Declaração de Mourão traz à baila papel dos vice-presidentes
História recente do país está atrelada aos vices; rediscutir o cargo é tarefa necessária

O vice-presidente da República Hamilton Mourão, considerado um homem inteligente e bem preparado, poderia ter evitado as expressões jocosas lançadas sobre a questão dos torturados pela ditadura militar-civil desencadeada em 1964. Militares como ele – e não foram poucos -, silenciados pelas circunstâncias, também nunca concordaram com a utilização dessa terrível ferramenta de obtenção de confissões.
Esse fato traz à baila a questão do vice-presidente na democracia brasileira. Há até quem questione a existência dessa figura em nossa Constituição. O substituto do presidente seria o chefe do Poder Legislativo. Muitos defendem uma fórmula de eleição em que o vice-presidente seja eleito separadamente, como receitava a Constituição de 1946.
Mas a grande discussão é sobre a utilidade do vice, apenas uma expectativa de poder. Sem regulamentação de suas funções, o vice é apenas um mero espectador da cena política e administrativa. Mesmo sendo eleitos conjuntamente, Presidente e Vice têm protagonizado os mais variados desencontros. O exemplo mais próximo é o do relacionamento entre Bolsonaro e Mourão, este último ungido aos 45 minutos do segundo tempo.
Dar função ao vice é prerrogativa do chefe do governo. É bom lembrar que na Constituição de 1946, o vice era o presidente do Senado, aprimorando o equilíbrio de pesos e contrapesos. O fato de o vice-presidente assumir a Presidência quando o titular viaja é mera liberalidade, não existe em nossa Constituição. E com os meios modernos de comunicação soa ridículo termos dois presidentes ao mesmo tempo. Um aqui, outro no exterior.
Mesmo assim, a importância do cargo tem sido relevada a uma posição secundária (a exceção fica por conta da chapa Lula-Alckmin, uma composição entre esquerda e direita para conquista de votos).
Historicamente, o vice sempre foi importante no panorama político do Brasil, não raro catapultado ao poder. Depois da ditadura Vargas, com a volta à democracia, vários vices assumiram a Presidência. No trágico episódio do suicídio de Getúlio, Café Filho assumiu a presidência, acabando por desencadear um crise de enormes proporções. A renúncia de Jânio Quadros elevou João Goulart ao poder. E deu no que deu.
Depois, no governo Costa e Silva, viria Pedro Aleixo, cuja posse foi impedida pelos militares. Em seguida, veio a renúncia do presidente Collor, substituído por Itamar Franco. E como se não bastasse, tivemos ainda a assunção de Michel Temer, devido ao impeachment de Dilma Rousseff. Convenhamos: a História recente do país está atrelada aos vices, numa proporção além do que se poderia imaginar. Por isso, rediscutir o Vice-Presidente da República é tarefa necessária porque a História está sempre à espreita.