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    Eleições 2022

    A economia vai decidir a eleição? Permita-me discordar

    A política é um jogo de narrativas; os aspectos mais propositivos e racionais da plataforma dos candidatos ficam em segundo plano

    Alexandre Borges

    A economia do país vai mal, a população está insatisfeita, o presidente não lidera as pesquisas. Conclusão? É a economia que está direcionando o voto do eleitor. Entendo perfeitamente quem faz essa leitura, digamos, literal da conjuntura, mas a realidade nem sempre é óbvia. Muito menos os humores do eleitor.

    A complexidade de uma eleição como a brasileira deste ano não admite respostas fáceis. No geral, o resultado será a consequência de uma conjunção de diversos fatores e prever o que acontecerá em 2 de outubro, nesta altura da disputa, é quase tão incerto quanto prever se nessa data vai chover. Mesmo assim, é possível considerar alguns itens como mais influentes que outros no processo de construção da convicção do voto.

    A política numa democracia é, na sua essência, um jogo de narrativas. Quem conta a melhor história, quem vende melhor suas teses, quem cria mais identificação com o eleitor, quem é mais crível, energético e carismático, leva. Os aspectos mais propositivos e racionais da plataforma dos candidatos, para o desespero dos essencialistas, ficam em segundo plano.

    É assim que cada um de nós seleciona alguém para casar, por exemplo. Por mais que itens racionais, como a situação financeira do candidato a cônjuge, pesem na hora da decisão, não são os fatores decisivos. O coração tem razões que a própria razão desconhece e a escolha do seu candidato, guardadas as devidas proporções, segue o mesmo padrão.

    O líder das pesquisas, Lula, lidera com folga na região Nordeste, o que está longe de ser uma novidade. Lula é forte nesta região desde 2002 e mesmo Fernando Haddad, seu candidato em 2018 que perdeu no país inteiro, venceu no Nordeste.

    Esteja a economia brasileira bem ou mal, a preferência dos nordestinos por Lula tem sido inabalável. O mesmo acontece com jovens, mulheres e eleitores de baixa renda que se identificam com o petista. No geral, relativizam ou minimizam os escândalos de corrupção, as condenações e a prisão do seu candidato.

    O segundo colocado, Bolsonaro, é o preferido de homens ricos, evangélicos, mais velhos e brancos do Sul do país. Eles também não estão satisfeitos com a situação econômica, a rigor ninguém está, mas a diferença é que eles não culpam o presidente pela situação. Ou seja, não é a economia, mas a percepção de quem é responsável por ela.

    O eleitor de Bolsonaro, como todos sabem, têm uma convicção quase inabalável de que seu “messias” não é culpado por absolutamente nada de errado que acontece no país.

    Todo revés dele ou do Brasil é atribuído ao STF, ao Congresso, à mídia, à esquerda, à China, às pesquisas, aos gays, aos bandidos, às vacinas, às urnas, você escolhe. Toda semana há um traidor da pátria da vez.

    O único habitante do planeta terra que não erra é Bolsonaro. Quando raramente erra, o ungido do destino, que “derramou seu sangue por nós”, estava bem-intencionado e errou tentando fazer o melhor, mas o “sistema” (ou o “establishment”) foi mais forte e não permitiu que ele realizasse seu plano. Ah se ele tivesse mais poder!

    Lula e Bolsonaro entendem que vivemos num período histórico de politização de tudo e, infelizmente, de campanha permanente. O dia de ganhar votos é todo dia. A hora de fornecer ao militante uma meia verdade para que ele defenda seu político de estimação é agora. A política do século 21, em tempos de redes sociais, é cada vez mais parecida com um reality show.

    O eleitor de Lula é capaz de acreditar, ou dizer que acredita, que a “alma mais pura do país” nunca prevaricou e a Lava Jato era um plano maquiavélico dos EUA para destruir a Petrobras. A crise de Dilma? Ah, foi o “golpe”. Ele acredita que Lula é o único capaz de lutar contra o “fascismo” por ser um “democrata”.

    O eleitor de Bolsonaro é capaz de não vacinar um filho para se manter fiel ao negacionismo do seu capitão e dos influenciadores arregimentados com a caneta presidencial. Ele acredita que há um conluio de forças quase sobrenaturais contra o cidadão de bem e só um militar patriota, cristão e conservador, poderá combater com chances de vitória nessa cruzada.

    Contra isso, não há terceira, quarta ou quinta via que possa. As pessoas acreditam no que querem acreditar. No multiverso das redes sociais, o eleitor consegue se fechar numa câmara de eco que apenas reverbera as opiniões que ele já tinha mas não sabia bem como articular. Ele não está buscando informação, mas confirmação. E é assim que ele vota.

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