Militares e TSE: O ovo da serpente
Ofício encaminhado ao TSE, com a assinatura do ministro da Defesa, coloca as Forças Armadas no papel de Poder Moderador e tutor da República, sem qualquer suporte legal ou constitucional



Em 15 de abril de 1964, Humberto Castelo Branco tomava posse como o 26º presidente do Brasil. No discurso, chamou o golpe que derrubou João Goulart duas semanas antes de “movimento cívico da nação brasileira” que “se levantou unida, esplêndida de coragem e decisão, para restaurar a democracia e libertá-la de quantas fraudes e distorções a tornavam (sic) irreconhecível”. Começava o período ditatorial que duraria mais de duas décadas.
A República brasileira foi fundada com o pecado original de um golpe militar, seguido de vários outros ao longo da história, Com a ausência de conflitos reais, muitos fardados brasileiros acabaram elegendo inimigos internos para demonizar, perseguir, exilar, torturar e matar. A fragilidade da democracia do país volta a ser testada com o recente assédio ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas.
Não há motivo para ignorar ou minimizar os riscos de uma nova quebra da ordem sendo urdida com o pretexto de se “auditar” as eleições brasileiras, como se houvesse algum risco real à integridade do pleito fora dos discursos insuflados pelo presidente. Quanto mais atrás nas pesquisas, mais ataques à eleição e às urnas. Não é coincidência.
Em 22 de maio de 2020, segundo matéria da revista Piauí de agosto do mesmo ano, Bolsonaro disse aos generais Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos: “vou intervir!”. O presidente se revoltou contra um procedimento de rotina do judiciário. O ministro Celso de Mello, decano do STF à época, encaminhou ao Procurador-Geral da República, a partir de uma denúncia de três partidos, uma consulta sobre uma possível apreensão dos celulares de Bolsonaro e de seu filho Carlos.
Os militares seriam convocados naquele momento para dar um golpe, destituir os ministros do STF à força, e colocar marionetes em seus lugares, como em qualquer ditadura. Os generais não se opuseram à ideia, ainda segundo a revista, apenas acharam que “não é o momento”.
No recém-lançado livro “Sem máscara: O governo Bolsonaro e a aposta pelo caos”, o jornalista Guilherme Amado defende que Bolsonaro ordenou, em março de 2021, “o Exército nas ruas para abrir as lojas e abrir os estados e municípios porque os governadores e prefeitos fecharam tudo”, como ele próprio teria relatado ao ministro Dias Toffoli do STF.
O general Fernando de Azevedo e Silva se recusou a cumprir a ordem, segundo relata o autor, e foi demitido do Ministério da Defesa, a mesma pasta que agora conta com o general Paulo Sérgio para cumprir o papel, ainda por meias palavras e eufemismos, de ameaçar as instituições do país.
Em 14 de abril de 2021, Bolsonaro disse a apoiadores no cercadinho em frente ao Palácio do Planalto: “O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. (…) O que nascerá disso tudo, onde vamos chegar? Parece que é um barril de pólvora que está aí”, A partir daí, sua máquina de marketing digital começou a espalhar o bordão “Eu Autorizo, Presidente!”, mote que foi amplamente utilizado por bolsonaristas nas manifestações de 1º de maio. O “barril de pólvora” estava sendo preparado.
O ponto máximo das tensões em 2021 foi a manifestação de 7 de setembro, insuflada com muita antecedência pelo presidente e seus apoiadores. No dia, ele discursou na Avenida Paulista chamando o ministro Alexandre de Moraes de “canalha” e dizendo que não mais cumpriria suas decisões. Seja lá o que estivesse sendo planejado, não deu certo e logo depois entrou em campo o ex-presidente Michel Temer para costurar uma pacificação que durou poucos dias.
O ofício encaminhado nesta sexta ao TSE, com a assinatura do ministro da Defesa, coloca as Forças Armadas no papel de Poder Moderador e tutor da República, sem qualquer suporte legal ou constitucional. A ideia de que o artigo 142 da Carta Magna daria esse poder a elas é um delírio interpretativo. A normalidade democrática do país, com esse assédio injustificável, já foi comprometida.
As pesquisas de opinião encomendadas pelo PL, partido de Jair Bolsonaro, indicam que a população não está recebendo bem a narrativa presidencial que insiste, sem qualquer base factual, em dizer que há algum tipo de suspeição pairando sobre o processo eleitoral brasileiro. Bolsonaro hoje corre o risco de perder a reeleição já no primeiro turno para Lula. A insistência no discurso impopular indica que há algo mais em curso do que uma mera estratégia de campanha.
Fotos – Todos os presidentes da história do Brasil
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Veja todos os presidentes da história do Brasil
Manuel Deodoro da Fonseca (Deodoro da Fonseca)
1889 - 1891 • Divulgação/Presidência da República
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Floriano Vieira Peixoto (Floriano Peixoto)
1891 - 1894 • Divulgação/Presidência da República
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Prudente José de Morais e Barros (Prudente de Morais)
1894 - 1898 • Divulgação/Presidência da República
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Manoel Ferraz de Campos Salles (Campos Salles)
1898 - 1902 • Divulgação/Presidência da República
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Francisco de Paula Rodrigues Alves (Rodrigues Alves)
1902 - 1906 • Divulgação/Presidência da República
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Afonso Augusto Moreira Penna (Afonso Pena)
1906 - 1909 • Divulgação/Presidência da República
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Nilo Procópio Peçanha (Nilo Peçanha)
1909 - 1910 • Divulgação/Presidência da República
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Hermes Rodrigues da Fonseca (Hermes da Fonseca)
1910 - 1914 • Divulgação/Presidência da República
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Venceslau Brás Pereira Gomes (Venceslau Brás)
1914 - 1918 • Divulgação/Presidência da República
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Delfim Moreira da Costa Ribeiro (Delfim Moreira)
1918 - 1919 • Divulgação/Presidência da República
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Epitácio Lindolfo da Silva Pessoa (Epitácio Pessoa)
1919 - 1922 • Divulgação/Presidência da República
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Arthur da Silva Bernardes (Arthur Bernardes)
1922 - 1926 • Divulgação/Presidência da República
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Washington Luís Pereira de Sousa (Washington Luís)
1926 - 1930 • Divulgação/Presidência da República
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Getúlio Dornelles Vargas (Getúlio Vargas)
1930 - 1945 • Divulgação/Presidência da República
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José Linhares
1945 - 1946 • Divulgação/Presidência da República
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Eurico Gaspar Dutra
1946 - 1951 • Divulgação/Presidência da República
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Getúlio Dornelles Vargas (Getúlio Vargas)
1951 - 1954 • Divulgação/Presidência da República
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João Fernandes Campos Café Filho (Café Filho)
1954 - 1955 • Divulgação/Presidência da República
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Carlos Coimbra da Luz (Carlos Luz)
08/11/1955 a 11/11/1955 • Divulgação/Presidência da República
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Nereu de Oliveira Ramos (Nereu Ramos)
1955 - 1956 • Divulgação/Presidência da República
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Juscelino Kubitschek de Oliveira (Juscelino Kubitschek)
1956 - 1961 • Divulgação/Presidência da República
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Jânio da Silva Quadros (Jânio Quadros)
31/01/1961 - 25/08/1961 • Divulgação/Presidência da República
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João Belchior Marques Goulart (João Goulart)
1961 - 1964 • Divulgação/Presidência da República
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Humberto de Alencar Castello Branco (Castello Branco)
1964 - 1967 • Divulgação/Presidência da República
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Arthur da Costa e Silva (Costa e Silva)
1967 - 1969 • Divulgação/Presidência da República
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Emílio Garrastazu Médici (Médici)
1969 - 1974 • Divulgação/Presidência da República
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Ernesto Geisel
1974 - 1979 • Divulgação/Presidência da República
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João Baptista de Oliveira Figueiredo (João Figueiredo)
1979 - 1985 • Divulgação/Presidência da República
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José Sarney
1985 - 1990 • Divulgação/Presidência da República
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Fernando Afonso Collor de Mello (Fernando Collor)
1990 - 1992 • Divulgação/Presidência da República
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Itamar Augusto Cautiero Franco (Itamar Franco)
1992 - 1994 • Divulgação/Presidência da República
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Fernando Henrique Cardoso
1995 - 2002 • Divulgação/Presidência da República
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2003 - 2010 • Divulgação/Presidência da República
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Dilma Vana Rousseff (Dilma Rousseff)
2011 - 2016 • Divulgação/Presidência da República
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Michel Miguel Elias Temer Lulia (Michel Temer)
2016 - 2019 • Divulgação/Presidência da República
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Jair Messias Bolsonaro (Jair Bolsonaro)
2019 - Atualidade • Divulgação/Presidência da República
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