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    Como uma série de falhas de segurança abriu caminho para ataques em Brasília

    Há exatamente uma semana, violência chocava o Brasil e o mundo e levanta perguntas sobre como tantas pessoas conseguiram invadir alguns dos prédios mais seguros do país, praticamente sem resistência

    Katie PolglaseGianluca MezzofioreTara JohnRodrigo Pedrosoda CNN

    Quando um mar de pessoas, envolto no verde e amarelo da bandeira brasileira, surge no alto do prédio modernista do Congresso Nacional, em Brasília, há uma semana, no último dia 8 de janeiro, foi possível ver também em diversas imagens policiais militares do Distrito Federal conversando ou filmando a multidão à distância.

    A calma dos profissionais de segurança escondia o caos que se desenrolava naquele dia. Por cerca de quatro horas, milhares de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram as sedes dos Três Poderes do governo brasileiro — Congresso, Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto — sobrecarregando as forças de segurança e pedindo que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse deposto.

    A violência chocou o país, com muitos querendo respostas sobre como tantas pessoas conseguiram entrar em alguns dos prédios mais seguros do país, praticamente sem resistência.

    Enquanto isso, aumentam as dúvidas sobre se os membros das forças de segurança encarregados de proteger a área e seus líderes foram apenas sobrecarregados, incompetentes ou mesmo ajudaram ativamente os manifestantes. Tudo isso será investigado.

    Altas autoridades brasileiras dizem que os planos de segurança pré-acordados não foram executados no dia.

    A CNN analisou uma série de vídeos e transmissões ao vivo postadas nas mídias sociais para explorar as falhas de segurança que permitiram que uma insurreição ocorresse com uma facilidade tão extraordinária e descobriu que alguns policiais pareciam amigáveis com os manifestantes, enquanto muitos outros pareciam lamentavelmente despreparados para a multidão enfurecida.

    A CNN não identificou ou falou com os policiais dos vídeos.

    Vídeos mostram alguns policiais parados observando os manifestantes enquanto eles invadiam o Congresso, um deles até filmou os eventos
    Vídeos mostram alguns policiais parados observando os manifestantes enquanto eles invadiam o Congresso, um deles até filmou os eventos / YouTube, Twitter e Telegram.

    As autoridades que investigam a reação dos policiais, como o Supremo Tribunal Federal, apontaram o dedo para as autoridades em Brasília, e vários chefes de segurança do Distrito Federal foram demitidos ou alvo de mandados de prisão por suposto conluio com os atos.

    “A polícia de Brasília negligenciou [a ameaça de ataque], a inteligência de Brasília negligenciou”, afirmou Lula um dia após o cerco. Ele disse que pelas imagens era fácil ver “policiais conversando com os agressores. Houve uma conivência explícita da polícia com os manifestantes”.

    As suspeitas de “conivência” foram alimentadas pelo relacionamento próximo de seu antecessor, Bolsonaro, com os militares durante sua presidência, enchendo seu então gabinete de chefes militares.

    O ex-comandante geral da Polícia Militar do Distrito Federal, que está preso, Fábio Augusto, disse à Polícia Federal, por exemplo, que não recebeu ordens para impedir os manifestantes de descerem a Esplanada dos Ministérios, no domingo (8) de ataques em Brasília.

    No depoimento obtido pela CNN, o coronel afirma que “todos os informes de inteligência apontavam que não havia indicativo de ações violentas” e que ele desempenhou atribuições definidas em reunião realizada na Secretaria de Segurança Pública, da qual não participou, mesmo no papel de comandante-geral.

    Nas semanas que antecederam o cerco, partidários do ex-líder e ex-capitão do Exército acamparam do lado de fora dos quartéis do Exército em todo o Brasil, pedindo uma intervenção militar para anular a vitória de Lula.

    Bolsonaro não passou a faixa presidencial para Lula e partiu para a Flórida mais de uma semana antes dos ataques.

    Lula também acusou na quinta-feira algumas pessoas das Forças Armadas de cumplicidade. “Muitas pessoas foram cúmplices disso. Foram muitos da (Polícia Militar), muitos das forças armadas cúmplices”, disse ele em entrevista coletiva.

    O presidente brasileiro disse que não vê os acontecimentos de 8 de janeiro como um “golpe”, mas como “uma coisa menor, um bando de malucos que não perceberam que a eleição acabou”.

    Manifestantes bolsonaristas invadem o Congresso Nacional, na cidade de Brasília
    Manifestantes bolsonaristas invadem o Congresso Nacional, na cidade de Brasília / Wallace Martins/Futura Press/Estadão Conteúdo

    Vídeos feitos em 8 de janeiro sugerem uma presença de segurança reduzida em comparação com a posse de Lula uma semana antes, no mesmo complexo do governo, quando mais de 8.000 soldados das forças militares e civis foram mobilizados.

    Em 8 de janeiro, havia 365 policiais militares trabalhando na área. Depois que Lula decretou uma intervenção federal na Secretaria de Segurança do Distrito Federal, por volta das 18h, outros 2.913 foram convocados, disse um porta-voz interino do Distrito Federal à CNN. A liderança do escritório mudou desde os atos de 8 de janeiro.

    O Exército e as polícias civis não responderam ao pedido da CNN para obter informações sobre quantas tropas do Exército e forças policiais exatamente foram enviadas para a área no domingo.

    A Polícia Militar está investigando os fatos ocorridos no dia 8 de janeiro e “iniciará procedimentos para apurar” a suposta conduta de “agentes policiais que se comportaram de forma diferente de como deveriam”, diz Ricardo Cappelli, interventor de segurança do Distrito Federal de Brasília, que assumiu o cargo no domingo após a demissão de seu antecessor, disse esta semana.

    Todas as imagens já estão sendo utilizadas no processo de investigação. Hoje em dia é muito difícil a pessoa entrar na Esplanada, no Congresso Nacional ou no Supremo e não ser identificada. Então todos serão identificados, todos serão punidos pelo que fizeram”, afirmou Capelli na sexta-feira (13).

    Dias de planejamento

    Os protestos de domingo foram organizados abertamente pelas redes sociais e aplicativos de mensagens dias antes e os serviços de inteligência estavam cientes de seus planos.

    Conversas no Telegram vistas pela CNN mostram pessoas enviando mensagens já em 5 de janeiro sobre suas intenções de invadir o Congresso do Brasil.

    Uma postagem menciona um plano para usar o aplicativo de telefone Zello, que funciona como um walkie-talkie, no caso de ausência de internet. O mesmo aplicativo foi usado por alguns manifestantes do Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021.

    Vários outros compartilharam mapas detalhados da área parlamentar, identificando claramente os prédios do Congresso e do Senado como ponto de encontro.

    A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) disse que emitiu alertas diários antes de 8 de janeiro para o governo federal e o do Distrito Federal, alertando que os protestos seriam grandes e violentos, como relatou a CNN no dia seguinte aos ataques.

    A inteligência foi baseada em um alerta feito pela agência de transportes do país de que um volume incomum de ônibus havia sido fretado para Brasília.

    Tanto o ministro da Justiça, Flávio Dino, quanto o então governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, aliado de Bolsonaro, foram notificados, informou a agência de inteligência.

    Apesar das advertências, no dia 7 de janeiro, Ibaneis disse publicamente que o protesto seguiria na Esplanada – que tem um grande trecho gramado cercado por prédios do governo que leva diretamente às sedes dos Poderes.

    Em entrevista coletiva um dia após o motim, o ministro da Justiça, Flavio Dino, disse que planos especiais de segurança foram acertados com o Distrito Federal – que cuida da defesa do complexo governamental e era comandado por Ibaneis –, mas não se concretizaram no dia 8 de janeiro, pois uma “mudança na orientação administrativa no planejamento, que não permitia a entrada de pessoas na Esplanada, veio no último minuto”, disse.

    Ibaneis foi afastado do cargo por três meses no domingo. Ele disse que respeitou a decisão em nota oficial e também pediu desculpas às autoridades, inclusive a Lula, pelo ocorrido naquele dia, dizendo que sua equipe “não acreditava de jeito nenhum que as manifestações tomariam as proporções que tomaram”. A CNN procurou Ibaneis para comentar.

    Quando os manifestantes, conforme planejado, saíram em massa em 8 de janeiro, encontraram pouca resistência.

    Partindo de seu acampamento fora do quartel-general do Exército, eles caminharam mais de 7 quilômetros pela principal avenida de Brasília, o Eixo Monumental, até o Congresso.

    Antes da violação do Congresso, uma longa fila de manifestantes marchou para o complexo do governo. Em um dos vídeos, um policial militar aparece fazendo sinal de positivo enquanto apertava a mão da multidão pró-Bolsonaro que descia a avenida. Alguns até dão tapinhas nas costas dos oficiais.

    A Polícia Militar tentou conter os manifestantes na Esplanada dos Ministérios ao longo do Eixo Monumental por volta das 14h25, mostra vídeo postado no YouTube por um manifestante e revisado pela CNN.

    Mas eles foram rapidamente ultrapassados pelos manifestantes, que romperam as barricadas. A polícia tentou aplicar spray de pimenta em alguns deles enquanto tentavam manter a barricada, mas fracassaram (veja imagem abaixo).

    Polícia confronta manifestantes com spray de pimenta enquanto eles se aproximam do Congresso, mas ficam rapidamente sobrecarregados
    Polícia confronta manifestantes com spray de pimenta enquanto eles se aproximam do Congresso, mas ficam rapidamente sobrecarregados / Twitter

    Quando a multidão chegou do lado de fora do Congresso, por volta das 14h45, vídeos mostraram algumas unidades da Polícia Federal e militar tentando bloquear seu caminho, mas estavam em desvantagem numérica. O caos se instalou.

    Outra tentativa da Polícia Militar de Brasília de usar spray de pimenta em manifestantes falhou. Os oficiais, parados atrás de uma linha de barricadas de metal, foram rapidamente subjugados à medida que a multidão avançava, jogando as barricadas no chão.

    Livres para circular pela Praça dos Três Poderes, milhares de apoiadores de Bolsonaro subiram a rampa de acesso ao Congresso, que abriga o Senado e a Câmara dos Deputados. Eles entraram nos prédios pouco antes das 15h.

    Vídeos de dentro dos prédios mostram cadeiras viradas e documentos espalhados pelo chão enquanto a multidão marcha cantando slogans pró-Bolsonaro.

    Sem as barricadas, alguns policiais militares simplesmente observaram a cena. Um até filmou os manifestantes subindo a rampa do Congresso.

    Enquanto isso, do lado de fora do prédio do Congresso, duas vans da Polícia Federal estavam estacionadas, com fumaça saindo de suas janelas, mostra o vídeo. Um saiu da estrada meio submerso em um lago.

    O enxame de pessoas também se deslocou para o STF e o Palácio do Planalto. Os oficiais pareciam mais uma vez incapazes de controlar a situação. Alguns a cavalo foram atacados perto da Suprema Corte, jogados no chão e espancados por manifestantes.

    No final, a multidão conseguiu para invadir esses prédios também e causar estragos.

    Lula sugeriu que alguém deixou deliberadamente as portas do palácio destrancadas. Ela foi “aberta para essas pessoas entrarem porque não há porta quebrada. Significa que alguém facilitou a entrada deles aqui”, disse ele a repórteres na quinta-feira.

    Vídeos mostraram pouca coordenação entre divisões policiais
    Vídeos mostraram pouca coordenação entre divisões policiais

    Enquanto espera a poeira baixar, “quero ver todas as fitas gravadas dentro do STF, dentro do palácio. Havia muitos agentes coniventes. Tinha muita gente da PM (Polícia Militar) conivente”, completou Lula.

    Os vídeos de 8 de janeiro encontrados online parecem transmitir o caos do momento.

    Em um vídeo, os socorristas parecem lutar para se coordenar e se comunicar enquanto as forças de segurança parecem sobrecarregadas enquanto tentam obter o controle.

    Um policial militar grita com os soldados do batalhão da guarda presidencial para combater os invasores enquanto eles estão no Palácio do Planalto.

    “Comande suas tropas, droga!” ele grita com o comandante do batalhão.

    Mas os soldados parecem hesitantes e seu líder permanece em silêncio enquanto eles lutam para tomar decisões enquanto são confrontados pela horda.

    Ao se aproximar das 19h, a polícia e o Exército finalmente têm tudo sob controle. Uma transmissão ao vivo do YouTube mostra multidões saindo do telhado do Congresso e deixando o complexo governamental.

    Duas horas depois, Bolsonaro condena os acontecimentos do dia, dizendo que “manifestações pacíficas, respeitando a lei, fazem parte da democracia. No entanto, depredações e invasões fogem à regra.”

    Brasília contabiliza estragos nas sedes dos Três Poderes no dia seguinte a ataque
    Brasília contabiliza estragos nas sedes dos Três Poderes no dia seguinte a ataque / Secom / Reprodução

    A resposta do Brasil aos distúrbios foi rápida. Os acampamentos pró-Bolsonaro próximos aos quartéis do Exército foram esvaziados e uma nova rodada de protestos em 11 de janeiro nunca se concretizou.

    O Supremo Tribunal Federal concordou com os pedidos do procurador-geral da República na sexta-feira para investigar Bolsonaro pelo suposto envolvimento nos ataques. Seu advogado refutou as acusações, dizendo que Bolsonaro sempre “rejeitou todos os atos ilegais e criminosos e sempre foi um defensor da Constituição e da democracia”.

    Autoridades de alto escalão têm mirado aliados de Bolsonaro que ainda atuam no governo, entre eles o ex-secretário de Segurança do DF Anderson Torres, responsável pela segurança da Praça dos Três Poderes, onde ficam as sedes dos Poderes.

    O Supremo Tribunal do Brasil ordenou na terça-feira a prisão de Torres, que foi ministro da Justiça de Bolsonaro e assumiu o cargo de secretário de segurança do Distrito Federal em janeiro, e do ex-comandante da polícia militar do Distrito Federal, Fabio Vieira.

    O STF cita uma dupla de tentativa de golpe de Estado, atos terroristas, danos à propriedade pública, associação criminosa e abolição violenta do estado de direito.

    Argumenta ainda que “a ausência do policiamento necessário” durante os motins aconteceu devido à “omissão e conivência de várias autoridades na área de segurança e inteligência”.

    Torres, demitido no domingo com Vieira, havia viajado para a Flórida no dia 7 de janeiro, um dia antes dos distúrbios. Não está claro se ele se encontrou com Bolsonaro, que também esteve na Flórida, tendo deixado o Brasil em dezembro, dias antes da posse de Lula.

    O ex-secretário de segurança negou veementemente qualquer envolvimento nos distúrbios. “Lamento profundamente essas hipóteses absurdas de qualquer tipo de conluio da minha parte”, ele tuitou no domingo, e escreveu dias depois que voltaria ao Brasil e lutaria contra as acusações.

    Anderson Torres foi preso ao retornar ao Brasil neste sábado (14).

    Na quinta-feira, a Polícia Federal anunciou que, durante busca na casa de Torres, encontrou um projeto de decreto que propõe a anulação das eleições presidenciais de outubro. Torres negou ser o autor.

    O advogado de Anderson Torres, Rodrigo Roca, disse à CNN que o documento encontrado pela Polícia Federal na residência do ex-ministro não é de autoria de Torres.

    “Não é da autoria dele o documento. Eram diárias as abordagens feitas por populares ao ministro da Justiça e a mim mesmo como secretario nacional do Consumidor pedindo que levasse ao presidente algum tipo de sugestão”, disse Roca.

    Os investigadores estão procurando por financiadores e líderes dos distúrbios, uma tarefa nada invejável devido à falta de liderança formal dos manifestantes, disse à CNN Michele Prado, especialista em movimentos de extrema-direita brasileira.

    “Apesar dessa fluidez de líderes (de protesto) e horizontalidade”, existem milhares de pessoas online que continuam compartilhando posições extremistas, acrescentou ela.

    (Com informações de Henrik Pettersson, Patrick Gallagher, Agne Jurkenite e Gabrielle Smith, da CNN, contribuíram para esta reportagem. Com colaboração de Márcia Reverdosa e Camilo Rocha, de São Paulo, e dos analistas de política Basília Rodrigues, Caio Junqueira e Daniela Lima, da CNN).

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