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    Juiz derruba obrigação de exame em Lei das Saidinhas e informa decisão ao STF

    Magistrado de Bauru, no interior de São Paulo, disse que exigência para progressão de regime é inconstitucional

    Lucas MendesElijonas Maiada CNN , Brasília

    O juiz Davi Marcio Prado Silva, da comarca de Bauru (SP), derrubou a obrigatoriedade de exame criminológico adotada na nova “Lei das Saidinhas” e concedeu a progressão para o regime semiaberto a um preso por roubo.

    A ordem é uma das primeiras decisões judiciais no país sob a nova norma, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e publicada em 11 de abril.

    Pela norma, além do exame, para progredir de regime o preso também precisa ter boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor da penitenciária.

    Segundo o juiz de Bauru, a obrigação de passar pelo exame para avaliar a ida ao semiaberto é inconstitucional, no caso analisado por ele, por violar os princípios da individualização da pena, da dignidade da pessoa humana e da duração razoável do processo.

    O magistrado também afirmou, na decisão, que a imposição do exame viola o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), quando a Corte declarou que há um “estado de coisas inconstitucional” no sistema penitenciário brasileiro.

    No caso, a Corte confirmou, em outubro, a existência de violações sistemáticas e estruturais de direitos dos presos, diante da superlotação e das péssimas condições das unidades prisionais.

    A ação saiu da relatoria de Roberto Barroso quando ele assumiu a presidência do STF e passou para o gabinete de Flávio Dino.

    O juiz ilustrou os problemas da exigência da nova lei com a situação dos processos de execução penal sob sua jurisdição, como a demora de meses para a inclusão dos exames nos processos e que a falta de psiquiatras para assinar um parecer médico.

    “No âmbito desta unidade jurisdicional, a experiência demonstra que os exames criminológicos determinados em caráter excepcional para determinadas hipóteses de progressão de pena demoram mais de meses para aportar nos autos e, em sua maioria, não contam com parecer de médico psiquiatra, por inexistência de tal profissional”.

    “A extensão dessa exigência a todos os casos, de forma indiscriminada, certamente aumentará esse prazo, importando, concomitantemente, no exacerbado alargamento do período de cumprimento de pena em regime mais severo e, nos casos de apenados com penas curtas, na obrigatoriedade de cumprimento de pena integralmente em regime fechado ou semiaberto, sem tempo hábil à concessão do benefício”.

    “Retrocesso”

    O juiz encaminhou sua própria decisão ao Supremo. Segundo ele, a derrubada da exigência prévia de exame foi necessária, no caso concreto, para assegurar a “integridade” da decisão do STF.

    “Dessa forma, nos termos da ADPF 347/DF, verificada a ausência de falta de coordenação entre medidas legislativas, administrativas e orçamentarias que venham a representar uma ‘falha estrutural’ com potencial de agravamento da situação massiva de violação de direitos, como se dá no caso, patente a inconstitucionalidade por via reflexa, ante a violação do contido na referida ADPF”, disse o juiz.

    O magistrado considerou que a nova norma representa “visível ilogicidade em seu teor”, além de “evidente retrocesso no sistema de execução de penas” e imposição aos presos de “situação ainda mais grave” que a anterior.

    “Seja porque a população prisional aumentou significativamente, seja porque as unidades prisionais apresentam evidente insuficiência de técnicos para conduzir os atendimentos em tempo razoável”, disse.

    “A exigência indiscriminada e abstrata, sem fundamentação idônea e sem a indicação de base empírica que revele elementos concretos de gravidade, personalidade ou outras circunstâncias recentes, que em tese, possam vir a desabonar a progressão de regime, viola o texto constitucional, com o qual se incompatibiliza a exigência indiscriminada de realização prévia de exame criminológico”, afirmou.

    Para o juiz, o exame é “instrumento importantíssimo” na individualização da pena, “desde que utilizado de maneira excepcional e justificada, à luz das circunstâncias do caso concreto”.

    Juízes podem fazer o chamado controle de constitucionalidade nos casos concretos que estão julgando, para garantir que a Constituição seja aplicada imediatamente.

    Conforme disse à CNN o advogado e professor de Direito Constitucional Henderson Fürst, ao aplicar a nova lei, o juiz caracterizou a situação de inconstitucionalidade já reconhecida pelo STF, “por isso deixa de aplicar para não criar uma inconstitucionalidade no caso concreto”.

    “É uma das hipóteses de derrotabilidade normativa: quando o texto normativo, ao ser aplicado, gerar uma inconstitucionalidade”, disse.

    Lei das Saidinhas

    A sanção da Lei das Saidinhas pelo presidente Lula foi publicada, na quinta-feira (11), em sessão extra no Diário Oficial da União (DOU), com um veto ao trecho que impedia o preso do regime semiaberto de visitar a família.

    O veto de Lula aconteceu após orientação dada pela ala jurídica do governo, como o Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Advocacia-Geral da União.

    Outro artigo, que fala sobre o preso poder sair temporariamente para atividades que facilitem sua integração ao convívio social, foi vetado por consequência do primeiro impedimento.

    Denominada oficialmente como Lei Sargento PM Dias — em homenagem ao policial que foi baleado na cabeça no dia 5 de janeiro após uma abordagem a dois suspeitos em Belo Horizonte –, a medida altera a Lei de Execução Penal de 1984, que passa a vigorar com as alterações:

    • Determina a utilização do equipamento de monitoração eletrônica pelo condenado nas hipóteses legais;
    • O preso somente terá direito à progressão de regime se ostentar boa conduta carcerária, comprovada pelo diretor da penitenciária, e pelos resultados do exame criminológico, respeitadas as normas que vedam a progressão;
    • O preso deve apresentar pelos seus antecedentes e pelos resultados do exame criminológico, indícios de que irá ajustar-se, com autodisciplina, baixa periculosidade e senso de responsabilidade, ao novo regime;
    • O juiz poderá estabelecer condições especiais para a concessão de regime aberto, entre as quais, a fiscalização por monitoramento eletrônico;
    • Não terá direito à saída temporária ou a trabalho externo sem vigilância direta o condenado que cumpre pena por praticar crime hediondo ou com violência ou grave ameaça contra pessoa;
    • Quando se tratar de frequência a curso profissionalizante ou de instrução de ensino médio, ou superior, o tempo de saída será o necessário para o cumprimento das atividades discentes.

    A medida foi aprovada pela Câmara em 20 de março.

    O veto do presidente pode ser derrubado, eventualmente, em sessão do Congresso Nacional.

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