Abstenção alta pode prejudicar Lula e favorecer Bolsonaro, dizem cientistas políticos
Violência política e dependência do transporte público são apontados por especialistas como fatores que podem afastar eleitores lulistas das urnas
O comparecimento efetivo às seções de votação no dia 2 de outubro pode vir a ser um fator decisivo para haver ou não um resultado definitivo no primeiro turno das eleições presidenciais, segundo especialistas.
Um levantamento feito pela CNN com base nos dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostra que a abstenção do eleitorado total nas quatro últimas eleições cresceu seguidamente nos primeiros turnos das quatro últimas votações para presidente – de pouco mais de 16%, em 2006, até ultrapassar os 20% em 2018.
Nesses quatro pleitos mais recentes, houve mais faltosos do que votos no candidato que acabou em terceiro colocado nas respectivas disputas para presidente da República.
Para cientistas políticos ouvidos pela CNN, se a abstenção neste domingo (2) mantiver a tendência de crescimento verificada desde 2006, o líder nas pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, pode ser o maior prejudicado. O baixo comparecimento às urnas pode inviabilizar qualquer chance de uma vitória do ex-presidente Lula no primeiro turno.
Enquanto o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, por outro lado, pode ser beneficiado direta ou indiretamente – segundo os analistas.
“Tendo em vista que as indicações convergem para a colocação de Lula à frente de Bolsonaro, de maneira efetiva, a abstenção é algo que preocupa mais esta campanha que a do Presidente da República”, analisa o consultor de risco político e CEO da Dharma Political Risk and Strategy, Creomar de Souza.
A lógica dessa conclusão passa pelos motivos que podem levar a esse potencial menor comparecimento às urnas, que tendem a afetar mais o perfil dos eleitores de Lula que de Bolsonaro – tanto para Creomar de Souza, quanto para a cientista política Graziella Testa, professora da Escola de Políticas Públicas e Governo da Fundação Getulio Vargas (FGV EPPG).
“A gente sabe que dias chuvosos, dias em que as condições do tempo não são as ideais, tendem a impactar ainda os mais pobres, que muitas vezes dependem de transporte público”, avalia Graziella Testa.
“O que temos observado é que apesar das intenções de voto darem uma certa folga para o ex-presidente, variáveis como o medo de violência e agressão podem afastar camadas do eleitorado – sobretudo, os mais vulneráveis socialmente – das sessões eleitorais no dia 2 de outubro”, complementa Creomar de Souza.
“Afinal, é possível que a vitória em primeiro turno ou uma liderança mais folgada escapem das mãos caso haja um relaxamento da militância com a ideia de que o problema já está resolvido”, conclui o consultor de risco político. “Quem ganha com uma abstenção maior é Bolsonaro”, reforça a professora da FGV.
Ausências significativas
O levantamento da CNN mostra que a abstenção verificada nas últimas quatro vezes em que os brasileiros escolheram um presidente da República foi maior que a soma da votação registrada nos presidenciáveis que não passaram para os respectivos segundos turnos – ou seja, todos exceto o primeiro e o segundo colocados.
Já em 2014, a abstenção no primeiro turno foi maior que a soma da votação nos 3º, 4º, 5º e 6º colocados da disputa presidencial.
Em 2018, houve mais brasileiros que não foram às urnas no primeiro turno (29.939.319, ou 20,32%) do que a soma dos votos em Ciro Gomes (13.344.371), Geraldo Alckmin (5.096.350), João Amoêdo (2.679.745), Cabo Daciolo (1.348.323), Henrique Meirelles (1.288.950), Marina Silva (1.069.578), Álvaro Dias (859.601), Guilherme Boulos (617.122), Vera Lúcia (55.762), José Maria Eymael (41.710) e João Goulart Filho (30.176).
A abstenção naquele ano só não foi maior do que a votação em Jair Bolsonaro (49.277.010) e Fernando Haddad (31.342.051), que passaram para a rodada final (vencida pelo atual presidente).
Quatro anos antes, em 2014, a terceira colocada, Marina Silva, chegou perto, mas ainda ficou abaixo da abstenção na primeira etapa da eleição. Mesmo assim, os faltosos (27.697.332, ou 19,39%) ainda representaram mais do que a votação de Marina (24.306.461) somada às de Luciana Genro (1.811.268), Pastor Everaldo (838.271) e Eduardo Jorge (707.948).
Dilma Rousseff (45.929.779) e Aécio Neves (37.715.101) decidiram aquele pleito na rodada final de votação.A eleição de 2010 foi outra na qual a abstenção no primeiro turno só não venceu Dilma (47.651.434 votos) e José Serra (33.132.283) – primeiro e segundo colocados. Os que não compareceram às urnas (24.610.296, ou 18,12%) superaram os votos em Marina Silva (19.636.359), Plínio de Arruda (886.816), Eymael (89.350), Zé Maria (84.609), Levy Fidelix (57.960), Ivan Pinheiro (39.136), Rui Costa (12.206).