Anulação de indulto fará Daniel Silveira passar a cumprir pena de condenação
Supremo Tribunal Federal retoma na quarta-feira análise sobre validade de perdão de Bolsonaro; ação em que ex-deputado foi condenado não cabe mais recurso
O ex-deputado Daniel Silveira deverá passar a cumprir a pena de condenação imposta pelo Supremo Tribunal Federal (STF) se a Corte concluir pela invalidade do decreto de indulto do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O Supremo já tem maioria formada pela derrubada do perdão presidencial, mas o julgamento ainda não terminou. A análise está pautada para continuar na quarta-feira (10), com os votos dos ministros Luiz Fux e Gilmar Mendes.
Até o momento, o placar está 6 a 2. A relatora, ministra Rosa Weber, foi acompanhada pelos ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Cármen Lúcia. Os ministros André Mendonça e Nunes Marques divergiram, e votaram para validar o perdão da pena.
A decisão terá efeito a partir da publicação da ata de julgamento. Esse movimento costuma levar poucos dias após a conclusão do julgamento. A partir daí, o relator da ação penal em que Silveira foi condenado, ministro Alexandre de Moraes, deverá oficiar a unidade prisional onde o ex-deputado está preso, em Bangu 8 no Rio de Janeiro, dando ciência da condenação.
Silveira está encarcerado desde 2 de fevereiro, por ordem de Moraes, devido a descumprimento de medidas cautelares impostas pela Corte, como a proibição de usar redes sociais. A modalidade de prisão é a preventiva. Com a anulação do indulto, a prisão se tornará definitiva devido à condenação, de 8 anos e 9 meses de prisão, em regime inicial fechado.
O processo em que Silveira foi condenado transitou em julgado em agosto do ano passado. Significa que não cabem mais recursos da decisão.
Silveira foi condenado em abril de 2022 por ameaças ao Estado Democrático de Direito e aos ministros do Supremo. A Corte também condenou o então deputado a suspensão de direitos políticos (o que o torna inelegível) e multa.
O prazo da pena será descontado do tempo em que Silveira já passou preso preventivamente, conforme estabelece o Código Penal.
Uma vez que não cabem mais recursos da condenação, a defesa de Silveira disse que vai ingressar com uma ação de revisão criminal no STF para tentar anular a condenação.
Trata-se de uma ação à parte, que não tem efeito no cumprimento da pena durante sua tramitação. Ou seja, Daniel Silveira continuaria preso mesmo enquanto o processo fosse discutido o Supremo.
“Vamos ingressar com revisão criminal para anular essa aberração parida pelo STF, repleta de ilegalidades, vícios, nulidades, e outros atributos que invalidam a condenação”, disse à CNN o advogado de Silveira, Paulo Cesar Faria. “Se ainda houver lei nesse país, e um resto de Constituição, tem que anular tudo”.
Segundo Renato Vieira, sócio do Kehdi Vieira Advogados e presidente do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), a revisão criminal é uma ação autônoma, uma espécie de “caminho novo” para tentar desconstruir a condenação.
“Há um revolvimento e análise de provas, mas para verificar se há surgimento de prova nova ou se a decisão condenatória foi contra as evidências dos autos”.
Validade do indulto
Na sessão de quinta-feira (5), foi formada maioria de votos no STF para derrubar o indulto. “Eu acredito que o Supremo está caminhando no sentido mais correto”, disse o advogado Renato Vieira. “Houve desvio de finalidade escandaloso. É surpreendente que ainda se diga que existem atos do poder público que não poderiam ser objeto de controle de constitucionalidade”.
“O ato é nulo por inúmeros motivos. Viola a separação dos Poderes, viola a moralidade, a impessoalidade. Não existe numa democracia ato, ainda que político, que não possa ser objeto de controle por parte do Poder Judiciário”, declarou.
Para Luís Alexandre Rassi, especialista em direito penal que atuou no Senado como membro da Comissão da Lei de Execução Penal, uma vez anulado o indulto, Silveira terá que cumprir a pena. Ele também não vê chances de êxito de uma eventual ação de revisão criminal no STF.
O especialista vê problemas na forma com que o indulto foi concedido a Daniel Silveira, mas considera um “absurdo” questionar o decreto do então presidente.
“Acho que o indulto, da forma como foi deferida a graça ao Daniel, foi uma afronta ao Supremo. UM dia após a condenação”, afirmou. “Mas era algo legal, que ele poderia ter feito, dentro da prerrogativa de presidente”.
“Não acho correta a decisão. A graça é algo individual, não tem margem de discussão aí”.
Condenação
A condenação de Silveira refere-se a um vídeo publicado pelo então deputado em fevereiro de 2021 nas redes sociais com xingamentos, ameaças e acusações contra ministros do Supremo.
No vídeo, publicado em fevereiro de 2021, Silveira fez uso de palavrões para xingar os magistrados, acusou alguns de receberem dinheiro por decisões. Ele foi preso em flagrante por ordem de Alexandre de Moraes. Em março de 2021, foi para prisão domiciliar, e em novembro, o ministro revogou a medida e impôs a obrigação das cautelares, como a vedação de usar redes sociais.
Pelo caso, a Procuradoria-Geral da República (PGR) ofereceu denúncia ao STF contra Silveira. Tornado réu, ele foi a julgamento pela Corte em 20 de abril. Foi condenado por um placar de 10 a 1. Nunes Marques votou pela absolvição. André Mendonça, por uma pena menor. Nove magistrados votaram pela pena de 8 anos e 9 meses de prisão.
No dia seguinte à condenação, o então presidente Jair Bolsonaro editou o decreto com a graça constitucional concedendo o perdão a Silveira.
Os partidos Rede, PDT, Cidadania e PSOL contestaram o perdão no STF, argumentando que o decreto violou os princípios constitucionais da impessoalidade e da moralidade. Também disseram que houve desvio de finalidade, já que o indulto não foi editado visando ao interesse público, mas o interesse pessoal do ex-presidente.
A PGR defendeu a validade do decreto, por entender ser ato político da competência privativa do presidente da República. Para o órgão, no entanto, os efeitos do indulto ficam restritos à condenação, e não valem para os efeitos secundários, como a inelegibilidade.