Com foro, indiciamento de Bolsonaro dependeria do STF; veja os próximos passos
PF concluiu que o presidente atentou contra a paz pública ao disseminar notícias falsas sobre medidas de prevenção e de combate à Covid-19
Embora a Polícia Federal tenha concluído que o presidente Jair Bolsonaro (PL) atentou contra a paz pública ao disseminar notícia falsa que relacionava a vacina contra a Covid-19 ao risco de se contrair Aids, além de incitar a prática de crime ao estimular as pessoas a não usarem máscara de proteção, os policiais decidiram não indiciar o atual mandatário do Palácio do Planalto.
No relatório final da investigação enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), a delegada Lorena Lima Nascimento diz que apuração constatou a “atuação direta, voluntária e consciente” de Bolsonaro na prática de crime, mas que a PF deixou de “promover seu indiciamento em respeito a posicionamento” de parte do Supremo, que entende que pessoas com privilegiado só podem ser indicadas com autorização do tribunal.
De acordo com a delegada, o pedido de indiciamento do presidente foi feito ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no Supremo, mas ainda não houve decisão. O caso deve ser enviado para análise da primeira instância da Justiça, já que Bolsonaro perderá o foro privilegiado a partir da próxima semana.
O caminho natural, segundo especialistas ouvidos pela CNN, é o processo ser analisado pelo Ministério Público na primeira instância. Existem, em tese, três possibilidades:
- Optar pelo arquivamento do processo;
- Pedir novas diligências à PF, já que o caso ainda está em fase de investigação;
- Oferecer denúncia, baseada no relatório produzido pelos policiais.
O indiciamento de pessoas com foro com prerrogativa de função pela Polícia Federal é motivo de discussão no mundo jurídico. Até mesmo dentro do Supremo há posições divergentes.
No ano passado, por exemplo, num julgamento envolvendo Renan Calheiros (MDB-AL) no STF, a Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou contra o indiciamento do senador pela Polícia Federal. À época, Lindôra Araújo afirmou que não cabe indiciamento pela PF quando o investigado tem foro no Supremo.
“As investigações sobre supostos ilícitos criminais perpetrados por autoridades com prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal possuem regramento próprio, não havendo campo para atuação da autoridade policial em ato de indiciamento, o qual deve ser, portanto, anulado, porém sem qualquer reflexo outro sobre o regular andamento do feito”, escreveu.
No documento enviado a Moraes, a PF afirmou que as informações coletadas ao longo da apuração permitiram identificar a ocorrência de manipulações e distorções de conteúdo de publicações que serviram de base para os temas propagados por Bolsonaro.
“Jair Messias Bolsonaro, de forma direta, voluntária e consciente, disseminou as desinformações produzidas por Mauro Cesar Barbosa Cid, em sua ‘live’ semanal no dia 21 de outubro de 2021, causando verdadeiro potencial de provocar alarma junto aos espectadores.”
De acordo com a delegada Lorena Lima Nascimento, Bolsonaro causou “verdadeiro potencial de provocar alarma junto aos expectadores [da live], ao propagar a desinformação de que os ‘totalmente vacinados contra a Covid-19’ estariam ‘desenvolvendo a síndrome de imunodeficiência adquirida muito mais rápido que o previsto’, e que essa informação teria sido extraída de ‘relatórios do governo do Reino Unido'”.
A PF entendeu que Bolsonaro atentou contra a paz pública e, ao disseminar desinformação de que vítimas da gripe espanhola teriam morrido em decorrência de pneumonia causada pelo uso de máscara, o presidente teria “incutindo na mente dos espectadores um verdadeiro desestímulo ao seu uso [da máscara] no combate à Covid-19”.
As infrações criminais estão previstas na Lei de Contravenções Penais (atentar contra a paz pública) e no Código Penal (incitar a prática de crime).