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    Militares tentam manter influência sobre Itaipu, revelam documentos obtidos pela CNN

    Usina hidrelétrica localizada na fronteira entre o Brasil e o Paraguai foi, na prática, remilitarizada durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)

    Caio Junqueira

    Beneficiados por nomeações em massa no governo Jair Bolsonaro (PL), militares próximos ao ex-presidente continuam se articulando para manter postos e influência no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

    Um exemplo é a usina de Itaipu, maior hidrelétrica do país e segunda maior do mundo, que, na prática, foi remilitarizada na era Bolsonaro e cujo comando, desde o segundo turno das eleições, tem tomado decisões que devem tornar mais complexas a eventual substituição de sua cúpula.

    Itaipu se situa no rio Paraná, entre o Brasil e o Paraguai. A usina binacional foi projetada e construída entre 1970 e 1982, durante os governos militares dos generais Emílio Garrastazu Médici (1905-1985), Ernesto Geisel (1907-1996) e João Figueiredo (1918-1999). Em 2023, a empresa celebra 50 anos da assinatura do tratado que deu origem à construção da hidrelétrica.

    A tentativa de manutenção da influência militar ocorre de diversas maneiras:

    1. Distribuição de recursos da companhia para a região mediante a assinatura de aditivos contratuais e convênios;
    2. Aprovação de regras que estabelecem benefícios internos e dificuldades de promoção;
    3. Nomeações de nomes alinhados a cúpula para novos cargos;
    4. Reinauguração do escritório de Brasília em um dos endereços mais caros da capital federal;
    5. Indicação do Conselho Fiscal do fundo de pensão da empresa.

    Tudo isso sob o comando do diretor-geral de Itaipu, o almirante Anatalicio Risden Junior. Desde que assumiu o cargo, há um ano, a Marinha –da qual é egresso– é a Força que passou a dominar os postos estratégicos da binacional. A Força também tradicionalmente tem postos-chave na área de energia no Brasil.

    Foi da Marinha que saiu também o único comandante a se recusar a passar o comando ao sucessor após a posse de Lula: Almir Garnier Santos.

    Desde a derrota de Bolsonaro, proliferaram-se parcerias com municípios da região, alguns sem qualquer conexão com a empresa.

    A CNN levantou nos dados abertos do portal de Transparência que foram assinados pelo menos R$ 644 milhões em contratos, sendo R$ 190 milhões em convênios e R$ 450 milhões em aditivos contratuais.

    Por ser uma binacional, Itaipu não se submete a fiscalização do Tribunal de Contas da União.

    A maior parte desses recursos é voltada para obras de municípios da região, uma das marcas da gestão Itaipu sob Bolsonaro.

    Boa parte desses contratos é considerado, por fontes da empresa ouvidas pela CNN, “sem necessidade” ou que, pelo menos, pudesse ser submetido a avaliação do novo comando que saiu vencedor das eleições.

    Um exemplo: um convênio com a prefeitura de Foz do Iguaçu para “Elaboração de Projetos Executivos para Complexo Multiusos Cataratas” pelo prazo de 14 meses no valor de R$ 1,7 milhão (veja abaixo).

    Convênio entre a usina de Itaipu e a prefeitura de Foz do Iguaçu
    Convênio entre a usina de Itaipu e a prefeitura de Foz do Iguaçu / Reprodução

    Uma outra operação consolidada no dia 19 de dezembro –a 12 dias da posse de Lula– também chamou atenção. Trata-se de um documento que estabelece o pagamento de taxa de honorários a advogados da empresa.

    Para fontes de Itaipu ouvidas pela CNN, a decisão tem potencial de fidelizar integrantes do corpo jurídico da empresa em um provável cenário de uma devassa dos petistas na companhia (veja o documento abaixo).

    Outro ponto alterado também no período de transição de governo foi o sistema de promoção de funcionários.

    No dia 8 de novembro –nove dias após a derrota de Bolsonaro–, a diretoria aprovou o “Processo de Sucessão Gerencial na Itaipu Binacional, Margem Esquerda” com uma série de novos regramentos que fontes da empresa apontam que tem o objetivo de dificultar a troca de gerentes e superintendentes alinhados a atual gestão (veja abaixo).

    Também houve a decisão de reinaugurar neste mês, sem alarde, o escritório de Brasília, que havia sido fechado na gestão do general Silva e Luna, marcada por uma política de corte de gastos que fechou escritórios considerados ociosos e que também evitou atendimentos políticos na região.

    O anúncio “oficial” aos funcionários circulou nesta terça-feira (24) no jornal da empresa. Ali está dito que o endereço escolhido foi o 7º andar do Bloco B do Parque Cidade Corporate, um dos prédios mais modernos e caros de Brasília.

    Uma das nomeadas é Adriana Garrido, esposa do general Eduardo Garrido, diretor-superintendente do Parque Tecnológico de Itaipu.

    Interlocutores do novo governo e de Itaipu apontam que o interesse em manter a influência militar sobre Itaipu existe, mas ele encontra respaldo na lentidão do Ministério de Minas e Energia de ocupar postos estratégicos ligados à pasta, como Itaipu.

    Até hoje, por exemplo, a pasta não tem um secretário-executivo, o segundo na hierarquia interna.

    Isso se deve, segundo relatos desses interlocutores, do perfil conciliador do novo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, contrário a uma transição sem grandes rupturas.

    Na posse de Silveira em Brasília estiveram presentes, por exemplo, o almirante Bento Albuquerque, ex-ministro da pasta, além do general Joaquim Silva e Luna, que já foi diretor-geral de Itaipu, e o almirante Anatalicio Risden Junior, que tinha interesse, segundo fontes do PSD, em ser secretário-executivo da pasta.

    Silveira é do PSD, partido com amplo trânsito com setores da direita e também com militares. É também o partido do governador do Paraná, Ratinho Júnior, aliado da atual gestão de Itaipu e de quem o almirante Risden se aproximou durante sua gestão.

    A lentidão na sucessão de Itaipu faz até com que os militares acabem tendo de cumprir algumas nomeações pela lei.

    Caso do Conselho Fiscal da Fibra –a Fundação Itaipu Brasil, que é o fundo de pensão da binacional–, foi trocado neste mês porque a legislação obriga que isso ocorra 90 dias antes do fim do mandato atual, que termina em abril (veja abaixo).

    Alteração no Conselho Fiscal da Fibra, que é a Fundação Itaipu Brasil
    Alteração no Conselho Fiscal da Fibra (Fundação Itaipu Brasil, que é o fundo de pensão da binacional) / Reprodução

    Procurado, Alexandre Silveira não se manifestou.

    Almirante Risden conversou com a CNN. Sobre os contratos e convênios, ele disse que a legislação eleitoral impediu que esses documentos fossem assinados entre julho e outubro e que isso gerou um represamento.

    Afirmou ainda que um convênio demora cerca de oito meses para ser elaborado e que, portanto, não haveria impacto eleitoral nas assinaturas. Falou também que a orientação do ministro Alexandre Silveira foi não deixar a empresa parar.

    Sobre o contrato de R$ 1,7 milhão com a Prefeitura de Foz, Risden declarou que se trata apenas de um financiamento de um projeto para uma obra que a prefeitura vai bancar.

    Ele informou ainda que o pagamento de honorários a advogados foi suspenso no dia 16 de janeiro deste ano, menos de um mês após a sua aprovação. E que a nova política de remanejamento se deve a adoção de critérios de meritocracia.

    Risden rejeitou ainda a ideia de uma reabertura do escritório de Brasília.

    Disse que o tratado impõe a obrigação de haver uma sede na capital federal e que havia um endereço anterior na sede da Eletrobras, mas que após a privatização da estatal houve necessidade de mudança.

    O novo local é cedido pela Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBPar).

    Por ser uma empresa binacional, Itaipu não é auditada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).

    (Com colaboração de Luisa Cerne, da CNN)