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    Eleições 2022

    Militares e TSE: O ovo da serpente

    Ofício encaminhado ao TSE, com a assinatura do ministro da Defesa, coloca as Forças Armadas no papel de Poder Moderador e tutor da República, sem qualquer suporte legal ou constitucional

    Alexandre Borges

    Em 15 de abril de 1964, Humberto Castelo Branco tomava posse como o 26º presidente do Brasil. No discurso, chamou o golpe que derrubou João Goulart duas semanas antes de “movimento cívico da nação brasileira” que “se levantou unida, esplêndida de coragem e decisão, para restaurar a democracia e libertá-la de quantas fraudes e distorções a tornavam (sic) irreconhecível”. Começava o período ditatorial que duraria mais de duas décadas.

    A República brasileira foi fundada com o pecado original de um golpe militar, seguido de vários outros ao longo da história, Com a ausência de conflitos reais, muitos fardados brasileiros acabaram elegendo inimigos internos para demonizar, perseguir, exilar, torturar e matar. A fragilidade da democracia do país volta a ser testada com o recente assédio ao sistema eleitoral e às urnas eletrônicas.

    Não há motivo para ignorar ou minimizar os riscos de uma nova quebra da ordem sendo urdida com o pretexto de se “auditar” as eleições brasileiras, como se houvesse algum risco real à integridade do pleito fora dos discursos insuflados pelo presidente. Quanto mais atrás nas pesquisas, mais ataques à eleição e às urnas. Não é coincidência.

    Em 22 de maio de 2020, segundo matéria da revista Piauí de agosto do mesmo ano, Bolsonaro disse aos generais Walter Braga Netto, Augusto Heleno e Luiz Eduardo Ramos: “vou intervir!”. O presidente se revoltou contra um procedimento de rotina do judiciário. O ministro Celso de Mello, decano do STF à época, encaminhou ao Procurador-Geral da República, a partir de uma denúncia de três partidos, uma consulta sobre uma possível apreensão dos celulares de Bolsonaro e de seu filho Carlos.

    Os militares seriam convocados naquele momento para dar um golpe, destituir os ministros do STF à força, e colocar marionetes em seus lugares, como em qualquer ditadura. Os generais não se opuseram à ideia, ainda segundo a revista, apenas acharam que “não é o momento”.

    No recém-lançado livro “Sem máscara: O governo Bolsonaro e a aposta pelo caos”, o jornalista Guilherme Amado defende que Bolsonaro ordenou, em março de 2021, “o Exército nas ruas para abrir as lojas e abrir os estados e municípios porque os governadores e prefeitos fecharam tudo”, como ele próprio teria relatado ao ministro Dias Toffoli do STF.

    O general Fernando de Azevedo e Silva se recusou a cumprir a ordem, segundo relata o autor, e foi demitido do Ministério da Defesa, a mesma pasta que agora conta com o general Paulo Sérgio para cumprir o papel, ainda por meias palavras e eufemismos, de ameaçar as instituições do país.

    Em 14 de abril de 2021, Bolsonaro disse a apoiadores no cercadinho em frente ao Palácio do Planalto: “O Brasil está no limite. O pessoal fala que eu devo tomar providências. Eu estou aguardando o povo dar uma sinalização. (…) O que nascerá disso tudo, onde vamos chegar? Parece que é um barril de pólvora que está aí”, A partir daí, sua máquina de marketing digital começou a espalhar o bordão “Eu Autorizo, Presidente!”, mote que foi amplamente utilizado por bolsonaristas nas manifestações de 1º de maio. O “barril de pólvora” estava sendo preparado.

    O ponto máximo das tensões em 2021 foi a manifestação de 7 de setembro, insuflada com muita antecedência pelo presidente e seus apoiadores. No dia, ele discursou na Avenida Paulista chamando o ministro Alexandre de Moraes de “canalha” e dizendo que não mais cumpriria suas decisões. Seja lá o que estivesse sendo planejado, não deu certo e logo depois entrou em campo o ex-presidente Michel Temer para costurar uma pacificação que durou poucos dias.

    O ofício encaminhado nesta sexta ao TSE, com a assinatura do ministro da Defesa, coloca as Forças Armadas no papel de Poder Moderador e tutor da República, sem qualquer suporte legal ou constitucional. A ideia de que o artigo 142 da Carta Magna daria esse poder a elas é um delírio interpretativo. A normalidade democrática do país, com esse assédio injustificável, já foi comprometida.

    As pesquisas de opinião encomendadas pelo PL, partido de Jair Bolsonaro, indicam que a população não está recebendo bem a narrativa presidencial que insiste, sem qualquer base factual, em dizer que há algum tipo de suspeição pairando sobre o processo eleitoral brasileiro. Bolsonaro hoje corre o risco de perder a reeleição já no primeiro turno para Lula. A insistência no discurso impopular indica que há algo mais em curso do que uma mera estratégia de campanha.

    Fotos – Todos os presidentes da história do Brasil

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