“Diálogos chocantes”, diz PF sobre mensagens encontradas em celular de governador do Acre
Material embasou a terceira fase da Operação Ptolomeu, deflagrada no início de março, em que foram cumpridos 85 mandados de busca e apreensão. Na ocasião, a PF chegou a pedir o afastamento de Gladson Cameli do cargo, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou
A Polícia Federal obteve conversas e trocas de mensagens que reforçam as suspeitas de que o governador do Acre, Gladson Cameli (PP), teria chefiado esquema de desvio de recursos públicos e de lavagem de dinheiro.
O material embasou a terceira fase da Operação Ptolomeu, deflagrada no início de março, em que foram cumpridos 85 mandados de busca e apreensão. Na ocasião, a PF chegou a pedir o afastamento do governador do cargo, mas o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou.
A CNN teve acesso ao processo, que permanece sob sigilo. Nos documentos há diversas conversas entre o governador, empresários e secretários. Em algumas, os investigadores concluem que Cameli dá a última palavra sobre os pagamentos de fornecedores pelo estado.
Em um dos trechos, a PF enfatiza que “há diálogos chocantes” em que Gladson se dispõe a ajudar o primo a ganhar obras públicas no Acre. A autoridade policial afirma que “percebe-se uma completa violação do trato com a coisa pública”.
Em nota à CNN, a defesa do governador disse ele Cameli “não cometeu qualquer ilegalidade. Também afirmou que a investigação “caminha sem conclusão há dois anos” e que o chefe do Executivo acreano já prestou os “devidos esclarecimentos”, colocou-se à disposição das autoridades e “assim permanece”.
O advogado que representa o primo Linker Cameli, Marco Antônio Palácio, disse que a defesa não irá se manifestar, pois o processo tramita em segredo de justiça.
Numa das conversas captadas pela PF, o governador se queixa com um primo, em virtude de uma suposta cobrança que recebeu da tia, porque uma empresa não estava conseguindo “ganhar obras”.
No áudio, transcrito pelos investigadores, o governador afirma: “Parece que eu não tô querendo te dar obra, é isso?”. Em outro áudio, na mesma conversa Gladson Cameli diz: “O que é que eu tenho que fazer? Me diz aí”.
Gladson (áudio): “‘Mamãe’ consegui 22 milhões pra pista de Porto Walter já, tá? Vou soltar a licitação.”
Linker: Que bom!
Linker: James me falou
Linker: 👏👏
Para a PF, a soma de conversas e áudios apontam que o governador “quer dar obras ao primo, bastando que ele lhe diga o que precisa ser feito”.
Alguns meses depois dessa conversa, segundo a investigação, o governador avisa pessoalmente ao primo que estaria abrindo a licitação envolvendo a rodovia AC-405. A Controladoria-Geral da União (CGU) apurou sobrepreço e superfaturamento superior a R$ 3,6 milhões na obra.
Outro áudio interceptado indica possível participação do governador em um esquema envolvendo um contrato da Secretaria de Saúde do Acre. De acordo com a investigação, neste caso, Cameli seria “o provável destinatário de vantagem indevida no valor de R$ 70 mil”.
As investigações apontam ainda que parte dos valores recebidos era usada para compra de carros de luxo, imóveis, aviões e gastos milionários no cartão de crédito.
“Por qual razão um governador de estado, que possui inúmeras atribuições e afazeres diários, preocupa-se com os valores pagos a uma contratada específica do Estado do Acre? Não é natural tal interesse, considerando a existência de centenas de contratos no âmbito estadual”, afirma a PF.
No relatório encaminhado à Justiça, a polícia diz que as condutas apuradas ocorrem desde 2019, quando Cameli assumiu o primeiro mandato de governador. Ele foi reeleito no ano passado.
Os investigadores ressaltam ainda a forte influência do político exerce no estado, sobretudo por ser de família tradicional do Acre. Na primeira fase da Operação Ptolomeu, em dezembro de 2021, o governador foi alvo de busca e apreensão autorizado pelo STJ.
Gladson: Momento angustiantes de ver a Colorado sem obra nenhuma. Contemple meu filho. lhe suplico
Gladson: Pq o Linker não corre a traz?
Gladson (áudio): “Linker, tua mãe me mandou aqui essa mensagem, ai eu pergunto aqui: ‘porque é que tu não corre atrás?’ Porque parece que eu não tô querendo te dar obra, é isso? Fica um negócio chato pra mim, Linker. Entendeu? Tu tem que dizer, tu tem que se movimentar, ou tu quer que eu vá aí atrás de ti. O que é que eu tenho que fazer? Me diz ai.”
Linker: Meu primo… minha mãe so ta preocupada. Pq tudo ta incerto. E não precisa você vir atras de mim nao. Nem mandar alguem. Eu sei que nao temobra por causa do momento.
Linker: Mensagem apagada pelo remetente.
Linker: So quero que voce entenda que a minha mae fica preocupada com o filho assim como a sua mae se preocupa com voce. E eu entendo a situacao das coisas hoje.
Linker: Voce sabe que eu nem lhe aperreio por nada. Pq sei que o momento das coisas é difícil.
Linker (áudio): “Pois é, Gladson. A obrigação de correr atrás de obra sempre foi de quem faz, não é de quem bota a obra pra fazer não. Se preocupe não que isso aí quando tiver, eu vou sair atrás de tentar ganhar pra fazer. Só quero que você entenda que a minha mãe, ela tem 72 anos, ela tá preocupada, entendeu? Da mesma maneira que a tua mãe se preocupa contigo. Tá, eu não tô com raiva de você, de maneira alguma. Eu vou esperar sair. Quando sair eu entro. Deu, deu. Não deu, paciência.
Linker: Não entendi o q tu disse no final
Linker: Tu desligou
Linker: To so esperando ele me avisar, q no mesmo dia eu saio daqui
Linker: Pode deixar q eu vou cobrando dele
Gladson (áudio): “Aquilo que eu te digo. Se não colocar pra cima, acompanhar as coisas, eu não tenho como tá acompanhando, entendeu. A realidade é essa. Aí eu não sei como é que é o teu negócio aí com os teus irmãos, não sei como que é… As coisas vão… Todo mês eu tô soltando pacote de obras. Depois não pode é vim dizer que eu não tô te avisando.”
Linker: “Mamãe, você sabe que eu nem quero que você fique correndo atrás de nada. Você nem deve, você tem tanta coisa pra fazer, que nem eu imagino. Então eu tô de contato com ele todo dia. Eu já falei pra ele ‘eu vou ficar te ligando todo dia’, pro Daniel. Pra quanto tu tiver, falar ‘não, vem aqui que eu já to com tudo pronto’ que aí sim eu vou. Se ele falar ‘vem amanhã’, eu vou. Entendeu? E com o James aqui, depois que eu for aí, a gente vai ver o que é que tem, se ele quiser entrar, bem. Se ele não quiser… Que ele já tá cheio de obra. Não sei se da Aquiri, não sei. Eu quero pegar pelo menos alguma coisa pra me manter. Eu não to reclamando de você não, ‘Elisa’, tchau.”
Outro lado
Em nota, os advogados Ticiano Figueiredo, Pedro Ivo Velloso, Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e Telson Ferreira, responsáveis pela defesa do governador Gladson Cameli, disseram que a investigação, ao final, “servirá para comprovar sua inocência”.
“O inquérito é todo ele derivado de relatórios encomendados do Coaf, que além de tudo são desprovidos de qualquer coerência”, afirmaram.
“A gestão do Governador Gladson Cameli sempre foi pautada pela ética e eficiência e, não por outra razão, foi reeleito pelo povo do Acre”.
“Desde o início do inquérito, o governador já prestou os devidos esclarecimentos, colocou-se à disposição das autoridades e assim permanece”.
Leia a íntegra da nota:
“NOTA À IMPRENSA
“O governador não cometeu qualquer ilegalidade. A investigação caminha sem conclusão há dois anos e, ao final, servirá para comprovar sua inocência.
“O inquérito é todo ele derivado de relatórios encomendados do COAF, que além de tudo são desprovidos de qualquer coerência.
“A gestão do Governador Gladson Cameli sempre foi pautada pela ética e eficiência e, não por outra razão, foi reeleito pelo povo do Acre.
“Desde o início do inquérito, o governador já prestou os devidos esclarecimentos, colocou-se à disposição das autoridades e assim permanece.
“Ticiano Figueiredo, Pedro Ivo Velloso, Tarcísio Vieira de Carvalho Neto e Telson Ferreira, advogados do governador Gladson Cameli.”