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    O que é lawfare? Entenda o uso estratégico do sistema judicial

    Entenda o significado do termo “lawfare”, exemplos praticados no Brasil e quais os impactos do uso estratégico do sistema jurídico na política e na mídia.

    Murillo Ferrari, da CNN, em São Paulo

    Introduzida com a combinação das palavras “law” (direito) e “warfare” (guerra) na década de 1970, a expressão “lawfare” ganhou sua dimensão militar em 2001 com o general Charles Dunlap Jr., da Força Aérea dos EUA.

    A prática foi definida como “a estratégia de utilizar ou mal utilizar a lei em substituição aos meios militares tradicionais para se alcançar um objetivo operacional”.

    Para além das trincheiras, a expressão também define o uso do sistema jurídico como parte de uma estratégia contra adversários — ou seja, o uso das leis como uma arma política.

    Entenda melhor sobre como funciona o uso estratégico do lawfare no sistema judicial e seus impactos na política nacional e internacional.

    O que é lawfare?

    O que é lawfare?
    / O que é lawfare?

    O termo “lawfare” diz respeito ao uso ou manipulação das leis e procedimentos legais como instrumento de combate e intimidação a um oponente, desrespeitando os procedimentos legais e dos direitos do indivíduo que se pretende eliminar.

    Em termos simples, o lawfare pode ser entendido como o uso da legislação com arma para alcançar um fim político-social, um tipo assédio judicial que tem como objetivo calar o adversário ou minar a sua credibilidade perante à sociedade.

    Essa prática é planejada de forma que aparente acontecer dentro da legalidade e, muitas vezes, essa aparência é criada com o auxílio da imprensa.

    Por esse motivo, o termo é utilizado, na maior parte das vezes, com uma conotação negativa, pois passa a ideia de um uso abusivo e ilegítimo da lei para prejudicar um determinado adversário.

    Táticas de lawfare e objetivos

    Confira a seguir algumas das principais táticas de lawfare utilizadas:

    • Fazer acusações sem materialidade (provas);
    • Abusar do sistema legal para prejudicar a reputação dos adversários;
    • Promover ações judiciais para desacreditar os oponentes;
    • Tentar influenciar a opinião pública para obter publicidade negativa para o inimigo;
    • Judicializar a política, ou seja, utilizar a lei e a sua aplicação como instrumento para conectar meios e fins políticos;
    • Promover a desilusão popular;
    • Utilizar o direito como forma de constranger adversários;
    • Bloquear e retaliar as tentativas dos adversários de utilizarem procedimentos e normas legais disponíveis para defesa dos seus direitos.

    Ou seja, uma vez que um oponente é escolhido, a legislação e os procedimentos legais passam a ser utilizados pelos agentes como uma forma de perseguir essas pessoas.

    Origem do termo “lawfare”

    O uso da legislação como instrumento de guerra já é um tópico observado por pesquisadores acadêmicos da Universidade de Sydney desde a década de 1970.

    No entanto, o uso do termo só veio a se fortalecer no ano 2001, cunhado pelo Coronel das Forças Armadas dos Estados Unidos, Charles Dunlap Jr., em um artigo acadêmico que analisa as formas modernas de conflitos.

    Para Dunlap, o termo lawfare podia ser definido como ““o uso da lei como uma ferramenta de guerra”.

    A prática do lawfare hoje

    A prática do lawfare atualmente
    / A prática do lawfare atualmente

    Antigamente, o termo “lawfare” era utilizado para se referir à instrumentalização do direito como arma complementar às armas bélicas das guerras e embates físicos tradicionais.

    Hoje, diante da diminuição da incidência de batalhas físicas, o termo ganhou novos significados, sendo atualmente atrelado ao uso da lei como substituto das armas bélicas e da própria guerra militar.

    Nessa nova estratégia, os instrumentos legais e judiciais tomaram o lugar das espadas, rifles e canhões.

    Dessa forma, a prática se caracteriza pelo emprego de manobras jurídico-legais para substituir o uso da força armada, configurando uma guerra jurídica com objetivo de política externa, segurança nacional ou com a simples finalidade de causar danos ao adversário político.

    Segundo o próprio Dunlap, as normas jurídicas acabam agindo de maneira muito similar à armas, sendo que elas podem ser usadas de acordo com as diretrizes de um determinado Estado e seus interesses.

    Sendo assim, a depender de quem organiza e utiliza a legislação e seus instrumentos, direitos podem ser assegurados ou reprimidos, estratégias políticas e sociais podem ser legitimadas ou condenadas e determinados indivíduos ou grupos podem ser perseguidos ou absolvidos.

    Em termos mais amplos, as sociedades da atualidade substituíram os campos físicos de batalha pela aplicação das leis, fazendo com que a política se tornasse uma continuidade da guerra.

    O lawfare, portanto, atua nas mesmas dimensões das guerras tradicionais, sendo que questões geográficas, armamentistas e de influência no meio externo permanecem sendo importantes para que a prática continue ocorrendo diariamente.

    O professor estadunidense Orde Kittrie, especialista em direito internacional e direito penal, estabelece três dimensões do lawfare em sua obra “‘Lawfare’: Law as a Weapon of War” (“‘Lawfare’: A Lei como Arma de Guerra”, de 2016. Confira:

    • A escolha da jurisdição: diz respeito à escolha estratégica do local em que a guerra jurídica será travada, ou seja, qual corte, em qual estado etc.;
    • A escolha de legislação: diz respeito à escolha estratégica de quais leis serão escolhidas para serem instrumentalizadas com o objetivo alvejar e aniquilar o inimigo;
    • As externalidades: diz respeito ao uso da imprensa, da mídia e das redes sociais para criar uma guerra de informações e operações planejadas de guerra psicológica.

    Em conflitos tradicionais, os acampamentos e campos de batalhas são escolhidos conforma as vantagens e desvantagens geográficas, ou seja, fatores como cartografia, paisagem, clima e outros.

    No lawfare, essa mesma lógica é aplicada, mas para que se escolham juízes e tribunais mais predispostos a aceitar uma determinada tese jurídica que prejudique o adversário.

    Nas guerras tradicionais, o armamento mais eficaz para enfrentar o inimigo é essencial para a vitória e ele varia de acordo com as condições. Se a batalha vai acontecer em um cenário urbano, por exemplo, então o uso de canhões muito destrutivos pode não ser recomendado, só para citar um exemplo.

    Dentro do lawfare, o “armamento” é representado pela escolha das leis que melhor podem fazer o papel de atingir o alvo com sucesso, manchando a sua reputação.

    Por fim, o ambiente de aceitação ou compreensão da necessidade de uma guerra cria parâmetros justificáveis para se guerrear.

    Em outras palavras, nenhuma guerra acontece sem apoio de parte da sociedade, que é conseguida por meio do apoio de setores da imprensa e de técnicas de propaganda na internet.

    O mesmo acontece com o lawfare, que se utiliza de estratégias midiáticas e psicológicas contra o inimigo.

    Por esse motivo, influenciar o meio externo, ou seja, a opinião pública, é tão importante para a prática do lawfare quanto a escolha de uma jurisdição favorável à tese que visa manchar o inimigo.

    Afinal, a imprensa representa um meio de comunicação potente para a criação de um ambiente de aceitação e legitimação da perseguição jurídica de determinado indivíduo ou grupo de indivíduos.

    O uso do lawfare na política brasileira e no mundo

    Defesa do presidente eleito Lula diz que a repetição de acusações contra ele na força-tarefa da Operação Lava Jato é uma tática de lawfare - Foto: Fernando Frazão – 13.jun.2016/ Agência Brasil
    Rio de Janeiro – Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva participa do lançamento da campanha Se é público é para todos, organizada pelo Comitê Nacional em Defesa das Empresas Públicas (Fernando Frazão/Agência Brasil) / Defesa do presidente eleito Lula diz que a repetição de acusações contra ele na força-tarefa da Operação Lava Jato é uma tática de lawfare – Foto: Fernando Frazão – 13.jun.2016/ Agência Brasil

    No Brasil, a expressão “lawfare” foi bastante popularizada pela defesa do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao rebater as denúncias dos procuradores do Ministério Público Federal que atuam na operação Lava Jato.

    Em setembro de 2020, o petista foi denunciado pela Lava Jato no Paraná por lavagem de dinheiro. O advogado Cristiano Zanin Martins afirmou que a repetição de acusações da Lava Jato é uma forma de pressão contra o réu.

    “O excesso de acusações frívolas (overcharging) e a repetição de acusações são táticas de lawfare, com o objetivo de reter o inimigo em uma rede de imputações, objetivando retirar o seu tempo e macular sua reputação”, disse o defensor.

    Na mira do Departamento de Estado dos EUA, Julian Assange e Edward Snowden enfrentam uma série de procedimentos judiciais desde a divulgação de uma grande quantidade de documentos confidenciais do governo americano — e são apontados como exemplos de alvos de lawfare.

    “O lawfare não é apenas o manejo de processos criminais para alcançar objetivos políticos. Existem outras ações jurídicas que também podem ser instrumentalizadas. Mas os processos criminais são os meios mais contundentes de lawfare”, explica o professor de Processo Penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Antonio Eduardo Ramires Santoro, autor do livro Lawfare Brasileiro.

    “Lawfare se baseia mais em conceitos sociológicos do que jurídicos. É uma constatação de como às vezes o direito ou o sistema jurídico pode ser usado como uma estratégia política”, explica a advogada Thaís Aroca Datcho, mestre em Processo Penal pela Universidade de São Paulo (USP) e especialista na área de Direito Penal.

    “Se você fala que a pessoa está sendo processada, isso tem um estigma, um peso, pelo fato de estar no banco dos réus. Uma vez que há um processo instaurado a vida da pessoa é atingida de maneira muito drástica, ela tem restrições patrimoniais de cara e, se for uma pessoa pública, tem que suportar o enfraquecimento da figura dela”, explica.

    “Apesar de o processo demorar um tempo para se desenvolver, o estrago já está feito, principalmente nas etapas mais iniciais, em que são impostas medidas cautelares de ampla repercussão midiática, como é o caso de prisão, condução coercitiva, buscas e apreensões, muito comuns quando da deflagração de operações policiais”, complementa.

    Datcho ressalta, porém, que esse uso do sistema jurídico não se faz necessariamente de forma ilegítima. Muitas vezes, por exemplo, são usados recursos legais, mesmo sabendo que não haverá consequências punitivas.

    No caso específico do presidente eleito Lula, ela diz concordar com a defesa do petista em relação ao uso do lawfare contra ele. “Independentemente dele ser culpado ou inocente, a existência deste processo foi explorada de maneira política. Isso é o claro e flagrante para quem olha de maneira honesta do ponto de vista jurídico”, diz.

    Entretanto, ela também pondera que a defesa do ex-presidente também soube colher alguns frutos ao explorar politicamente o processo, quando, ao abrir uma série de procedimentos para tentar demonstrar a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro na condução dos processos da Lava Jato, conseguiu colocar sob suspeição a conduta dos agentes públicos envolvidos, reforçando a ideia de que o ex-presidente teria sido vítima de uma perseguição política.

    Qual é a relação entre lawfare e a mídia?

    Qual é a relação entre lawfare e a mídia?
    / Qual é a relação entre lawfare e a mídia?

    Especialistas ouvidos pela reportagem apontam que a imprensa tem papel fundamental na aplicação do lawfare, especialmente como instrumento que para afetar a imagem de determinada pessoa.

    “E a imprensa tem importância absoluta. Se trabalho com a ideia de imagem, se não tiver divulgação daquela ação penal, uma cobertura sobre o que a pessoa é acusada, isso não alcança sua finalidade”, explica Santoro.

    Para ele, o primeiro passo para evitar ou minimizar os efeitos do lawfare é garantir que os processos transcorram “totalmente dentro da legalidade”.

    Na mesma linha, Datcho diz que devem ser defendidas as garantias aos direitos fundamentais. “Uma medida importante é fortalecer as garantias processuais – importante tanto para o jogo processual quanto para as instituições democráticas.”

    Ambos concordam que o ambiente político polarizado pode favorecer o lawfare. “Com a análise de que seu oponente ou adversário sempre pratica crime, há uma superutilização do sistema penal”, conclui Santoro.

    Acompanhe as notícias políticas de hoje na CNN!

    Resumo

    • O termo lawfare surgiu da combinação das palavras “law” (direito) e “warfare” (guerra) na década de 1970.
    • A expressão “lawfare” ganhou sua dimensão militar em 2001 com o general Charles Dunlap Jr., da Força Aérea dos EUA, que definia a prática como uma “estratégia de utilizar ou mal utilizar a lei em substituição aos meios militares tradicionais para se alcançar um objetivo operacional”.
    • Antigamente, o termo era usado para se referir à instrumentalização do direito como arma complementar às armas bélicas.
    • Atualmente, o lawfare é visto como uma prática que faz o uso da lei como substituto das armas bélicas e da própria guerra militar.
    • Há vários exemplos do lawfare utilizado para influenciar na política nacional e internacional, como o caso de Julian Assange e Edward Snowden, que permaneceram na mira do Departamento de Estado dos EUA em uma série de procedimentos judiciais desde a divulgação de uma grande quantidade de documentos confidenciais do governo americano — e são apontados como exemplos de alvos de lawfare.
    • No Brasil, o lawfare ganhou ainda mais notoriedade por conta do uso do termo pela defesa do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em frente às denúncias dos procuradores do Ministério Público Federal que atuaram na operação Lava Jato.
    • Em resumo, são também táticas de lawfare: fazer acusações sem provas, utilizar o sistema legal para prejudicar a reputação de adversários, promover ações judiciais para prejudicar oponentes, tentativa de influenciar a opinião pública por meio de publicidade negativa, judicializar a política, entre outros.

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