MPF alertou governo federal há nove dias para risco de incêndio na Cinemateca
Em julho do ano passado, Procuradoria apresentou ação civil pública contra o governo Bolsonaro alegando “estrangulamento financeiro e abandono administrativo”
O Ministério Público Federal (MPF) em São Paulo alertou o governo federal para o risco de incêndio na Cinemateca Brasileira em uma audiência pública realizada no dia 20 de julho. Nesta quinta-feira (29), nove dias após o aviso, um incêndio atingiu um galpão da Cinemateca na Vila Leopoldina, bairro da zona oeste de São Paulo.
“Pelo MPF, houve comentários sobre a visita realizada e sobre o fato de terem sido bem recebidos. Destacou, entretanto, o fato de risco de incêndio, principalmente em relação aos filmes de nitrato”, diz o termo da audiência.
A audiência aconteceu no dia 20 de julho, na 1ª Vara Federal Cível de São Paulo, no âmbito de uma ação civil pública apresentada pelo MPF, em julho do ano passado, contra o governo federal por abandono da Cinemateca.
Participaram da reunião o juiz federal Marco Aurelio de Mello Castrianni, o procurador da República Gustavo Torres Soares – que assina a ação contra o governo –, um advogado da União, o secretário adjunto da Secretaria Especial da Cultura, a diretora do Departamento de Políticas Audiovisuais e representantes da Associação de Moradores da Vila Mariana e da Associação Paulista de Cineastas.
O termo de audiência informa que alguns pontos da última reunião, que aconteceu em maio deste ano, foram cumpridos e outros ainda estão em andamento. Na audiência, ficou decidido que o governo terá mais dois meses para continuar a adotar medidas de preservação da Cinemateca.
“Depois de várias manifestações a respeito de cada um dos pontos de interesse desta ação, houve a proposta da continuidade da suspensão do processo, pelo prazo de 60 (sessenta dias), para que a União Federal possa dar continuidade às medidas que já vêm sendo tomadas”, diz o documento.
De acordo com o termo, o governo deverá resolver pendências com Sociedade Amigos da Cinemateca relacionadas a projetos anteriores para que possa ser formalizada a doação de serviços emergenciais e transitórios.
Também terá de avançar nos procedimentos administrativos para realizar o chamamento público para contratar uma Organização Social para gerir a Cinemateca e exigir dela a realização de procedimento administrativo destinado à composição e funcionamento do Conselho Técnico Consultivo da Cinemateca.
A próxima audiência pública acontecerá no dia 21 de setembro, às 15h.
Em nota, a Secretaria Especial da Cultura ressaltou que todo o sistema de climatização do espaço passou por uma manutenção há cerca de um mês, como parte de um esforço do governo federal para manter o acervo.
Sobre o alerta do risco de incêndio, a reportagem da CNN entrou em contato com a Secretaria e aguarda retorno.
Ação por abandono
Em julho do ano passado, o MPF apresentou uma ação civil pública contra o governo Bolsonaro alegando “estrangulamento financeiro e abandono administrativo”. O documento, assinado pelo procurador Gustavo Torres Soares, dizia que a Cinemateca corria sério e iminente risco de dano irreparável por omissão e abandono do governo.
Em dezembro 2019, o então ministro da Educação Abraham Weintraub anunciou que não iria renovar o contrato com a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, que administrava a Cinemateca. À época, os ministérios da Economia e da Cidadania manifestaram-se favoráveis à continuação.
Na ação, o MPF alertava que o acervo da Cinemateca estava sob iminente ameaça de destruição total ou parcial. “Os filmes em nitrato de celulose lá armazenados podem entrar em combustão espontânea e ocasionar incêndio”, dizia o MPF.
A ação também destacava a queda no repasse de recursos do governo federal para a Cinemateca nos últimos anos. De acordo com o MPF, o valor passou de R$ 8 milhões, em 2018, para R$ 7,2 milhões, em 2019. Em 2020, não houve repasse de recursos para a Cinemateca. Segundo o MPF, apesar de não ter repassado recursos no ano passado, o governo federal reconheceu que havia previsão orçamentária de R$ 12,2 milhões.
Na ação, o MPF diz que o governo resolveu – de forma arbitrária, dolosa, voluntariosa e desprovida de motivo juridicamente admissível – abandonar a Cinemateca.
Há um ano e dois meses, no dia 20 de maio de 2020, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) disse, em um vídeo publicado em suas redes sociais, que a então secretária especial da Cultura Regina Duarte — que foi substituída pelo ator Mário Frias — deixaria a pasta e comandaria a Cinemateca em São Paulo. Ela nunca assumiu o cargo.
Em novembro, por determinação de Bolsonaro, a Cinemateca voltou para o Ministério do Turismo. Passou aos cuidados da Secretaria Nacional do Audiovisual, que faz parte da Secretaria Especial da Cultura, comandada por Mário Frias, até o dia 5 de outubro.