Alckmin e Braga Netto, um duelo à parte
Alckmin é um tradutor de Lula para os ricos; Braga Netto é a versão mais genuína e ainda mais radical de Bolsonaro
Numa entrevista para a rádio Metrópole, de Salvador, nesta sexta-feira (1), Lula atacou com extrema virulência a elite do país.
O líder das pesquisas tratou de demonizar os empresários: “na cabeça dessa gente, não existe pobreza. Não existe fome, não existe gente dormindo na rua, na sarjeta, não tem criança morrendo de desnutrição. Essa gente só fala em teto de gasto, em política fiscal, ou seja, eles não falam em política social, em distribuição de renda, em distribuição de riqueza.”
Em outro momento, chamou quem acumula riquezas de “imbecil”. Era um Lula em modo Guilherme Boulos.
A força de Lula, como se sabe, está entre os eleitores de baixa renda e baixa escolaridade, além de jovens, mulheres e nordestinos.
Ao se valer de argumentos falaciosos contra a austeridade e responsabilidade fiscal, atacando os pilares do chamado tripé macroeconômico, Lula presta um grande desserviço ao país que tanto sofreu na mão de economistas desenvolvimentistas e seus planos heterodoxos.
A Argentina continua lamentavelmente mostrando os resultados práticos desse tipo de política econômica.
O combate à inflação, a estabilização da moeda e a boa governança das contas públicas é do interesse dos mais pobres, principalmente deles, dos que mais sofrem com um cenário econômico recessivo e disfuncional, já que os ricos possuem instrumentos dos mais variados para proteger seus patrimônios de qualquer instabilidade.
Como o tema é técnico e árido, acaba sendo explorado pelo pior tipo de proselitismo demagógico petista, o que poderia espantar o apoio da elite e jogar ainda mais os ricos no colo do adversário.
É neste momento que entra Geraldo Alckmin, antigo adversário e atual companheiro de chapa.
Lula afia a retórica contra os empresários, banqueiros, investidores e ricos em geral, um expediente que não é novo para ele, e depois usa seu vice para aparar as arestas.
Foi assim com o falecido José Alencar, é agora com o ex-governador paulista. Enquanto Lula é o “mau policial”, Alckmin faz o papel do “bom policial”.
Para Lula, claramente, a função do seu vice é tornar seu nome palatável para um eleitorado que não é naturalmente seu.
Jair Bolsonaro, seu principal oponente, mais uma vez rasga os manuais da estratégia político-eleitoral tradicional e escolhe como companheiro de chapa um general da reserva linha-dura, carrancudo e com fama de durão.
Braga Netto encarna com muito mais autoridade o arquétipo do generalíssimo que um capitão aposentado, desligado do exército após o julgamento de um ruidoso caso de indisciplina, o que não abre o leque do eleitorado tradicional bolsonarista.
Pelo contrário, o general reforça os mesmos atributos simbólicos que Bolsonaro representa.
São estratégias literalmente opostas. Alckmin, como José Alencar, é um tradutor do lulismo para os ricos. É seu complemento.
Braga Netto é o militarismo autoritário aplicado em doses cavalares, uma versão anabolizada do mesmo bolsonarismo do chefe.
É sua versão mais genuína e ainda mais radical. O vice de Lula amplia. O vice de Bolsonaro reforça.
Lula lidera as pesquisas com relativa folga e poderia prescindir de Alckmin.
Bolsonaro ainda não está sequer garantido no segundo turno, tem altíssima rejeição, seu governo é mal avaliado, mas ele opta por um companheiro de missão que fala como ele, pensa como ele, age como ele.
A opção de Bolsonaro, por incrível que pareça, se justifica.
Enquanto Lula precisa de um vice para mostrar que não voltou a ser o sindicalista radical dos anos 1970/1980, do petismo sectário que ensaiou não assinar a Constituição de 1988, Bolsonaro criou em seu eleitorado a fantasia de que apenas não realizou seus planos patrióticos porque não teve poder suficiente.
Há quem caia até na pantomima de que Bolsonaro teria cedido espaço para o Centrão à contragosto, como se ele próprio já não tivesse repetidas vezes dito que ele “é o Centrão”.
Braga Netto entra como alguém que vai auxiliar seu chefe a emparedar os outros poderes da República e, se necessário, poderia unir parte das Forças Armadas numa aventura golpista.
É um argumento que encanta a parte mais reacionária do eleitorado bolsonarista que convive mal com a democracia e gostaria de ver os representantes dos outros Poderes da República agindo como influenciadores da mídia governista.
Bolsonaro joga na retranca. Quanto mais o adversário avança, mais ele recua a defesa, segurando o resultado na esperança de virar o jogo no erro do adversário, num contra-ataque repentino ou no tapetão, como em 2018 quando seu oponente foi preso e tirado da disputa.
São duas estratégias totalmente distintas, mas justificáveis. Uma partida emocionante que só acaba quando termina.