Bolsonaro desconsiderou militares, Mandetta e filhos e bancou discurso
A ideia de fazer um pronunciamento à nação pegou todo o Palácio do Planalto de surpresa na manhã de ontem, durante a reunião do presidente Jair Bolsonaro com governadores da região Sul. Os militares, especificamente, foram surpreendidos. Todos achavam que era preciso terminar o ciclo de conversas com os governadores, que se encerraria na manhã de hoje, com a reunião com os governadores do Sudeste prevista para começar às 9 horas. Mas Bolsonaro ignorou as recomendações e redigiu seu texto.
Ele estava, segundo uma fonte, “em agonia” com a avalanche de vídeos que têm recebido pelo WhatsApp de empresários e profissionais liberais, grande parte do seu eleitorado, receosos com a perspectiva de queda brusca na atividade economica com a quarentena forçada ou espontânea da população.
No início da tarde, uma versão foi encaminhada ao ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Heleno Ribeiro, acometido pelo coronavírus e de quarentena em sua casa. Ele fez alterações no texto para amenizá-lo. O documento voltou então para o presidente, que desconsiderou as mudanças de Heleno.
A gravação estava prevista para as 16 horas. Na hora dos ajustes finais do texto, Bolsonaro também ignorou pedidos dos filhos do presidente, o mais velho, o senador Flávio Bolsonaro, e o mais novo, o vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro. Ambos tentaram modular o tom do texto do pai, mas não o convencerram. O filho do meio, o deputado federal Eduardo Bolsonaro, não participou do processo, pois está estremecido com o pai desde suas críticas à China.
Circulavam pelo Palácio neste momento os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, não participou nem foi consultado sobre o texto. Mas há a avaliação no Palácio do Planalto que ele mesmo já está mais alinhado ao discurso do presidente a partir do momento que o próprio Bolsonaro disse a ele que seu discurso foi pessimista no início da crise.
No entorno do presidente, duas questões são levantadas e precisam ser debatidas. A primeira é suas motivações. A segunda é que é preciso fazer um debate sobre a forma como o isolamento das pessoas no Brasil está afetando a economia e, em breve, a vida das pessoas. Um ministro relatou à CNN que há possibilidade de um PIB de 10 pontos negativos em 2020 se nada for feito. Outro, da ala militar, relata a preocupação das Forças Armadas com a chance de a crise econômica descambar em uma crise de violência, com saques e assassinatos. Para eles, o país precisa avaliar a dose certa para o combate ao coronavírus p[ara que nem as pessoas morram nem o país quebre e gere uma convulsão social sem precedentes.
É praticamente unânime, porém, que o tom do discurso foi ruim. O primeiro impacto político ocorreu horas após ele ir ao ar. o governador de São Paulo, Joao Doria, disse a um interlocutor do presidente que não participaria da reunião desta manhã. Foi demovido da ideia a muito custo. O governador do Rio, Wilson Witzel, não era presença confirmada.
Para o governo, agora, é tentar impor o debate sobre a dose certa e apostar nas medidas de estímulo à economia e de ajuda aos mais pobres, que já acumulam perdas. Hoje, o Congresso Nacional deverá aprovar o chamado coronavoucher, uma ajuda de custo para os mais pobres. Um acordo ontem definiu que seu valor será de 300 reais mensais. No total, serão colocados à disposição 7,5 bilhões de reais.
É preciso também monitorar o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que já deu inúmeras declarações de que a crise de saúde é grave. Nesse sentido, deu entorno avalia que a pior parte do discurso do presidente foi quando ele reafirmou que o coronavírus se trata de “uma gripezinha”. Também foi avaliado que a tática do confronto neste momento era um aceno a empresários alinhados ao governo que recrudesceram nas últimas horas uma campanha de que o país não pode parar devido ao avanço do vírus no país.
O problema, afirmou essa fonte, é que a sociedade brasileira ainda não é feita para convencer a população de que pessoas podem morrer para salvar a economia. Há a leitura também de que o presidente já tenta criar uma narrativa para a debacle econômica que se avizinha.
Diante disso tudo, a questão que começa a emergir em Brasília é se há chance de Mandetta deixar o cargo. Afinal, ele pode sair? “O presidente elogiou ele no pronunciamento. Ele não vai cair fora nem Bolsonaro vai tirar ele. Ele não é de sair no meio de um problema desse. Agora, depois da crise…”