Ida de Barros a CPI da Pandemia foi derrota e de Hang foi um erro, avaliam senadores
Opinião foi apresentada em livro assinado pelos senadores opositores Randolfe Rodrigues e Humberto Costa, que será lançado nesta terça-feira (6), em São Paulo
O depoimento do deputado federal Ricardo Barros (PP-PR) à CPI da Pandemia representou uma derrota aos senadores de oposição, enquanto a ida do empresário Luciano Hang ao colegiado foi um erro. Essa é a avaliação dos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP) e Humberto Costa (PT-PE) no livro “A política contra o vírus: bastidores da CPI da Covid”, que será lançado nesta terça-feira (6) em São Paulo.
O livro traz bastidores e reflexões sobre a Comissão Parlamentar de Inquérito criada no Senado para apurar possíveis crimes e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia de Covid-19, além de fiscalizar recursos da União repassados a estados e municípios. O colegiado, que funcionou entre abril e novembro do ano passado, se focou nas ações do presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), autoridades do Executivo e de aliados.
Em um dos trechos do livro, os senadores afirmam que “houve depoimentos difíceis”, como os do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, e do líder do governo na Câmara dos Deputados, Ricardo Barros (PP-PR). “Outros, como o do empresário Luciano Hang, sempre achamos que não deveriam sequer ter acontecido”, acrescentam.
“Graças a seu atrevimento e seu talento retórico, Ricardo Barros produziu tamanho tumulto na CPI que, ao final, consideramos a sua participação uma derrota para nós”, declaram.
No depoimento à CPI, em 12 de agosto de 2021, Barros confrontou suspeitas da comissão, bateu boca com senadores e negou o cometimento de crimes. Ele disse ainda que a comissão estaria afastando empresas interessadas em vencer vacinas contra a Covid-19 ao Brasil.
“O auge da nossa revolta foi ter ouvido do depoente que nosso trabalho estaria afastando laboratórios interessados em negociar vacinas com o Brasil (leia-se Bharat Biotech/Covaxin) e gerando insegurança jurídica para potenciais investidores. A acusação soou ainda mais grave porque os esforços da CPI sempre se concentraram em denunciar e eliminar as dificuldades criadas pelo governo para adquirir vacinas dos grandes laboratórios internacionais. Foi o bastante para que aquele espetáculo grotesco fosse encerrado sob protestos de toda a mesa [diretora da comissão]”, defendem Randolfe Rodrigues e Humberto Costa.
Para os senadores, “foi no grito e na trapaça, mas foi uma vitória da narrativa governista de que ele tinha colocado a CPI nas cordas do ringue”.
“Ator de ópera-bufa”
Quanto ao depoimento de Luciano Hang, os políticos dizem que a ideia partiu de Renan Calheiros (MDB-AL), com apoio do presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). Antes da ida de Hang à comissão, Calheiros acreditava que a atuação de Hang, “se desnudada pela CPI, poderia apontar uma ligação direta do empresário com a Presidência da República e sua participação ativa na sabotagem ao combate à pandemia no âmbito privado”, alegam.
Randolfe e Humberto, porém, afirmam que resistiram o quanto puderam, por acreditar que Hang –chamado de “ator de ópera-bufa”– poderia criar “enorme tumulto e novamente armar os fanáticos de argumentos contra a comissão”. Contudo, teriam sido voto vencido.
“Outros senadores ansiavam por fazer o oposto: contestá-lo por suas bizarras posições e responder aos frequentes ataques que fazia à CPI, à ciência e às medidas de prevenção contra o coronavírus. O senador Otto Alencar [PSD-BA] chegou a dizer, numa das bacalhoadas, que iria providenciar uma gaiola do tamanho de Hang a fim de prendê-lo com aquela fantasia verde e amarela que o fazia lembrar um imenso papagaio. Aziz, influenciado por Renan, alegava que não havia o que temer, que ele próprio seria duríssimo e que o empresário não teria como ‘crescer’ para cima do senador”, diz trecho do livro.
O depoimento de Hang aconteceu em 29 de setembro de 2021. A presença dele na comissão foi tumultuada, recheada de brigas e críticas. Assim como com Ricardo Barros, o depoimento chegou a ser suspenso. O empresário buscou driblar perguntas feitas por senadores sobre supostas irregularidades e o presidente Jair Bolsonaro.
“Ao contrário do que esperavam e prometiam, os senadores Renan Calheiros e Otto Alencar não conseguiram se contrapor ao depoente, muito menos extrair dele declarações que nos fossem úteis”, admitem os senadores oposicionistas.
“Assim como nos depoimentos de Pazuello e de Ricardo Barros, as redes bolsonaristas deram vazão, nos dias seguintes ao depoimento, a dezenas de recortes da fala do empresário, retiradas de seu contexto original e que serviram de bucha para os canhões de Bolsonaro nas redes sociais”, apontam.
Ainda assim, os autores defendem que “esses momentos menos brilhantes da trajetória da CPI, no entanto, não tiraram a força com que nosso conjunto de investigadores expôs o retrato de um governo filiado à morte”.
Tanto Randolfe quanto Humberto ajudaram o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na campanha deste ano.
Mais divergências e questionamentos
O livro traz relatos de divergências também em outros pontos, como não convocar o ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, Walter Braga Netto, e o que deveria ou não entrar no relatório final.
Por exemplo, parte dos membros da CPI defendia que, por conta da grande quantidade de material recebido, o relatório final deveria dizer que a comissão havia recebido informações sobre várias operadoras de planos de saúde que teriam utilizado o chamado tratamento precoce contra a covid-19 e só o teriam abandonado após o início do colegiado. Contudo, “o consenso foi o de se relatar apenas o caso Prevent Senior”.
Na avaliação dos autores, a construção do relatório final da CPI “representou uma vitória da política sobre o vírus”. “Isso porque, apesar de posições muito díspares sobre o que deveria constar do documento final, prevaleceu a unidade para aprovar um documento contundente, que expressasse grande parte dos abusos e omissões cometidos pelo governo durante a pandemia”.
Ao tratarem da ajuda recebida para a análise de toda a documentação recebida pela comissão, os senadores exaltam perfis anônimos e internautas individuais. Também consideram que, sem a rede de colaboração, “é provável que a CPI tivesse mantido por menos tempo o engajamento público, à medida que a cobertura ia dando espaço a outros acontecimentos no noticiário tradicional da grande mídia”.
Ao longo do livro, os senadores ainda afirmam que, inicialmente, o nome de Omar Aziz para comandar a CPI “estava longe de ser uma unanimidade” e que a bancada do PT no Senado teve dúvidas e receios sobre a comissão.
“Teríamos condições de obter o número mínimo de assinaturas em um Senado fortemente bolsonarista? Quais os efeitos políticos de um insucesso nessa tarefa? Conseguiríamos obter uma presença oposicionista importante na CPI que pudesse produzir resultados consistentes? O governo Bolsonaro não conseguiria inverter o jogo e usar uma eventual maioria na comissão para perseguir governos estaduais e prefeituras que tivessem adotado condutas opostas às dele no enfrentamento da pandemia?”, foram alguns dos questionamentos, relatam.
Pós-CPI
Randolfe e Humberto tratam ainda do período após a CPI. Por exemplo, a entrega do relatório final a autoridades para a continuidade de investigações e apresentação de eventuais pedidos de responsabilizações criminais. O relatório final recomenda 80 indiciamentos, sendo 78 pessoas e duas empresas.
No livro não faltam críticas ao procurador-geral da República, Augusto Aras. Na época, ele disse que se poderia “avançar na apuração em relação a autoridades com prerrogativa do foro nos tribunais superiores”, segundo a assessoria da PGR (Procuradoria-Geral da República) pelo Twitter.
“Tínhamos uma avaliação de que, talvez, isso fosse possível, dependendo do andamento da indicação de André Mendonça ao cargo de ministro do STF, vaga também cobiçada por Aras. Ocorre que, mesmo com a vitória de André Mendonça, Aras se manteve fiel a Bolsonaro, que o conduziu por duas vezes ao cargo e fez o que foi possível para atrapalhar o curso das investigações”, avaliam os autores.
Quando da entrega do relatório final ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, este teria avaliado que a CPI “havia obrigado os bolsonaristas e o próprio presidente a direcionarem seus ataques à comissão, reduzindo sensivelmente, ainda que por pouco tempo, o cerco e a pressão impostos à Suprema Corte”, em especial após o 7 de Setembro de 2021, escrevem.