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    Quase 10 mil investigações sobre mortes de crianças seguem sem conclusão no Rio

    Levantamento inédito feito pela Defensoria Pública revela que quase 80% dos inquéritos em aberto são crimes dolosos, quando houve a intenção de matar

    Mylena GuedesIuri Corsinida CNN , Rio de Janeiro

    Quase 10 mil inquéritos sobre mortes de crianças e adolescentes de até 17 anos seguem sem qualquer conclusão nas delegacias do estado do Rio de Janeiro, segundo levantamento inédito feito pela Defensoria Pública do estado.

    Das 9.542 investigações em aberto no território fluminense desde 2000, quase 80% (79,5%) são referentes a crimes dolosos, ou seja, quando há intenção de matar.

    O estudo revela que os inquéritos relacionados a morte ou tentativa de homicídio contra crianças demoram, em média, oito anos e três meses até serem concluídos. A estimativa foi feita com base em dados da Polícia Civil e do Instituto de Segurança Pública. O menor tempo de tramitação registrado no estado é de 36 dias e o maior, de 21 anos.

    À CNN o defensor público Rodrigo Azambuja, coordenador do núcleo de Infância e Juventude, explica que a lentidão para finalizar as investigações gera consequências ainda mais dolorosas para os familiares das vítimas.

    “É o que chamamos de direito à Memória, Verdade e Justiça. Ao conversar com as famílias em audiências, eles destacam a necessidade em saber exatamente o que aconteceu com o filho/ irmão, para pelo menos tentar seguir em frente. Quando as situações não são esclarecidas, as pessoas têm uma dificuldade ainda maior de elaborar o luto. Muitos pais nos falam que queriam apenas saber quem cometeu o crime e que o assassino fosse responsabilizado pela Justiça”, diz Azambuja.

    A pesquisa estima, ao comparar os dados, que 8 em cada 10 procedimentos contra a vida de crianças ainda estão em aberto no Rio. Em 2014 foi registrado o maior número de inquéritos ainda sem desfecho, 812 no total, sendo 80% dolosos.

    Neste ano, 212 crimes cometidos contra crianças e adolescentes não têm a investigação concluída. Desses, 73% foram com intenção de matar.

    Os projéteis de arma de fogo são a principal causa dos homicídios dolosos consumados ou tentados contra a vida de crianças, representando cerca de 62% deles, que seguem em aberto.

    Mais de três mil crianças morreram baleadas e as famílias ainda não tem a conclusão do caso. Das vítimas com menos de 17 anos que morreram baleadas por arma de fogo de forma intencional, 75% eram negras.

    Em seguida, a atividade policial, como intervenção ou autos de resistência à intervenção, representa 10,7% dos homicídios dolosos.

    O motivo dos crimes, no entanto, é alterado em cada faixa-etária. No grupo de até 4 anos, por exemplo, os homicídios culposos, sem intenção de matar, são os mais expressivos, com 389 ocorrências em aberto. Enquanto isso, a faixa-etária de 12 a 17 anos é expressivamente marcada pelo registro de crimes dolosos em decorrência de tiros.

    De todas as investigações em aberto, cerca de um terço são registradas na capital fluminense. Depois, aparece o município de Campos dos Goytacazes, Nova Iguaçu e São Gonçalo.

    Policiais fazem nova busca pelas crianças desaparecidas em Belford Roxo
    Policiais fazem nova busca por crianças desaparecidas em Belford Roxo / Foto: Luciano Belford/Agência O Dia/Estadão Conteúdo

    A diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça, Carolina Haber, que coordenou o levantamento, destaca que com a queda na circulação de armas, o número de mortes infantis seria menor.

    “Depois de analisar as bases de dados, fica claro que a causa da letalidade varia de acordo com a idade. É preciso investir para reduzir a circulação de arma de fogo, maior causa da morte de adolescentes, e em estratégias seguras de trânsito de veículos, maior causa da morte de crianças”, afirma Haber.

    Já existe uma lei estadual que determina a prioridade de investigação nos crimes cometidos contra crianças e adolescentes, chamada de Lei Ághata Félix, sancionada em janeiro deste ano. Ághata foi assassinada aos oito anos por um tiro de fuzil, durante uma operação policial no Complexo do Alemão, em 2019.

    O defensor público Rodrigo Azambuja ressalta que a lei Ághata não está sendo colocada em prática de forma eficiente.

    “Nossa avaliação é de que esta lei não está sendo realizada de forma satisfatória ou rigorosa. Para nós, o mais importante é combater os crimes infantis e essa lei tem o cuidado de não tipificar a morte dessa faixa-etária. Isso porque o homicídio pode não ser hediondo, mas mesmo assim merece prioridade, por se tratar de uma criança”, afirma Azambuja.

    Nesse fim de semana, completou um ano da morte das meninas Emilly, de 4 anos, e Rebeca, de 7 anos. As duas primas foram baleadas enquanto brincavam na porta de casa, em Duque de Caxias, Baixada Fluminense.

    A família das meninas, até agora, não tem a conclusão do caso. Há nove meses, a polícia realizou uma reprodução simulada para tentar descobrir de onde partiram os disparos, mas o laudo ainda não foi divulgado aos familiares.

    “A família e a Defensoria Pública empreenderam todos os esforços necessários para contribuir com a investigação autônoma e independente, buscando o esclarecimento do que aconteceu naquela noite. Até o momento, nós não tivemos notícia da conclusão do laudo de reprodução simulada. Nós oficiamos a autoridade policial e aguardamos a conclusão do inquérito para que a família finalmente tenha uma resposta”, destaca a defensora Carla Viana, do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh).

    A CNN questionou a Polícia Civil sobre o caso e aguarda reposta.

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