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    Proteção aos manguezais é ameaçada pelo crescimento urbano e acúmulo de lixo

    De 2000 a 2020, o Brasil perdeu 204 hectares de mangues no Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Santa Catarina

    Iuri Corsini, da CNN, no Rio de Janeiro

    Ecossistema que corresponde a menos de 1% de todas as florestas tropicais do mundo, mas que é essencial para o meio ambiente, os mangues estão sendo ameaçados pelo crescimento urbano, acúmulo de lixo e atividade extrativista sem regulamentação, como a captura de camarão.

    De acordo com os pesquisadores, os manguezais sequestram quatro vezes mais carbono do que todas as outras florestas e têm capacidade de armazenamento dez vezes maior. Historicamente, cientistas estimam que o Brasil já perdeu 25% de toda a extensão de áreas de mangue.

    A importância dos mangues é lembrada nesta segunda-feira (26), Dia Mundial de Proteção aos Manguezais. 

    Os manguezais estão presentes em 338 municípios do Brasil, abrangendo uma área onde vivem cerca de 44 milhões de pessoas, representando 20% da população nacional. Estima-se que os benefícios econômicos dos manguezais no país podem chegar a cerca de R$ 20 bilhões, contribuindo com atividades de pesca e turismo.

    Cerca de 12% dos manguezais do mundo estão no Brasil.  Os mangues também são vitais para a proteção da zona costeira, reduzindo sua vulnerabilidade em relação aos impactos das mudanças climáticas globais, podendo reduzir a ocorrência de eventos extremos, inundações e tempestades, além de proteger contra processos erosivos. 

    Segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica e o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), responsáveis por monitorar os manguezais nos estados do bioma Mata Atlântica, há mais de 253.537 hectares (2.5 milhões de metros quadrados) de manguezais preservados no país, em áreas de Mata Atlântica.

    Dos 17 estados do bioma, a vegetação de mangue está presente em 13: Alagoas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Sergipe e São Paulo. O estado que tem a maior área de manguezal é a Bahia (73.121 hectares), seguido do Paraná (35.152 hectares), São Paulo (26.001 hectares) e Sergipe (24.582 hectares). 

    De 2000 até 2020, houve uma perda de 204 hectares de manguezais no Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Santa Catarina. A maior redução foi na Bahia, na cidade de Santa Cruz de Cabrália, com a supressão de 101 hectares no total. Neste município, a maior perda foi no período de 2015-2016, um total de 68 hectares, o maior apontado no monitoramento. 

    Em 2020, o único estado que apresentou perda de área de manguezal foi em Santa Catarina, no município de Araquari, que registrou menos 4 hectares (uma área de 40 mil metros quadrados) de área de mangue. Segundo o SOS Mata Atlântica, as causas dessa perda não são conhecidas. 

    Situação no Rio de Janeiro

    No último século, a região metropolitana do Rio de Janeiro perdeu cerca de 40% das áreas de mangue. Porém, o estado do Rio de Janeiro já está há 10 anos sem perder área de manguezal, um reflexo da atuação incisiva de grupos de proteção ambiental, e uma amostra do quão resiliente é esta vegetação.

    Apesar disso, a situação não é tranquila e os mangues são constantemente ameaçados pelo crescimento urbano desordenado e pela poluição. Mesmo não estando entre os cinco estados que possuem as maiores áreas de manguezal do país, o Rio de Janeiro é um dos quatro que tiveram registros de perdas de vegetação de mangue ao longo dos últimos 20 anos, segundo dados da Fundação SOS Mata Atlântica e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

    “A situação já foi pior, mas continuamos com problemas na Baía de Guanabara, referente ao crescimento urbano desordenado e lixões; temos problemas em São Gonçalo, em Gramacho, ambos por crescimento desordenado e lixões. O manguezal de guapimirim é contaminado por esgoto. Sepetiba tem problemas de crescimento urbano desordenado. Na Baía de Ilha Grande, também temos problemas associados ao crescimento urbano desordenado. Em Angra e em Paraty idem.”, alertou o biólogo Mário Moscatelli.

    Segundo levantamento da Câmara Metropolitana de Integração Governamental do governo do Rio, feito em 2017, a cada ano, a Região Metropolitana cresce 32 quilômetros quadrados em áreas verdes, de forma desordenada. Isso equivale a cerca de oito bairros de Copacabana. Somado a esse avanço desenfreado, há também a alta produção de lixo per capita na capital do Rio.

    Segundo dados do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selur), apesar de estar entre as capitais com os melhores índices de tratamento e coleta de resíduos sólidos, o Rio é a segunda cidade que mais produz lixo no país — atrás apenas de Santos. A geração diária é de mais de 1 kg por habitante. São mais de 460 kg por pessoa a cada ano. 

    Manguezais de Guaratiba, ocupados pelo crescimento urbano desordenado.
    Manguezais de Guaratiba, ocupados pelo crescimento urbano desordenado.
    Foto: Divulgação/Mário Moscatelli

    Combate incansável

    Há mais de 20 anos Mário Moscatelli desenvolve projetos de recuperação de manguezais. Atualmente, um grupo de 10 pessoas coordenado por ele trabalha no replantio de mudas de espécie nativa numa área de 1.3 milhão de metros quadrados de mangue, na Baía de Guanabara. O grupo também utiliza barreiras feitas com telas para impedir que o lixo chegue na Baía.

    O biólogo também tem, entre outros, projetos na Lagoa Rodrigo de Freitas, o Manguezal da Lagoa, projetos no sistema lagunar da lagoa de Jacarepaguá, associado à expansão de empreendimentos que ameaçam o meio-ambiente, e já desenvolveu projetos no Parque Olímpico, que foi um grande manguezal recuperado na época das Olimpíadas e o do canal do fundão, local em que foi recuperado e criado uma grande área de manguezal, mas com enormes problemas com lixo, e também na área de mangue de Gramacho — bairro do município de Duque de Caxias.

    A novidade nos últimos anos, segundo Moscatelli, foi o incremento do replantio das áreas de manguezal, que não era uma atividade desenvolvida até então. Esse replantio é crucial na manutenção e preservação dos mangues, que ainda enfrentam problemas dramáticos enquanto tentam se sobrepor aos avanços das cidades de forma prejudicial ao meio ambiente.

    “O aporte de lixo é um problema dramático e está diretamente associado ao crescimento urbano desordenado. Pessoas vão se multiplicando e ocupando as áreas preferencialmente próximas aos rios, a coleta de lixo não acontece e os rios se transformam em valões de lixo. Esses dejetos são transportados até as baias e as lagoas, e todo esse material vai parar nos manguezais. Tudo isso está associado ao crescimento urbano desordenado. O maior risco com isso é a supressão e aterramento dos manguezais — ligados ao crescimento urbano”, avalia Moscatelli.

    Outro problema grave, e mais recente, é o crescimento de grupos paramilitares (milícias), que, segundo Moscatelli, “muitas vezes se beneficiam da ocupação desordenada do solo”. Segundo ele, é preciso que as prefeituras atuem no sentido de criar políticas habitacionais para evitar a degradação da vegetação.

    “Enquanto as prefeituras não ordenarem o uso do solo, não tiverem políticas habitacionais que evitem a geração de valas de esgotos em rios, realmente será uma luta inglória. O problema nasce da falta de ordenação do uso do solo e a falta de universalização do serviço de esgoto. Se as prefeituras fizerem seu trabalho e as empresas concessionárias fizerem seu trabalho, o problema histórico desaparece”, ponderou.

    Proteção legal

    Atualmente, os manguezais estão protegidos por lei (Leis Federais 9.605/1998, 11.428/2006 e 12.651/2012 e Resolução Conama 303/2002). Na prática, entretanto, essas legislações também estão sob ameaça. Em outubro do ano passado, por exemplo, após uma reunião do Conama com o então ministro do Meio-Ambiente, Ricardo Salles, foi votado pela revogação de duas resoluções sobre Áreas de Preservação Permanente (APP) e o licenciamento para irrigação. Essas revogações poriam em xeque a proteção dos mangues, pois abriria brecha para especulações imobiliárias. 

    Na ocasião, o coordenador do Grupo de Trabalho de Unidades de Conservação do MPF, Leandro Mitidieri, disse que esta revogação feita pelo Conama era “uma das ‘boiadas’ mais descaradas, pois retirava instrumentos de controle de atividades em restingas e manguezais, e abria espaço para especulação imobiliária nas faixas de vegetação das praias e ocupação de áreas de mangues”.

    Menos de dois meses depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) barrou as decisões do Conama sobre restingas e manguezais, e restabeleceu, ao menos até este momento, a proteção legal desses ecossistemas.

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