Bets permitem cassino no bolso do brasileiro, diz ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania
Macaé Evaristo afirma em audiência no STF que “crescimento exponencial” das apostas on-line causa “ruína financeira” das famílias
A ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macáe Evaristo, comparou as “bets” com um “cassino no bolso de cada brasileiro” nesta segunda-feira (11), pela facilidade de acesso às apostas on-line. De acordo com a ministra, isso tem causado a “ruína financeira” das famílias.
“Pelas quase onipresentes propagandas, pela liberdade e facilidade de acesso às plataformas de jogos, a situação no momento é insustentável”, afirmou Macaé Evaristo.
A declaração foi feita durante audiência pública no STF sobre os impactos das apostas on-line no país. A reunião foi convocada pelo ministro Luiz Fux, relator de uma ação em que a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) contesta a lei que regulamentou a atividade das bets no Brasil.
Segundo Macaé Evaristo, a atividade das bets causa aumento do endividamento das famílias, “com pouco ou nenhum retorno de desenvolvimento do país”. O impacto é maior nas classes sociais mais pobres, de acordo com a ministra. “Crianças e adolescentes dessas famílias são vítimas passivas”, afirmou.
“O crescimento exponencial tem causado a ruína financeira para muitas famílias. Estes jogos hoje constituem uma indústria multimilionária que utiliza técnicas psicológicas para maximizar o engajamento do usuário”, declarou.
“Pela facilidade de acesso, pode-se afirmar que, com as chamadas bets, estamos permitindo a instalação de um cassino no bolso de cada brasileiro”, disse a ministra.
Conforme Macaé Evaristo, as dificuldades de desenvolvimento do Brasil, o desejo das pessoas por um “futuro melhor” e a falta de perspectiva econômica acabam sendo um “terreno fértil para a aposta desesperada e triste do jogo”.
Evaristo também afirmou que as empresas de apostas usam métodos que favorecem o vício dos apostadores. O mecanismo é semelhante ao das redes sociais, conforme comparou.
“É precisamente o mesmo vício de comportamento que nos leva a checar as redes sociais constantemente”, declarou. “As redes sociais estão recebendo e vendendo a nossa atenção para terceiros. Ao passo que os jogos on-line recebem o dinheiro de forma imediata e direta”, completou.
“Dragão a ser domado”
Em sua fala, o advogado-geral da União, Jorge Messias, comparou as bets a um “dragão” e que o objetivo do governo é “domá-lo”.
“Precisamos de limites, monitoramento que impeça essa indústria de causar vícios, especialmente nos mais vulneráveis”, afimou. “O atual modelo de bets não está alinhado com os princípios de nossa Constituição. Estamos diante de um dragão e nosso objetivo é tentar domá-lo”.
Conforme Messias, é preciso garantir que as apostas on-line “não comprometa a dignidade da pessoa humana, a segurança financeira e o bem-estar da população, especialmente dos grupos mais vulneráveis”.
O ministro citou a posição da Advocacia-Geral da União (AGU) sobre o caso. O órgão defende a lei que regulamentou as bets, mas entende que a norma pode ser “insuficiente” para prevenir os “abusos e as consequências negativas” da atividade, conforme parecer enviado ao processo.
Na manifestação ao STF, a AGU disse que a norma é constitucional, mas que pode haver um cenário de “progressiva inconstitucionalização” da lei. Ou seja, uma situação em que a regulação se mostre incapaz de garantir os direitos previstos na Constituição, como dignidade humana, direito à saúde e proteção às crianças.
Intervenção do Judiciário
Na fala de abertura, o relator do caso, ministro Luiz Fux, disse que o STF está analisando o tema por ter sido provocado.
“O Judiciário está fazendo audiência pública sobre bets. Foi inciativa própria nossa? Não. A audiência pública foi, mas a Justiça é atividade estatal que não se movimenta se não for provocada. Muitos alegam ativismo judicial, que o Judiciário se intromete em todas as questões, [mas] não é verdade”, afirmou o magistrado.
“A lei foi editada pela casa do povo, pelo Congresso, sucede que se provocou o STF para verificar se essa lei está de acordo com valores constitucionais”, concluiu.
Bets
As bets, formalmente chamadas de “apostas de quota-fixa online”, foram legalizadas pelo governo do presidente Michel Temer, em dezembro de 2018.
A regulação (ou seja, regras para operação) só veio com a lei aprovada pelo Congresso no governo Lula, em dezembro de 2023.
A legislação que regulamenta o mercado das bets no país é fruto de uma mobilização do governo. Ainda em julho do ano passado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva havia editado medida provisória para definir as regras do setor.
Levantamento do Banco Central apontou que os beneficiários do Bolsa Família transferiram R$ 3 bilhões às empresas de apostas por meio de pix em agosto deste ano.
De acordo com o documento, a média gasta pelos beneficiários do programa social com as apostas no período foi de R$ 100. Dos apostadores, 4 milhões (70%) são chefes de família (quem de fato recebe o benefício) e enviaram R$ 2 bilhões (67%) por PIX para as bets.
Os dados dizem respeito a apostas feitas em 36 empresas e descarta os pagamentos feitos com cartão de crédito e débito, por exemplo. Foi a primeira vez que o Banco Central faz um levantamento dessa natureza.
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