Não falta marqueteiro para Lula. Falta uma conversa com Eduardo Paes
Se Lula quer mesmo vencer, precisa lutar por todo voto, como se fosse sua primeira eleição
A eleição surrealista de 2018 ainda está viva na memória de todos. Um ano antes, quem poderia prever governadores como o ex-juiz Wilson Witzel, Romeu Zema (72% dos votos!), Ibaneis Rocha (70%!), Helio “Bolsonaro” Lopes como deputado federal mais votado do Rio de Janeiro (480 votos para vereador apenas dois anos antes) ou os dois milhões de votos para a novata Janaína Paschoal?
O destaque aleatório, evidentemente, foi o presidente eleito, um deputado folclórico do baixíssimo clero fluminense que subiu a rampa do Planalto após a prisão do principal adversário e um grave e tresloucado atentado contra sua vida. Alguns derrotados, como Eduardo Paes, deram a volta por cima no pleito seguinte, mas o atual prefeito do Rio de Janeiro aprendeu algumas lições com aquela derrota que podem ser úteis a Lula.
Paes tem uma longa história na política carioca, mas alcançou o estrelato ao ser eleito alcaide em 2008, num pleito que contou com um feriado providencial decretado pelo governador e padrinho político Sérgio Cabral que todo carioca lembra bem.
O ex-tucano foi um prefeito que deixou sua marca nos dois primeiros mandatos (2009-2016) e foi muito bem avaliado, considerando um eleitorado normalmente blasé e que dificilmente simpatiza ou idolatra políticos.
Tudo parecia conspirar para que Paes conquistasse o Palácio Guanabara, sede do governo estadual, em 2018, e sua vitória era vista, no meio político do Rio, como favas contadas.
O festejado ex-prefeito disputou a vaga com candidatos que não faziam sombra a seu prestígio e tocava sua campanha como uma mera e tediosa formalidade. Porém, só faltou combinar com o eleitor.
Fechadas as urnas do primeiro turno, Paes foi surpreendido pela folgada dianteira do desconhecido Wilson José Witzel, o “juiz do Bolsonaro”, que recebeu 3.154.771 votos (41,28%), mais que o dobro do suposto favorito que obteve 1.494.831 votos (19,56%).
Mais que um resultado eleitoral, uma bofetada em alguém que considerava a conquista do governo estadual fluminense uma consequência natural de sua trajetória política.
A campanha do segundo turno teve um Eduardo Paes que, em vez de lutar pelo espaço perdido, falava na TV com indisfarçável mau humor, como se apontasse o dedo para o eleitor e dissesse “como vocês ousam não votar em mim?”.
Paes transparecia um evidente incômodo por ter que se comparar a um mero ex-juiz, nascido no interior de São Paulo, com declarações entre desconexas e folclóricas.
O ex-prefeito parecia estar vivendo um pesadelo, custando a acreditar que tivesse mesmo, depois de oito anos de uma administração municipal bem avaliada na complicada capital do estado do Rio, de convencer o cidadão fluminense ser mais capaz do que seu inexperiente adversário de comandar a máquina pública estadual.
O resultado, como se sabe, foi a confirmação da vitória tranquila de Wilson Witzel com 4.675.355 votos (59,87%) contra 3.134.400 (40,13%) de Eduardo Paes. O que parecia mentira, uma piada de mau gosto, era a pura realidade. Witzel depois sofreria um processo de impeachment e sequer terminaria o mandato, mas a eleição de 2018 deixou lições que Paes aprendeu e levou para a disputa de 2020, quando recebeu seu terceiro mandato como prefeito da cidade maravilhosa. O que Lula 2022 teria a aprender com Paes 2018?
Que escalação não ganha jogo, para ficar numa analogia futebolística, figura de linguagem tão cara ao ex-presidente. Se Lula quer mesmo vencer, precisa descer da torre de marfim que se colocou, parar de menosprezar seu adversário, que é o atual presidente da República, e humildemente lutar por cada voto, como se fosse sua primeira eleição.
Um Lula mal-humorado, ressentido, enfraquecido, desgastado terá poucas chances de superar a avassaladora máquina bolsonarista que inclui a caneta presidencial, grande parte do centrão, o fim do teto de gastos e o uso mais massivo e despudorado das redes sociais já feito por um político no Brasil.
A cada pesquisa, Bolsonaro encosta mais em Lula e seu viés, evidentemente, é de alta. A cinco meses da eleição, o atual presidente tem toda condição de superar o petista e dar a ele a derrota mais humilhante da sua vida, jogando o PT num limbo.
Lula pode achar que a Presidência deveria ser concedida a ele honoris causa, mas não é assim que funciona na vida real. E ele, no fundo, sabe disso. Há tempo e condições de reverter o atual quadro, mas se ele continuar subestimando seu adversário, pode tomar o mesmo susto de Eduardo Paes em 2018, com a diferença de que não haverá redenção posterior.