Dívidas de Kalil com a prefeitura foram perdoadas por procurador indicado por ele a cargo de confiança
Falta de interesse processual na cobrança de IPTU aconteceu quase sete anos após fase inicial de execução fiscal
O ex-prefeito de Belo Horizonte e candidato ao governo do Estado de Minas Gerais, Alexandre Kalil (PSD) teve dívida de IPTU perdoada por procurador da fazenda pública que ele mesmo indicou para cargo de confiança na Empresa de Transporte e Trânsito de Belo Horizonte (BHTrans).
O procurador Luiz Gustavo Levate acumulou o cargo de conselheiro administrativo na pasta de transportes entre fevereiro de 2020 e abril de 2021. No mesmo período, ele ficou responsável por ao menos dois processos de cobranças de dívidas de anos diferentes sobre um mesmo terreno na região da Pampulha, na capital mineira.
A desistência na cobrança de uma dessas dívidas, de aproximadamente R$ 30 mil – em valores atualizados -, aconteceu em março deste ano, quando Levate já havia deixado o cargo na BHTrans.
Na época, ele se manifestou nas documentações, às quais a CNN teve acesso, dizendo que “não havia interesse processual no prosseguimento da execução” da dívida.
Anteriormente, a execução fiscal já havia sido suspensa com base em um Processo Tributário Administrativo (PTA), que jamais foi anexado aos autos.
Em um documento que faz referência ao PTA, o procurador descreve que a desistência da execução fiscal aconteceu devido à falta de localização geográfica do imóvel. A mesma área não localizada pela fazenda havia sido indicada por Kalil como garantia de pagamento da dívida. À época, o bem havia sido avaliado em R$ 3 milhões.
Durante o processo que terminou sem a cobrança, parlamentares questionaram o trâmite das ações de execução fiscal. “A fragmentação das cobranças de um mesmo imóvel em dois processos distintos trouxe dúvidas e possibilitou manobras processuais pelo executado.”, diz ofício emitido pela vereadora Fernanda Altoé (NOVO).
A área na Pampulha tem dívidas de 2003 em uma execução e de 2004, 2005 e 2006. A primeira dívida, já perdoada pela prefeitura, ocorreu depois de uma suspensão do processo para verificar uma suposta desapropriação, seguida da não localização do imóvel.
O processo sobre a segunda dívida, conduzido pelo mesmo procurador e que tem valores que giram em torno de R$ 86 mil, continua. Nessa execução, o mesmo terreno da outra dívida foi localizado pela Secretaria Municipal de Política Urbana (SMPU) e pertence a Alexandre Kalil, segundo registro em cartório.
Penhora e mais um imóvel com dívidas
Kalil já disponibilizou duas motos para o pagamento dessa dívida, mas os veículos já estavam comprometidos em outras execuções fiscais das empresas dele. O procurador Luiz Gustavo Levate pediu, em 19 de setembro deste ano, que fossem penhorados valores em reais, uma vez que Kalil apresentou aplicações financeiras e depósitos bancários na declaração ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Levate também atua em uma terceira execução de dívidas de mais de R$ 30 mil em IPTU de Kalil sobre um imóvel no bairro Santa Tereza. Essa execução, de falta de pagamentos que cessaram em 2001, também teve início em 2015 e ficou parada por três anos, entre 2019 e 2022, pois o procurador enviou uma intimação para um endereço e o documento jamais retornou – nessa época, Kalil era prefeito de Belo Horizonte.
Uma nova intimação endereçada à casa de Kalil foi feita no último dia 12 de setembro após cobranças de parlamentares. Além das três execuções citadas, a Fazenda Pública de Belo Horizonte concentra outros dois processos de execução sobre tributos não pagos pelo candidato.
Outras dívidas
As duas principais empresas de Kalil, Erkal Engenharia e Fergikal LTDA têm execuções fiscais relacionadas a dívidas tributárias e trabalhistas de mais de R$ 45 milhões.
Além disso, as empresas são alvos de duas ações civis, que somadas ultrapassam R$ 5 milhões.
Em uma das execuções, Alexandre Kalil colocou os mesmos veículos que disponibilizou para penhora no caso das dívidas dos imóveis. Em outra execução, uma fazenda que está em nome das empresas foi colocada para leilão, marcado para o próximo dia 10 de outubro.
A Fazenda das Goiabeiras tem 203 hectares e está localizada na zona rural de Capim Branco, a cerca de 55 quilômetros de Belo Horizonte. Uma avaliação feita neste ano estipulou o valor do imóvel em R$ 19,8 milhões.
O leilão estipula um lance mínimo de R$ 11,9 milhões. Esse valor só será aceito em uma segunda disputa, previamente agendada para 11 de novembro, que acontecerá somente caso o imóvel não seja arrematado na primeira data.
A iniciativa para leiloar o bem da empresa com o intuito de quitar dívidas trabalhistas de cerca de R$ 16 milhões é um pedido de advogados das empresas de Kalil.
Respostas
Por nota, via assessoria de imprensa, Kalil informou que entrou com representação contra o procurador e que não é de atribuição do prefeito a indicação. Questionado sobre um documento assinado por ele mesmo, com uma lista de nomes indicados, a assessoria informou que trata-se de “uma formalidade”.
Sobre o imóvel que teve dívidas perdoadas em uma ação e que segue sendo executada na outra, Kalil enviou a seguinte nota: “O imóvel não é meu. É da minha família. Ele foi invadido pela Prefeitura de Belo Horizonte de forma irregular sem que os proprietários tenham recebido um tostão de indenização. Hoje, o referido imóvel é um elevado no meio da avenida.” – documentos mostram que ele é o herdeiro da área.
Kalil também negou que não foi localizado na terceira ação de execução fiscal e informou que “quanto à fazenda, está disponibilizada como manda a lei.”
Procurado, o Subprocurador Fiscal de Belo Horizonte, Luiz Gustavo Levate, encaminhou parte dos pedidos à prefeitura e informou que a “passagem pelo Conselho de Administração da BHTrans ter se dado entre fevereiro de 2020 a maio de 2021, não havendo qualquer relação com o momento de atuação os processos”.
A prefeitura de Belo Horizonte ainda não respondeu os questionamentos.