Por que os EUA negaram pedido de extradição de pilotos de jato que derrubou avião da Gol?
Joseph Lepore e Jean Paul Paladino foram condenados pela Justiça brasileira pelo crime de atentado contra a segurança de transporte aéreo
Os Estados Unidos disseram não ter encontrado amparo em um acordo com o Brasil para recusar a extradição de dois pilotos envolvidos em um acidente aéreo. Em 2006, Joseph Lepore e Jean Paul Paladino comandavam o jato Legacy que colidiu com o Boeing 737 da Gol e matou 154 pessoas.
Assinado em 11 de fevereiro de 1965, o Tratado Bilateral de Extradição diz que os países concordam “com a entrega recíproca dos indivíduos que, encontrando-se em seu território, tenham sido processados ou condenados” por crimes como “dano doloso e ilegal, em estradas de ferro, trens, embarcações, aeronaves, pontes, veículos, e outros meios de transporte”. O trecho faz referência a “quando o ato cometido puser em perigo a vida humana”.
O tratado ainda fala que os países só irão extraditar indivíduos quando o crime cometido “comina pena de privação da liberdade que possa exceder de um ano”. Lepore e Paladino foram condenados pela Justiça brasileira pelo crime de atentado contra a segurança de transporte aéreo. A pena foi de três anos, um mês e dez dias em regime aberto.
A questão transitou em julgado em 2015. O Ministério da Justiça chegou a emitir a intimação, mas o Departamento de Justiça dos Estados Unidos afirmou que não existe jurisdição para aplicar a sentença brasileira.
O acordo entre Brasil e EUA também diz que “o pedido de extradição poderá não ter andamento se as leis do Estado requerente e as do Estado requerido não autorizam a punição de tal crime”.
Para José Luiz Souza de Moraes, secretário-geral da Associação dos Procuradores do Estado de São Paulo (Apesp) e especialista em Direito Internacional, o tratado não comporta o crime pelo qual os pilotos foram condenados — atentado contra a segurança de transporte aéreo. “Há a possibilidade da extradição por homicídio apenas em casos dolosos. Quer dizer, naqueles em que a pessoa tem a intenção de matar as pessoas.”
“No meu ponto de vista, apesar de triste a não-extradição, não há um descumprimento por parte dos Estados Unidos”, disse Moraes, que lembra não haver “obrigação da entrega de nacionais ao Estado solicitante”. “E isso é recíproco entre esses dois países.”
Na opinião do secretário-geral da Apesp, para não haver impunidade no caso, os pilotos deveriam cumprir a pena nos Estados Unidos, o que precisaria ser solicitado pelas autoridades brasileiras.
Segundo Helisane Mahlke, professora de Direito Internacional da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “dificilmente um país vai extraditar um nacional”. “Vai depender da legislação local, se ela permite algum tipo de responsabilização. Nesse caso, vai depender da lei norte-americana, mas dificilmente esses indivíduos serão extraditados. Pode solicitar o Brasil que eventualmente busque outras alternativas de responsabilização ou algum tipo de indenização, mas é bastante difícil.”
A colisão
O acidente aconteceu no dia 29 de setembro de 2006, quando o Boeing 737-800 da Gol, que voava de Manaus para Brasília, foi atingido em pleno voo pelo jato Legacy, que ia de São José dos Campos (SP) em direção a capital do Amazonas.
O choque entre as duas aeronaves ocorreu por volta das 20h, a 37 mil pés de altitude, no norte de Mato Grosso. A ponta da asa esquerda do jato Legacy colidiu com o Boeing da Gol, provocando a desestabilização e a queda do avião em uma área de floresta. O Legacy conseguiu pousar na Base Aérea da Serra do Cachimbo, no Pará.
A conclusão das investigações foi de que os pilotos do Legacy desligaram o transponder, um aparelho obrigatório que informa a posição e altitude das aeronaves aos controladores de voo, e o TCAS, que informa ao piloto a existência de outros aviões nas proximidades.
Posições
Procurada pela CNN, a Embaixada dos Estados Unidos afirmou que, por uma questão de política interna, não comenta questões de extradição.
O Ministério da Justiça brasileiro comunicou que “casos de extradição são de responsabilidade do juízo no qual se origina o processo.”
“A tramitação de documentos do processo é competência do Ministério da Justiça e Segurança Pública, autoridade central para a cooperação jurídica internacional. Cabe ao Ministério das Relações Exteriores auxiliar o MJSP no encaminhamento da documentação às autoridades estrangeiras competentes, por meio das missões diplomáticas no Exterior”, finaliza.
(com informações da Agência Brasil)