Inflação ainda preocupará em 2023: o que o próximo governo fará?
Próximo presidente precisa deixar BC fazer seu trabalho e ajudar com a política fiscal, para que a convergência da meta ocorra o quanto antes; agir de outra forma é jogar contra os interesses do Brasil
A guerra da Ucrânia ampliou o risco inflacionário, que já era grande pelos desdobramentos derivados da pandemia. Para uma inflação que estava estacionada pouco acima de 10% no final do ano passado, a guerra deve levar essa inflação para o patamar de 12% agora em abril.
Cair abaixo de dois dígitos deve ocorrer no segundo semestre apenas. Mas com uma inflação nesse patamar no segundo semestre, difícil imaginar que o IPCA não termine o ano bastante pressionado.
Nossa estimativa revisada de 7,8% em 2022 engloba uma inflação de alimentos que pode chegar a 9%. O BC entregou a toalha de certa forma este ano e persegue a inflação na meta em 2023, mas não será fácil.
Terminar a inflação no ano em quase 8% coloca grande risco para a inflação do ano que vem. Os preços administrados de 2023 deverão sofrer impacto da inflação ainda elevada este ano e alimentos voltarão a trazer dor de cabeça.
Com a safra 2022/2023 sob risco por conta da possível falta de fertilizantes, a produção agrícola ano que vem deverá sofrer, com o mundo buscando exportações no Brasil e diminuição de oferta doméstica.
Ainda falta, em média, cerca de 80% dos fertilizantes necessários para a próxima safra e ainda não está claro o que poderá ser importado desse total.
Com a safra em risco, a inflação de alimentos ainda será um problema em 2023 com alta de pelos menos 5%. Isso deverá dificultar a volta da inflação para 3% como deseja o BC.
Nossa estimativa é de um IPCA levemente acima de 4%, baixo, é verdade, mas com muitos riscos para cima que precisam ser avaliados ao longo do tempo.
Vale lembrar que a dificuldade de trazer a inflação para baixo ano que vem tem a ver também com os riscos políticos à frente.
O ciclo de queda de inflação de 2015/2017 em que o governo conseguiu trazer a inflação para 2,9% em 2017 dificilmente se repete agora porque não teremos as grandes transformações que ocorreram em 2016, com a saída da presidente Dilma Rousseff (PT) e diversas reformas, especialmente fiscais, que trouxeram estabilidade macro para a economia, fez o câmbio despencar de forma duradoura e ajudou na descompressão da inflação.
Agora, os riscos por conta da eleição são muito grandes e impedem que o ciclo de desinflação seja tão simples. Até porque o BC agora está muito mais sozinho do que estava em 2016, quando teve o apoio da política fiscal.
Essa pressão inflacionária já começa a aumentar as expectativas do IPCA para o ano que vem, o que deve fazer o BC ter que ser mais agressivo na alta da Selic do que sugerido pelo presidente Roberto Campos.
Não me parece que será possível parar em 12,75% com as pressões que se espalham e aumentam as expectativas do ano que vem.
Evidentemente que 12,75% já é uma taxa elevada, mas estamos falando de uma inflação em dois anos na casa de 18% acumulados, o que seria inédito desde 2003.
É provável que o BC tenha que levar a Selic para a casa dos 13% e há gente no mercado pensando até em 14%, o que não é impossível.
Ao mesmo tempo que a inflação ressurge, vai haver pressão para revisão da meta de inflação. Tem sido uma constante nos últimos anos esse tipo de pedido quando a inflação sobe de patamar. Mas se esquece nosso passado inflacionário já é ruim o suficiente para voltarmos a pensar em subir a meta.
Precisamos, pelo contrário, trabalhar em conjunto, todo o governo, para que consigamos manter a inflação a inflação ao longo do tempo o mais baixa possível.
Não dá para culpar as commodities como elemento permanente de pressão, pois isso também ocorre em outros países da América Latina, mas lá a inflação segue ancorada no longo prazo. Aqui, tenta-se não manter a ancoragem, mas mudar a própria âncora sem uma razão muito clara para isso.
Elevar a meta de inflação para os antigos 4,5%, por exemplo, vai exigir ainda mais juros para que o BC consiga manter a inflação nesse patamar.
Quanto maior a inflação, mais volátil ela é e mais prêmio de risco acaba sendo cobrado para tentar manter a inflação nesse patamar.
Sem falar que nosso histórico com essa meta tem sido ruim. Nos anos Dilma, com a meta em 4,5%, a inflação ficava sistematicamente próxima de 6,5% e isso exigia juros de dois dígitos também de forma permanente.
O trabalho de baixar a inflação não é simples, mas abandonar o alvo no primeiro sinal de choque me parece ir contra a ideia de credibilidade que se busca com o sistema de metas.
Em um ano eleitoralmente tão confuso o melhor que o BC poderia fazer é manter sua trajetória de buscar o entorno da meta.
Pode parecer cruel pedir mais juros para uma economia já tão machucada, mas deixar a inflação correr em patamar mais elevado é o pior que o governo poderia oferecer para a população mais pobre, a mais impactada por processos inflacionários.
Assim, o próximo presidente precisa deixar o BC fazer seu trabalho e ajudar com a política fiscal para que a convergência para a meta ocorra o quando antes. Agir de outra forma é jogar contra os interesses do país.