STJ rejeita recurso e mantém anulação de júri que condenou réus da Boate Kiss
Com a decisão, réus pelo incêndio que matou 242 pessoas deverão passar por novo julgamento
A 6ª turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta terça-feira (5), por maioria de votos, manter a anulação da condenação de quatro réus pelo incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria (RS).
Morreram 242 pessoas e 636 ficaram feridas pelo incêndio na casa de shows, em janeiro de 2013.
Com a decisão, os quatro réus pelo caso deverão passar por um novo julgamento no Tribunal do Júri.
O relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, votou para acolher o recurso do Ministério Púbico do Rio Grande do Sul (MP-RS) e restabelecer o júri popular que condenou os réus. Os ministros Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis rejeitaram totalmente o recurso.
Já os ministros Jesuíno Rissato e Laurita Vaz votaram para rejeitar parte das argumentações do MP.
Elissandro Sphor e Mauro Hoffmann, empresários e ex-sócios da Boate Kiss, e Marcelo de Jesus e Luciano Bonilha, integrantes da banda Gurizada Fandangueira, haviam sido condenados a penas que variam de 18 a 22 anos de prisão, em dezembro de 2021.
O Júri acabou anulado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS), em agosto de 2022. A defesa dos condenados apontou nulidades em relação ao andamento do processo e do julgamento, o que foi reconhecido pelo TJ.
O tribunal de 2ª instância reconheceu quatro nulidades, para anular o júri, e determinou a soltura dos quatro réus. Entre elas: irregularidades na escolha dos jurados, com sorteio feito em prazo inferior ao que determina a lei; reunião reservada entre o juiz presidente do júri e os jurados, durante o julgamento; e a suposta inovação da acusação do Ministério Público no julgamento em relação à denúncia sobre a conduta de um dos réus.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul, então, recorreu ao STJ.
O caso começou a ser analisado na Corte em junho, mas foi paralisado por pedido de vista (mais tempo para análise) dos ministros Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis.
Na ocasião, o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, votou para acolher o recurso do MP-RS e restabelecer o júri popular.
Pelo voto do relator, os quatro réus deveriam voltar à prisão e a apelação das defesas ser reanalisada pelo TJ-RS para que o tribunal analise outros pontos levantados pelos advogados.
Divergências
Os outros quatro ministros votaram nesta terça-feira (5). A divergência foi aberta por Antonio Saldanha Palheiro.
Para o magistrado, deve ser mantido o reconhecimento das quatro nulidades no julgamento pelo Tribunal do Júri.
Ele criticou a realização de reunião “secreta” entre o juiz presidente do júri e os jurados, sem a participação das defesas ou do Ministério Público. “O ato de se reunir reservadamente desrespeitou a norma. O fato de o juiz ter se reunido com jurados traz uma fundada suspeita”, afirmou. “A incomunicabilidade dos jurados fica comprometida”.
Próximo a votar foi o ministro Sebastião Reis, que acompanhou integralmente a divergência.
O desembargador Jesuíno Rissato, convocado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) para atuar no STJ, acolheu em parte os argumentos do MP-RS, mas manteve o reconhecimento de duas nulidades no júri. Uma delas, a reunião reservada.
Rissato classificou o ato como de “extrema gravidade” que abre um “precedente perigoso”.
“Ninguém sabe, não há registro do que ficou estabelecido, do que foi tratado nessa reunião secreta. O fato é que o juiz, a uma certa altura da madrugada, resolveu suspender a reunião do júri e fazer essa reunião secreta apenas com os jurados. O que foi dito nessa reunião? Ninguém sabe”, declarou.
A ministra Laurita Vaz votou só para reconhecer a nulidade sobre a elaboração dos quesitos: as perguntas feitas pelo juiz aos jurados sobre fatos atribuídos aos réus.
Em seu perfil no Instagram, a Associação dos Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria disse que a decisão do STJ é “uma decepção”.
“Nesta terça-feira, 5, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu manter a anulação do júri do Caso Kiss. Com isso, os quatro réus, Mauro Londero Hoffmann, Elissandro Callegaro Spohr, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão, continuam em liberdade e um novo julgamento será marcado. Até quando a impunidade vai servir à Injustiça”.