Proposta para flexibilizar trabalho aos domingos e feriados é de 2019
Publicações enganam ao usar vídeos de 2019 para sustentar o argumento de que Jair Bolsonaro (PL) pretende acabar com o descanso para trabalhadores aos domingos e feriados; O fim irrestrito da regra chegou a ser discutido naquele ano, a partir de abril, por meio da Medida Provisória (MP) da Liberdade Econômica, mas o dispositivo que tratava sobre o assunto não foi aprovado
Enganoso: Publicações enganam ao usar vídeos de 2019 para sustentar o argumento de que Jair Bolsonaro (PL) pretende acabar com o descanso para trabalhadores aos domingos e feriados. O fim irrestrito da regra chegou a ser discutido naquele ano, a partir de abril, por meio da Medida Provisória (MP) da Liberdade Econômica, mas o dispositivo que tratava sobre o assunto não foi aprovado. O tema voltou a ser discutido em novembro do mesmo ano por meio do Contrato de Trabalho Verde e Amarelo e novamente a proposta foi recusada pelo Senado. Bolsonaro já disse que pretende reapresentar a matéria, mas não detalhou em quais termos.
Conteúdo investigado: Vídeos publicados no TikTok reproduzem parte de reportagem da TVT em que o tema principal é uma MP do governo Bolsonaro que, a partir da sugestão de deputados federais, passou a prever que domingos e feriados sejam transformados em dias normais de trabalho para 78 categorias profissionais. No trecho utilizado nas publicações, a reportagem diz que o governo Bolsonaro “está se consagrando como inimigo público número um do trabalhador”.
Onde foi publicado: TikTok.
Conclusão do Comprova: Vídeos publicados no TikTok enganam ao reproduzir como se fosse conteúdo atual uma reportagem da TVT divulgada em 2019. A matéria aborda discussões realizadas à época no Congresso Nacional sobre proposta para colocar fim às restrições de trabalho aos domingos e feriados.
Naquele ano, esta mudança na legislação trabalhista foi discutida no âmbito da MP da Liberdade Econômica. A proposta de trabalho aos domingos e feriados como dias comuns foi aprovada na Câmara dos Deputados, mas rejeitada pelo Senado.
As MPs são apresentadas pelo presidente da República. Apesar de terem efeitos jurídicos imediatos, precisam passar por posterior aprovação do Senado e da Câmara para serem transformadas em lei.
A possibilidade de ampliar o trabalho aos domingos e feriados também já foi discutida pelo governo federal no âmbito do programa Contrato de Trabalho Verde e Amarelo. A proposta foi expressa por meio de MP também editada em 2019. Atual presidente e candidato à reeleição, Bolsonaro já afirmou em entrevista recente que pretende reapresentar a proposta ao Congresso, mas não citou a jornada aos domingos e feriados de forma específica. Já o Ministério do Trabalho disse que não há estudo para retomada do programa.
Atualmente, uma série de categorias já tem autorização para trabalhar aos domingos. A lista consta na Portaria Nº 1.809, publicada em fevereiro de 2021 pelo Ministério da Economia.
Para o Comprova, enganoso é todo conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações.
Alcance da publicação: Até 20 de outubro, as publicações no TikTok que reproduziram trecho da reportagem da TVT alcançaram mais de 1,1 milhão de visualizações e 46,6 mil curtidas.
O que diz o autor da publicação: Não conseguimos contato com os responsáveis. O TikTok não permite envio de mensagens entre contas que não se seguem mutuamente e a equipe não encontrou perfis em outras redes sociais com características semelhantes.
Como verificamos: Inicialmente a equipe buscou no YouTube a íntegra da reportagem cujo trecho é utilizado na peça de desinformação. Em seguida, utilizando termos como “trabalho”, “domingo”, “Bolsonaro”, teve acesso à íntegra das MPs editadas pelo governo, bem como a tramitação no Congresso Federal. As informações de vigência e extinção constam no site oficial do Planalto.
A equipe também fez buscas nos sites da Câmara de Deputados e do Senado e entrou em contato com o Ministério do Trabalho. Por fim, a equipe conversou com o advogado Murilo Chaves, especialista em Direito do Trabalho.
Vídeo original é de 2019
As peças de desinformação verificadas reproduzem trechos de 1min39s e de 1min43s de uma reportagem que tem pouco mais de 4 minutos e foi publicada no dia 15 de julho de 2019 no canal no YouTube da Rede TVT, emissora da Fundação Sociedade Comunicação Cultura e Trabalho, entidade mantida pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e pelo Sindicato dos Bancários e Financiários de São Paulo, Osasco e Região.
A possibilidade de domingos e feriados serem transformados em dias normais de trabalho já foi discutida em diferentes oportunidades. Na época em que a reportagem da TVT foi ao ar, o Congresso Nacional debatia a Medida Provisória 881/2019, que ficou conhecida como MP da Liberdade Econômica.
Como citado pela reportagem da TVT, o fim da restrição do trabalho aos domingos e feriados para qualquer atividade econômica foi incluído e debatido durante a tramitação da MP na Câmara dos Deputados. A proposta era de que o empregador só precisaria conceder folga aos domingos a cada quatro semanas. Além disso, o texto retirava a obrigação do pagamento em dobro do domingo ou feriado trabalhado, caso a folga compensatória ocorresse em outro dia.
O dispositivo foi aprovado na Câmara, mas derrubado no Senado, sob o entendimento de que se tratava de um “jabuti” (termo usado para classificar temas acrescentados em propostas legislativas que não têm relação com o objeto original da matéria). O texto foi sancionado no dia 20 de setembro de 2019 e teve entre os principais temas o registro automático da pessoa jurídica e o fim da exigência de alvará no momento de abertura de empresas consideradas de baixo risco (definidas em leis estaduais ou municipais).
Advogado especialista em Direito do Trabalho, Murilo Chaves explica que, com a Lei da Liberdade Econômica, o descanso deixou de ser obrigatório aos domingos e passou a ser preferencialmente neste dia. No entanto, diz o advogado, para algumas categorias profissionais, convenções coletivas (acordos entre sindicatos e empregadores que estabelecem regras nas relações de trabalho com determinada categoria) continuam resguardando o descanso aos domingos.
Murilo explica que a regulamentação sobre quais categorias podem trabalhar no domingo sempre foi do Executivo federal, pois portarias com este tema foram publicadas pelo Ministério do Trabalho em datas anteriores à Lei de Liberdade Econômica. Atualmente, a lista em vigência consta na Portaria Nº 1.809, publicada em fevereiro de 2021.
O advogado também explica que o pagamento do empregado que exerce seu ofício no domingo depende do regime de jornada de trabalho. Aqueles que têm contrato de 44 horas semanais, se trabalharem no domingo, precisam ser remunerados com hora extra. Já se o trabalho no domingo for em regime de escala, o pagamento é feito como em dia normal de trabalho.
Contrato de Trabalho Verde e Amarelo
A possibilidade de autorização para o trabalho aos domingos e feriados voltou à discussão em 11 de novembro de 2019, com a edição da MP 905/2019, que instituía o Contrato de Trabalho Verde e Amarelo. A proposta previa uma modalidade especial de contratação de pessoas entre 19 e 29 anos de idade em busca do primeiro emprego no mercado formal. O Poder Executivo visava reduzir encargos trabalhistas e custos ao empregador para estimular a geração de empregos.
Segundo o texto, o repouso semanal deveria coincidir com o domingo, no mínimo, uma vez no período máximo de quatro semanas para os setores do comércio e serviços e, no mínimo, uma vez no período máximo de sete semanas para o setor industrial. O trabalho aos domingos e feriados seria remunerado em dobro, exceto se o empregador determinasse outro dia de folga compensatório, em termo semelhante ao apresentado na MP da Liberdade Econômica. A MP 905/2019 foi reeditada pelo governo Bolsonaro em abril de 2020 – MP 955/2020 -, mas teve a validade encerrada em agosto de 2020, sem ter sido apreciada pelo Congresso.
O Contrato Verde Amarelo ainda propunha a permissão de desconto do seguro-desemprego de trabalhadores temporariamente desempregados com a finalidade de contribuição previdenciária; redução do desconto do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) para 2% do salário-base e possibilidade de antecipação da indenização sobre esse saldo; exclusão dos sindicatos das negociações sobre participação do trabalhador nos lucros e resultados; isenção ao empregador do pagamento da contribuição do Instituto Nacional do Seguro Nacional (INSS), entre outras mudanças em relação à Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
Regulamentação do trabalho aos domingos
Em resposta ao Comprova, o Ministério do Trabalho informou que a MP 905/2019 teve como principal objetivo produzir um programa de aumento da empregabilidade entre jovens. “O texto foi aprovado na Câmara, mas rejeitado no Senado. O programa teve como atrativo a contratação facilitada do jovem, permitindo o pagamento antecipado de parcelas remuneratórias, bem como a redução de encargos financeiros sobre o empregado contratado”, informou a pasta.
Sobre a desoneração da folha salarial, o ministério entende que “constitui fator importante para aumentar a empregabilidade de grupos específicos objetos de políticas públicas, como os jovens, e pode ser novamente empregada em futuro programa destinado a melhorar a empregabilidade dos jovens, aliada a outras medidas que se entendam pertinentes.”
“É importante registrar que a legislação já permite a adoção de trabalho aos domingos e feriados, desde que autorizados mediante negociação coletiva ou por Portaria do Ministério do Trabalho e Previdência, no caso de atividades que, por sua característica, possuam exigências técnicas, que justifiquem o funcionamento contínuo, o que hoje já engloba uma ampla gama de atividades”, explica o órgão.
Em 12 de fevereiro de 2021, a portaria da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia (SEPRT/ME) nº 1.809, de 12 de fevereiro de 2021 concedeu, em caráter permanente, autorização para o trabalho aos domingos e feriados para 78 atividades distintas, sendo 29 do setor da indústria; 25 do setor de comércio; 8 do setor de transportes; 4 do setor de comunicação e publicidade; 8 do setor de educação e cultura; 1 do setor de serviços funerários e 3 do setor de agricultura e pecuária.
Carteira Verde e Amarela continua nos planos de Bolsonaro em eventual segundo governo
Em caso de reeleição de Bolsonaro, a proposta de contratação de jovens por meio do programa Carteira Verde e Amarela deverá ser reencaminhada para apreciação do Congresso. No dia 1º de outubro, a retomada de propostas para desonerar a folha de pagamento de empresas foi comentada pelo candidato durante sabatina na Rede TV.
Ao ser questionado acerca das ações para aumentar a geração de empregos, o presidente Bolsonaro respondeu (a partir dos 27 minutos) que pretende reapresentar o projeto Carteira Verde e Amarela em eventual segundo governo. “Eu tenho uma proposta que foi rejeitada na Câmara o ano passado, né? Vai ser reapresentada. Chama-se carteira Verde e Amarela”, disse Bolsonaro.
A fala foi destaque em veículos de imprensa como o Gazeta do Povo e Infomoney. Em abril deste ano, a Exame também pautou a intenção do presidente de retomar o programa.
Apesar da sinalização pública de Bolsonaro sobre o tema, o Ministério do Trabalho informou ao Comprova por nota que não há estudos para retomada do Programa Carteira Verde e Amarela.
Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos sobre a pandemia, políticas públicas do governo federal e as eleições presidenciais que viralizam nas redes sociais. As publicações aqui verificadas usam informações descontextualizadas para sustentar proposta de candidato à Presidência da República sobre a legislação trabalhista. O acesso a dados verdadeiros e contextualizados ajuda o eleitor a tomar decisão consciente sobre em qual candidato votar.
Outras checagens sobre o tema: A duas semanas do segundo turno da eleição, o Comprova publicou verificações sobre o tema que mostraram que fala de Lula foi tirada de contexto para sugerir deboche de quem crê na promessa de comer picanha. O projeto também verificou que tuíte atribuído a Bolsonaro com ataques a religiosos católicos é montagem e que vídeo de Bolsonaro criticando direitos trabalhistas é de 2019. Na seção Comprova Explica, mostramos detalhes da Operação Lava Jato ao longo dos anos.
Investigado por: Tribuna do Norte, Correio e O Popular; Verificado por: Uol, Correio do Povo, Plural Curitiba, Estado de S.Paulo, SBT, SBT News, Folha de S.Paulo, Metrópoles, Correio Braziliense, Estado de Minas, O Povo e A Gazeta