticos apontam fisiologismo

    Guilherme Venaglia, da CNN em São Paulo

    Em busca de uma base sólida no Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) se aproximou recentemente de um grupo de partidos conhecido como “Centrão”. Trata-se de uma lista extensa de parlamentares, que juntos são capazes de garantir a aprovação de projetos de lei de interesse do Planalto e até garantir apoio suficiente para afastar qualquer possibilidade de prosperar um processo de impeachment.

    O termo está na boca de políticos e da sociedade civil, mas, afinal, o que é o Centrão e qual é a real dimensão deste grupo dentro do Congresso? Em entrevista à CNN, o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, explicou que não se trata exatamente de um grupo coeso e estável, composto sempre das mesmas figuras e partidos, mas sim de um perfil de deputados e partidos e um determinado modo de fazer política.

    “Na minha leitura, ‘Centrão’ é um termo associado a políticos que integram o chamado baixo clero, deputados que geralmente não possuem projeção nacional. Eles pertencem a partidos que dificilmente disputam eleições presidenciais e, por isso, se movimentam de forma mais fluida entre grupos políticos”, explica Cortez. “Se não são a elite, ao menos em termos eleitorais, e se também não estão nos blocos tradicionais de governo e oposição, são, por definição, maioria”, explica. 

    Por não ficarem muito marcados com este ou aquele candidato nas eleições presidenciais, os partidos têm custo político baixo para migrar entre oposição e governo. Dois exemplos de custo alto de migração que o professor dá são o PSDB e o PT. Como são partidos que disputaram as últimas eleições e pretendem disputar as próximas, o custo das críticas de seus apoiadores é grande demais para que possam negociar cargos no governo de um terceiro, mesmo que as ofertas sejam vantajosas.

    Por outro lado, há casos como o do deputado federal Mauro Lopes (MDB-MG) e o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). Lopes era ministro da Secretaria da Aviação Civil no governo da petista e foi exonerado para votar contra a cassação. No entanto, uma vez de volta à Câmara, ficou a favor do impeachment. “É um bom exemplo, porque ele fez esse movimento sem grandes custos políticos. Ele era ministro, mas a sua imagem pessoal não estava vinculada ao governo”, explica Cortez.

    Desde quando há um “Centrão”?

    O professor Rafael Cortez explica que, a grosso modo, a construção de bases parlamentares em troca de posições no governo vem desde a redemocratização. No entanto, nas últimas décadas foi se intensificando o processo de pulverização partidária — um Congresso cada vez mais fragmentado, com mais partidos e uma negociação mais difícil.

    “Ele vai se alterando, e começa a haver episódios em que o baixo clero conseguiu se organizar e ocupou espaço por causa da fragmentação e de erros da elite política”, disse, relembrando a vitória de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara em 2005.

    O professor, no entanto, argumenta que é outra eleição para a presidência da Casa, dez anos depois, que dá contornos melhores ao que se convencionou chamar de Centrão.

    Eduardo Cunha
    Eduardo Cunha, circundado pelas principais lideranças do Centrão, é eleito presidente da Câmara dos Deputados em 2015
    Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

    Na época líder do PMDB (atual MDB), o então deputado Eduardo Cunha comandou um movimento de união entre deputados e partidos do baixo clero, articulando doação de campanhas ainda nas eleições de 2014. Uma vez reeleito como parlamentar, reuniu estas forças em uma candidatura ao comando da Câmara, que venceu o candidato do governo, Arlindo Chinaglia (PT-SP), e inaugurou a sequência de derrotas políticas que desaguou no impeachment de Dilma Rousseff.

    “O Eduardo Cunha teve um passo adiante nesse processo porque os poderes de aglutinação de PT e PSDB estavam diminuindo. Ele enxergou a oportunidade de criar mecanismos, sobretudo com a possibilidade de financiamento de campanha, com o plano de ter uma candidatura à Presidência da Câmara lastreada na tese de que democracia era o regime da maioria, o que incluiria a maioria numérica da própria Câmara”, explica.

    Qual é o real tamanho do “Centrão”?

    Como se viu, o Centrão não é uma estrutura fixa, e nem todos os acordos fechados com o governo são necessariamente apoiados por todos os deputados filiados aos partidos.

    Dois recortes da história recente e um panorama atual dão alguns sinais de quais partidos atuam mais recorrentemente desta forma. Um é a lista das legendas que assinaram apoio à permanência de Eduardo Cunha na presidência da Câmara em novembro de 2015. Outro é a listagem daqueles que negociaram em bloco apoio a Geraldo Alckmin (PSDB) nas eleições de 2018, e um terceiro são aqueles que compõem a atual maior bancada da Câmara.

    O Progressistas (antigo PP), o PL (antigo PR) e o Solidariedade fizeram parte das três listas. O PTB e o PSD parcialmente, uma vez que também apoiaram Alckmin em 2018, mas sem fazer parte da adesão em bloco à candidatura do tucano.

    Centrão e Geraldo Alckmin
    Geraldo Alckmin, então candidato do PSDB à Presidência, cumprimenta Paulinho da Força, do Solidariedade, no dia de adesão do então Centrão à sua campanha
    Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

    Outros partidos, como Republicanos (antigo PRB), DEM, MDB, Podemos (antigo PTN), Avante (antigo PTdoB), Patriota (antigo PEN) e Pros frequentaram uma ou mais das listas citadas acima.

    Hoje, de acordo com consulta no site da Câmara dos Deputados, a maior bancada reunida sob uma liderança única reúne 220 deputados, o que representa 43% da Casa, mais do que o necessário para impedir um processo de impeachment.

    O líder formal desta bancada, que tem PL, PP, PSD, MDB, DEM, Solidariedade, PTB, Pros e Avante, é o deputado Arthur Lira (Progressistas-AL), um dos protagonistas nas negociações de aproximação com o governo Jair Bolsonaro. Se considerados Republicanos (32), Podemos (11), PSC (9) e Patriota (6), este número sobe para 281.

    Além de não haver um comando central de como essa massa parlamentar atua, há rejeição de parte de seus líderes quanto ao termo Centrão, visto como pejorativo. Em entrevista recente à CNN, o deputado Arthur Lira fez referência a “partidos de centro” e a “centro democrático”. O parlamentar argumentou que o objetivo da atuação parlamentar dessas legendas é promover moderação e estabilidade.

    Também falando à CNN, o ex-prefeito de São Paulo Gilberto Kassab, presidente nacional do PSD, afirmou que seu partido não faz parte do grupo. “O PSD não integra o Centrão. Temos pauta comum, convergente na votação de projetos, mas temos vida independente”, disse.

    Negociação de cargos

    Um dos pontos mais polêmicos em relação ao Centrão é a nomeação de nomes ligados a parlamentares, e às vezes de políticos com mandato, para exercerem cargos no governo federal. Durante a campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro chegou a classificar negociações deste tipo como uma espécie de “toma lá, dá cá”.

    Inicialmente, o presidente buscou fazer uma nova estratégia de negociação, com bancadas temáticas. Então presidente da bancada ligada aos produtores rurais, Tereza Cristina (DEM-MS) se licenciou da Câmara e assumiu o Ministério da Agricultura. Essa parceria continua, sobretudo com a chamada “bancada da bala”, que pretende recriar o Ministério da Segurança Pública, mas a articulação do governo já se voltou novamente aos partidos.

    No final do mês passado, Bolsonaro afirmou que sua aliança com “os partidos de centro” era em torno de programas de governo. “De dois meses pra cá eu decidi que tinha que ter uma agenda positiva para o Brasil, e eu comecei a conversar com os partidos de centro também. Em nenhum momento nós oferecemos ou eles pediram ministérios, estatais ou bancos oficiais”, disse.

    Apuração recente da CNN listou quatro partidos que estão mais ativos nas negociações: PSD, Republicanos, Progressistas e PL. Estes partidos tiveram pessoas ligadas às suas lideranças nomeados para cargos. A primeira indicação desta leva de conversas foi a de Fernando Leão, ligado ao Progressistas, para a direção do DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), que precedeu várias outras, em órgãos como Funasa e FNDE.

    Fisiologismo?

    “Aos agentes políticos cabia dar sustentação à nomeação e à permanência nos cargos da Petrobrás dos referidos Diretores. Para tanto, recebiam remuneração periódica”. As palavras da frase anterior são do ex-juiz federal Sergio Moro e foram repetidas à exaustão em diversas sentenças da Operação Lava Jato. É o quinto item da condenação que o então juiz proferiu contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em julho de 2017.

    Pelo raciocínio usado na sentença, Lula entregou cargos na Petrobras a indicados de partidos políticos, que usufruiriam das posições para interesses escusos. Em troca, estes dariam suporte político ao governo e ajudariam a abastecer campanhas. 

    Em março de 2019, quando o ex-presidente Michel Temer (MDB) foi preso, o presidente Jair Bolsonaro relacionou a nomeação de nomes ligados com possíveis esquemas de corrupção. “Creio que a situação de Lula e Temer chegou a este ponto porque no passado buscaram a governabilidade com a compra de votos ou com a entrega de estatais, de bancos e outros para partidos políticos. Devastaram nossa situação e as consequências estão aí”.

    Segundo o dicionário Houaiss, fisiologismo tem dois sentidos. Um é da área da saúde e diz respeito ao estudo das funções e do funcionamento normal dos organismos. O outro é o da administração pública e da política: “conduta ou prática de certos representantes e servidores públicos que visa à satisfação de interesses ou vantagens pessoais ou partidários, em detrimento do bem comum”.

    Portanto, pela compreensão da definição acima, quando críticos acusam o Centrão de ser fisiológico, a acusação, na prática, é a de prejudicar o bem público em nome de seus interesses pessoais. Não é o que pensa o deputado Arthur Lira, para quem a “imputação do toma lá dá cá é muito injusta”.

    “A indicação não é para fazer o malfeito, mas sim para fazer com que a máquina pública funcione com responsabilidade”, argumentou o parlamentar. Ele completa que, caso haja “problemas de competência, problemas de gestão”, os indicados podem ser demitidos e substituídos pelo governo.

    Também falando à CNN, o deputado Vinícius Poit (Novo-SP), que apoiou o presidente Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições presidenciais, afirma que os nomes que estão sendo indicados não são aptos para os cargos. “Não mostram currículo, precisamos ficar apresentando requerimento de informação para saber qual é o currículo daquela pessoa, se tem aptidões técnicas. Não vou generalizar, mas têm que comprovar isso”, argumenta.

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    O deputado cita o caso do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que passou a ser presidido por Marcelo Lopes da Ponte, ex-chefe de gabinete do senador Ciro Nogueira (Progressistas-PI). “O FNDE é responsável pela educação, que precisa de mais investimento. Como colocar o chefe de gabinete de um cara que está citado na Lava Jato? É assim que acaba tendo impacto para as políticas públicas”, critica Poit. 

    Em fevereiro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, denunciou Nogueira ao STF por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, em investigação da Operação Lava Jato. À época, o senador criticou a denúncia, por considerar que ela se baseava apenas nas delações premiadas de executivos da empreiteira Odebrecht.

    O futuro do Centrão

    O cientista político Rafael Cortez enxerga que a reforma das leis eleitorais feita em 2017 pode influenciar na forma como os acordos políticos podem se dar nos próximos anos — e, com isso, na atuação do Centrão. 

    A partir das eleições municipais de 2020, ficam proibidas as coligações proporcionais. O especialista explica que, assim, cada partido terá que obter os votos necessários para eleger seus parlamentares, sem poder se coligar com partidos protagonistas das eleições.

    Dessa forma, Cortez vê a tendência de que legendas com contornos ideológicos mais claros ganhem mais espaço. “Nesse contexto, será essencial saber qual será o grau de sucesso do governo Bolsonaro e como isso vai se refletir na eventual criação do seu partido político, o Aliança pelo Brasil”.

    Outra mudança que veio com a reforma ocorreu na chamada “cláusula de barreira”. Trata-se de um mínimo percentual de votos que devem ser alcançados em diversos estados para que os partidos mantenham acesso ao Fundo Partidário e ao tempo de rádio e TV. A tendência, avalia o cientista político, é que conforme a cláusula suba (crescerá gradualmente até 2030), menor será a fragmentação partidária, substituindo muitas e pequenas negociações por poucos e grandes acertos políticos.

    A própria competição interna no Centrão pode mudar o comportamento de seus integrantes. Desde a queda de Eduardo Cunha, o grupo, que é mais forte na Câmara do que no Senado, orbitou no entorno de Rodrigo Maia (DEM-RJ), que se elegeu três vezes para o comando da Casa. No entanto, na próxima eleição da Câmara, que acontece em fevereiro, Maia não poderá ser candidato.

    “O que impede uma atuação ainda mais sincronizada é a competição inerente dentro deste bloco. A sucessão do Rodrigo Maia envolve diversos postos e é um possível objeto de conflito”, avalia Cortez.

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