Empresas de deputados estão ligadas a R$ 2,26 bilhões em dívidas da União
Uma “bancada de devedores”, formada por 275 dos deputados que tomaram posse entre 2015 e 2020, tem mais de R$ 2 bilhões em pendências com o governo federal. Esse total representa quase um quarto dos políticos que chegaram a ocupar cadeiras na Câmara nesse período. Os parlamentares, ex-deputados, ou seus suplentes em exercício são sócios, presidentes, administradores, diretores, acionistas ou fundadores de 438 empresas. Juntas, elas devem à União R$ 2.258.393.765,32 em dívidas abertas, segundo a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Isso não significa, necessariamente, que eles sejam os responsáveis diretos por pagar esses débitos. Esse grupo representa 24% da Câmara da legislatura atual e da anterior juntas e participa das votações sobre como parte desse valor será financiado. O levantamento foi obtido pela CNN via Lei de Acesso à Informação, com base no CPF dos parlamentares e faz um raio-X da situação dos deputados endividados. Apenas cinco parlamentares respondem por 69% desse montante.
Além disso, a dívida de 141 deputados ligados a 192 dessas empresas é financiada em condições especiais, o chamado benefício fiscal. O montante atual é de R$ 380 milhões em débitos parcelados em programas especiais, como é o caso do REFIS. Porém, quem desenha e vota os subsídios fiscais de financiamento especial da dívida aberta com a União é a própria Câmara dos Deputados, através de projetos de lei ou de medidas provisórias enviadas pelo governo.
Uma a cada oito cadeiras foi ocupada por um deputado que está na composição societária dessas empresas. Ou seja, esse grupo menor de parlamentares forma uma “bancada de devedores subsidiados”, que representa 12% da Câmara, considerando a legislatura atual e a anterior, e, dentro da lei, é beneficiada diretamente por financiamentos facilitados aprovados por si mesma.
Empresariado tem representação no Congresso
Segundo o diretor do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Marchezan Taveira, o Poder Legislativo é plural e abriga representantes de interesses de diferentes segmentos da sociedade e, naturalmente, o empresariado, por seu poder econômico, acaba ocupando um espaço privilegiado nessa composição representativa.
“No entanto, é fundamental que o interesse público seja colocado acima de interesses particulares. O regimento interno da Câmara, por exemplo, prevê que, nos assuntos em que um parlamentar tenha interesse individual, ele deverá comunicar o fato à Mesa Diretora e declarar-se impedido de votar. Mas na prática, o dispositivo quase nunca é acionado.”, explica Marchezan.
Para o advogado especialista em Direito Tributário, Fernando Zilveti, existe, de fato, uma bancada de devedores entendida como um “grupo de pressão”, que é um conceito jurídico que representa os interesses de quem é devedor de tributos. “Desde que não seja sonegação, não seja crime, é algo legítimo. Porém, esse grupo não pode incentivar sonegação de impostos, porque alguns gozam de benefícios fiscais e sonegam impostos. Deveria ser uma contrapartida: se eu gozo de benefícios fiscais, eu não posso sonegar.”, diz.
Outro especialista na área, o advogado Alcides Magalhães, ressalta que simples fato de terem figurado como sócios ou acionistas não caracteriza, necessariamente, um conflito de interesses. “Apesar do valor inicialmente chamar bastante atenção é prudente destacar que nem sempre esses parlamentares serão pessoalmente responsáveis por estas dívidas. Há que se ressaltar um outro fenômeno que é causado pela e complexidade da legislação tributária brasileira, existe um fenômeno de super litigiosidade que acaba não não permitindo aferir os números realmente devidos por estes contribuintes, pois grande parte desses valores se encontra em discussão”, explica.
Somente entre 2000 e 2017 a Câmara aprovou quase 40 programas de redução nos valores das multas e dos juros, amortização dos encargos legais cobrados e prolongamento do prazo para parcelamento. É o que mostra o relatório Estudo sobre Impactos dos Parcelamentos Especiais feito pela Receita Federal, que avalia todo o universo da dívida aberta da União em dezembro daquele ano.Ainda segundo o relatório, metade dos contribuintes que aderem aos programas refinanciamento especial voltam a ficar inadimplentes para o Fisco.
Os parlamentares do levantamento também acumulam R$ 438 milhões em dívidas com a Previdência Social, e R$ 13,5 milhões com o FGTS. Já pela ótica da situação da dívida, metade do valor total dela, ou seja, R$1,17 bilhões, estão em cobrança, ou seja, a Procuradoria da Fazenda busca patrimônio das empresas devedoras que possam quitar o valor devido ao governo.
Andres Sanchez, Marinaldo de Albuquerque, Elcione Barbalho, Jacob Kaefer e Roberto Balesta são cinco deputados, que, juntos, respondem por R$ 1.569.269.039,04 devidos à Receita Federal, valor que corresponde à 69% de toda a dívida de parlamentares e ex-parlamentares que ocuparam cadeira no Congresso federal entre 2015 e 2020 com a União.
Dívidas estão concentradas em seis categorias
Os R$ 2,26 bilhões devidos à União por deputados estão organizados em mais de 40 categorias. No entanto, 92% desse total está concentrado em apenas seis categorias de dívidas, perfazendo um valor total de R$ 2.084.734.233,35. As dívidas de empresas administradas por deputados ou ex-deputados em cada uma dessas seis categorias, supera a cifra de R$ 100 milhões.
Dívidas relativas ao Imposto de Renda de Pessoas Jurídicas (IRPJ), somam quase R$ 600 milhões, correspondendo a 26% de toda a dívida de deputados e ex-deputados com a união. Com dívida de R$ 375 milhões, Andrés Sanchez, é o maior devedor nessa categoria, seguido por Marinaldo Albuquerque (R$ 86 milhões) e Giuseppe Vecci (42 milhões). Das empresas ligadas a Sanchez, a Orion Embalagens soma os outros R$ 7 milhões. Clube presidido pelo ex-deputado, o Corinthians é responsável por uma dívida de R$ 368 milhões. A agremiação social, no entanto, não é uma empresa, e sim uma associação privada sem fim lucrativo.
O segundo maior tipo de pendência junto à União diz respeito a dívidas à Previdência, com valor total de R$ 426 milhões. Nessa categoria, o parlamentar com maior dívida é Marinaldo Albuquerque. Das empresas do deputado, somente a P R Distribuição de Bebidas soma dívidas de R$ 128,5 milhões à previdência, correspondendo a 90% das pendências de Marinaldo. Jacob Kaefer, proprietário de oito empresas com dívidas na união, acumula R$ 79,9 milhões de dívidas previdenciárias. Alcides Filho e Elcione Barbalho, devem cada um, mais de R$ 40 milhões à previdência.
A Fundação Presidente Antônio Carlos, administrada pelos deputados Bonifácio de Andrada e Lafayette de Andrada, é a maior devedora do COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) entre as empresas administradas ou pertencentes à deputados. A dívida da fundação é de R$ 104,9 milhões. Com os R$ 83 milhões devidos pelo Corinthians e mais R$ 8 milhões da Orion, Andrés Sanchez é o segundo no ranking de devedores do tributo, que serve para custear investimentos em saúde, previdência e programas de assistência social. Entre aqueles que ocuparam vaga no Congresso entre 2015 e 2020, Marinaldo Albuquerque é o terceiro maior devedor do COFINS, com dívida de R$ 46 milhões.
Com os R$ 220,9 milhões da dívida do Corinthians com a Receita Federal, Andrés Sanchez ocupa também o posto de maior devedor do IRRF/PJ, que é o imposto retido na fonte de transações entre pessoas jurídicas. Newton Cardoso Júnior e José Wilson Santiago, proprietários, respectivamente, das empresas Companhia Siderúrgica Pitangui e da Construina Construções, devem ambos, mais de R$ 40 milhões à Receita Federal em valores relativos ao IRRF/PJ.
O Corinthians, de Andrés Sanchez, é também o maior devedor do CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), com dívida de R$ 111 milhões. Andrés ainda deve outros R$ 4 milhões na somatória das outras empresas das quais é sócio ou administrador. O segundo maior devedor nesta categoria, é Marinaldo Albuquerque, com pendências de R$ 30 milhões, valor que representa o dobro das dívidas de Giuseppe Vecci, o terceiro da lista.
A última das seis categorias, cujo valor somado das dívidas de deputados supera a cifra de 100 milhões, é referente à dívidas ao Crédito Rural. A somatória total das pendências de deputados e ex-deputados nesta categoria, chega a R$ 117 milhões. Apesar do alto valor, apenas quatro deputados ou ex-deputados possuem dívidas nessa categoria e Roberto Egidio Balestra, sozinho, deve R$ 109 milhões, referente a dívidas da empresa Centroalcool SA. O segundo maior devedor de créditos rurais, é João Carlos Bacelar, que possui R$ 7,8 milhões em dívidas à União. Os outros dois parlamentares dessa lista, Júlio César de Carvalho Lima e Carlos do Carmo devem, juntos, R$ 378 mil.
Outro lado
Todos os parlamentares e ex-parlamentares citados nesta reportagem foram procurados, mas apenas a equipe de Andrés Sanchez respondeu. Em nota, esclarece que o ex-deputado federal não reconhece as dívidas tributárias a ele imputadas.
“Primeiramente, não se pode confundir a pessoa da empresa dotada de personalidade jurídica e com limitação da responsabilidade civil com a figura de seus sócios. Contudo, faz-se relevante esclarecer que, quando do fato gerador que deu origem aos débitos fiscais imputados às referidas empresas, o ex-deputado Andrés já não mais fazia parte do quadro societário das mesmas (sendo estas as empresas Quiron Distribuidora de Embalagens Ltda e Vianna Embalagens Ltda, anteriormente denominada Sol Embalagens Flexíveis). O ex-deputado Andrés Sanchez permaneceu no quadro societário da empresa Quiron no período compreendido entre 01/08/1999 e 08/05/2001. No tocante à empresa Vianna, o ex-deputado Andrés Sanchez permaneceu no quadro societário da empresa Vianna no período compreendido entre 01/12/1993 e 01/07/1999. Destaca-se ainda, que, em relação a ambas empresas, Quiron e Vianna, o ex-deputado Andrés Sanchez, quando lá esteve como sócio, não exerceu qualquer cargo de administrador financeiro ou gestor administrativo das empresas. Por fim, o ex-deputado Andrés Sanchez reitera sua confiança e fé na justiça, acreditando que referidos fatos serão esclarecidos e eventuais responsáveis serão responsabilizados, caso necessário, na forma da lei.”, explica o advogado de Sanchez, João de Oliveira.
Em nota, o deputado federal e mantenedor da UniCambury, Giuseppe Vecci, disse que “o Centro Tecnológico Cambury está ciente de sua dívida com a Receita Federal/PGFN e estamos em início de processo de negociação. O valor maior da nossa dívida (mais de 70%) se refere a uma multa que será contestada na justiça quando formos citados. Queremos aproveitar as propostas aprovadas pelo Congresso Nacional para esta crise da Pandemia, feitas pelo governo para as empresas em geral, e em especial, as de ensino, que passam por muita dificuldade, com índice de inadimplência altíssimo e com aumento substancial de trancamento de matrícula.”
“O governo estabeleceu três propostas de caminhos para renegociação de dívidas. Uma das possibilidades é a Transação Excepcional, que ficou disponível para a adesão a partir do dia 1º de julho desse ano. Somente agora, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Receita Federal disponibilizaram o sistema para simularmos as condições especiais para as instituições de ensino, com prazo para proposta até o dia 29 de dezembro de 2020. Outra possibilidade é a Negócio Jurídico Processual (NJP), em que o devedor negocia diretamente sobre os débitos inscritos na dívida ativa da União”, disse Vecci.
Ainda segundo Vecci, “a Cambury está pagando em dia seus débitos mensais e trabalhando para renegociar as suas dívidas antigas. Queremos renegociar a dívida por meio da Transação Excepcional e contestar a multa na justiça. Esperamos resolver todas as pendências financeiras com a Receita Federal e PGFN até o fim do ano. Apesar da crise que está derretendo as faculdades no Brasil, o Centro Tecnológico Cambury espera resolver esta situação e continuar trabalhando para gerar conhecimento e desenvolvimento em Goiás.”