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    Renda e escolaridade da mãe puxam notas de candidatos no Enem, aponta estudo

    Pesquisa mostra a forte influência de fatores socioeconômicos no desempenho dos estudantes

    Marcelle Souzacolaboração para a CNN

    Uma nova pesquisa mostra que fatores como renda familiar, nível de escolaridade da mãe e raça afetam de forma significativa o desempenho dos estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). As informações são de um estudo publicado nesta quarta-feira (17) na Revista de Administração Pública.

    O artigo intitulado “Impacto das variáveis socioeconômicas no desempenho do Enem: uma análise espacial e sociológica” teve a participação de pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Universidade de São Paulo (USP).

    Para chegar aos resultados, o grupo fez um levantamento das notas da prova objetiva e da redação dos alunos que realizaram o exame em 2018. Depois, cruzaram os números com três bases de dados diferentes: dos questionários socioeconômicos do exame, das informações do Censo Escolar de 2018 e de estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

    No estudo, mostramos que grande parte dos fatores que influenciam a nota do Enem são socioeconômicos, ou seja, infraestrutura é importante, mas não adianta construir a melhor escola do mundo se os alunos têm menor capital econômico e cultural

    Anne Caroline de Freitas, doutoranda no Instituto de Biociências da USP e uma das autoras do estudo

    O Enem é aplicado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e serve para o ingresso de estudantes em instituições públicas, por meio do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), ou para conseguir bolsas em instituições privadas de ensino superior, por meio do Programa Universidade Para Todos (Prouni).

    Neste ano, o exame será realizado nos dias 21 e 28 de novembro, em meio à demissão de mais de 30 servidores do Ministério da Educação.

    O que impacta o desempenho dos estudantes

    A nota do Enem é composta pelas notas das provas objetivas e de redação. Na prova objetiva, os pesquisadores identificaram que 68% da nota podia ser explicada por fatores socioeconômicos. De acordo com a análise, municípios com maior percentual de famílias com alta renda apresentaram maior média no exame.

    Eles inferiram que a formação escolar e a ocupação da mãe também afetaram a nota dos alunos. Nesse sentido, cidades em que havia concentração de mães com menos anos de estudo tiveram piores notas.

    O terceiro ponto relevante para o desempenho dos estudantes foi a raça: municípios com maior percentual de estudantes brancos tiveram melhor desempenho. Na outra ponta, tiveram pior avaliação os com concentração de pretos, pardos e indígenas.

    Variáveis ligadas à infraestrutura da escola, como laboratório de informática, aula de espanhol e refeitório, interferiram na nota, mas em menor grau do que as anteriores.

    “Por meio de ciência de dados, conseguimos criar uma ferramenta que consegue avaliar as variáveis do desempenho no Enem, entender o que está jogando a nota para cima ou para baixo com certo nível de assertividade, mostrar onde está o gargalo”, afirma Rafael Oliveira Melo, pós-graduado pela FGV e um dos responsáveis pelo levantamento.

    A ideia do estudo é que, com informações mais precisas, os dados sirvam para auxiliar União, Estados e municípios na criação de políticas públicas específicas, que atuem de forma efetiva para identificar e corrigir problemas que afetem o desempenho escolar dos alunos em diferentes partes do país.

    Ele dá o exemplo da cidade de Itapipoca, no Ceará, onde a média da prova objetiva foi de 481,9 no Enem de 2018, abaixo da média no país, de 507,7.

    Para os pesquisadores, o desempenho está associado a variáveis como a alta proporção de estudantes pobres, negros e a baixa escolarização das mães no município.

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    Diferenças regionais

    Segundo os dados do estudo, o desempenho em redação também foi afetado por fatores como renda, raça e nível educacional da mãe. Além disso, o percentual de estudantes com bolsas de estudos em escolas privadas afetou o desempenho na prova.

    Do outro lado, escolas rurais, sem acesso à internet e estudantes indígenas têm notas mais baixas, o que indica uma desvantagem em relação aos demais da mesma rede de ensino.

    “Isso mostra que deve existir um esforço do Inep para pensar uma prova que seja mais justa, atrelada à realidade social, política e econômica dos alunos, que não valorize apenas a cultura hegemônica branca, mas considere a cultural oral e as variáveis linguísticas”, afirma Anne Freitas.

    O estudo mostrou a concentração de notas maiores no Enem em estados do Sul e do Sudeste do país. Segundo os pesquisadores, esse índice pode estar relacionado às rendas mais altas observadas nesses locais.

    “A variável geográfica é importante e reflete as desigualdades socioeconômicas das diferentes regiões do país”, dizem os pesquisadores no artigo.

    Enem e pandemia

    O estudo leva em conta um período anterior à pandemia e, segundo os pesquisadores, é possível que os exames deste e dos próximos anos apontem para o aumento das desigualdades e para uma diminuição da média de desempenho dos alunos.

    “Sabemos que o racismo estrutural e as desigualdades econômicas e culturais são barreiras para estudantes desde a educação básica até o ensino superior, e a nossa hipótese é que esses dados pioraram em um contexto de pandemia de Covid-19”, comenta Anne Freitas.

    Os pesquisadores avaliam que a redução da renda das famílias no último ano e a falta de estrutura para o ensino remoto podem afetar não só a nota, mas também a participação dos jovens no exame. E alguns números já são um indício de que isso está acontecendo.

    Uma pesquisa realizada pelo Conselho Nacional da Juventude com 33 mil estudantes mostrou que 43% dos jovens pensaram em desistir da escola em 2021 – contra 23% no ano passado. Entre os inscritos no Enem, 57% pensaram em não comparecer à prova. De fato, a baixa adesão pode ser vista nos dados deste ano.

    O Enem 2021 registrou 4 milhões de inscritos, o menor número dos últimos 13 anos. A maior redução, de 77,4%, foi entre os estudantes com renda familiar de até três salários mínimos, como mostra um levantamento realizado pelo Semesp, entidade que representa universidades privadas.

    Para entender melhor o que isso significa, o grupo da FGV e da USP pretende repetir a análise em alguns anos, a fim de comparar os resultados e medir os impactos da pandemia. “A pesquisa mostra que temos uma dívida com esses estudantes, mas ela é reparável e podemos trabalhar para reduzi-la”, diz a autora.

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