Plano de prevenção apontou mais de 15 mil casas com risco em Petrópolis em 2017
Plano Municipal de Redução de Risco foi apresentado pela prefeitura na época; responsável pelo estudo diz que medidas sugeridas não foram implementadas
No ano de 2017 havia, pelo menos, 15.240 residências no primeiro distrito de Petrópolis em áreas de risco alto e muito alto para deslizamentos de terra. Foi justamente esta a região mais impactada pelas chuvas de terça-feira (15) no município, que já deixaram mais de 100 mortos.
A informação consta do Plano Municipal de Redução de Risco (PMRR) elaborado em 2017 e encaminhado à prefeitura da cidade naquele mesmo ano. O documento elencou ainda que 18% do território de Petrópolis estava, naquele momento, em área crítica, contemplando cerca de 10% da área total urbanizada de todos os distritos.
No total, havia 27.704 casas em regiões de risco alto e muito alto, em locais em grande parte dentro de áreas de preservação permanente (APP’s), como publicado pelo portal UOL.
Naquele período, foram identificados pelo plano, feito pela empresa Theopratique Obras e Serviços de Engenharia e Arquitetura, 102 áreas de risco alto e muito alto no primeiro distrito (Petrópolis); 39 no segundo (Cascatinha); 35 no terceiro (Itaipava); 32 no quarto (Pedro do Rio); e 26 no quinto (Posse).
O estudo apontava ainda que 7.177 famílias precisavam ser reassentadas, o que corresponde a 25,9% das que moravam em locais de risco.
Com o estudo em mãos, a prefeitura chegou a divulgar o PMRR em seus canais oficiais, apontando para a necessidade de medidas de contenção de riscos, como “limpeza de rios e canais de drenagem, obras de drenagem, obras de contenção, reflorestamento de áreas degradadas, desmonte ou fixação de blocos de pedras (ou até mesmo a implantação de barreiras dinâmicas) e reassentamento de pessoas que moram em áreas de risco alto e muito alto, com consequente demolição das moradias e recuperação ambiental do espaço”.
A CNN tentou contato com a prefeitura de Petrópolis para saber o que foi feito em relação às medidas elencadas como fundamentais para reduzir os riscos de desastres por causas naturais, mas que poderiam ser evitados em decorrência de prévia ação humana. Porém, até o momento, não houve resposta.
O documento enumerou algumas medidas que precisavam ser feitas para mitigar os riscos de desastres no município. Tais como “criar estratégias visando informar e sensibilizar as famílias que ocupam áreas de Risco Alto e Muito Alto; incorporação do PMRR ao Plano Diretor do Município e congelamento quanto a reformas, ampliações e novas construções em todas as áreas de Risco definidas no PMRR para todos os distritos”, dentre outras.
No entanto, conforme disse à CNN o engenheiro geotécnico Luís Carlos de Oliveira, um dos responsáveis pelo PMRR, o que se observou ao longo destes cinco anos foi o oposto em relação ao controle da densidade habitacional nestas áreas de perigo iminente.
“Todas as reflexões feitas após o estudo indicam para questões estruturais de urbanização, controle urbano e de soluções de habitação – e não apenas obras estruturais. Em toda a região onde ocorreu a catástrofe desta terça-feira foi observado um adensamento nesses locais, com aumento e intensificação da ocupação nesses últimos anos”, destacou o especialista.
Ele diz que somente realizar obras estruturais e não se ater à urbanização seria como “enxugar gelo”. “Tem obras preventivas de drenagem, de barreiras, que poderiam mitigar os impactos desse tipo de acidente, que poderiam reduzir os danos e perdas materiais e de vidas humanas em tragédias como essas, mas é impossível zerar os riscos se não resolvermos ou não nos preocuparmos com a questão de moradia e controle habitacional”.
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O engenheiro chama atenção para a necessidade de um trabalho conjunto entre município, estado e União para colocar em prática as ações necessárias no enfrentamento a desastres do tipo.
“Essas soluções envolvem o desencadeamento de recursos municipais, estaduais e da União. Por isso que as coisas não encontram solução. E ainda há a descontinuidade de alguns programas habitacionais, como o Minha Casa Minha Vida, por exemplo, para realocação da população nestas áreas de risco”, disse.
“A prefeitura tem feito o papel dela, dentro do possível, de criar projetos e tentar captação de recursos, mas é difícil. Precisamos de uma política de três poderes continua, não só nesses momentos de tragédia e comoção”, finalizou.
Este estudo geotécnico encaminhado à prefeitura é um dentre vários que o município de Petrópolis dispõe. Segundo Ingrid Ferreira, PhD em geociências e consultora em Gestão de Riscos de Desastres, a cidade serrana é uma das que possuem maior conhecimento técnico em relação a riscos geológicos.
Apesar disso, Ferreira lamenta que todo esse conhecimento e materiais produzidos não estejam gerando uma eficácia prática no combate e prevenção dos problemas geológicos.
“Infelizmente o que esses desastres ocorridos em Petrópolis mostram é que ainda há uma falta de estrutura e também uma ausência de gestão de risco de desastres, o que gera desconfiança na solução do problema. É preciso adotar medidas para redução de risco para novas tragédias, e isso precisa passar pela adoção de políticas públicas conjuntas”, pontuou.
A doutora em geociências, assim como havia feito quando da tragédia em Capitólio (MG), voltou a reforçar a necessidade de o governo federal e os estados e municípios reforçarem seus quadros técnicos com geólogos e geotécnicos.
“Petrópolis é uma cidade que tem uma boa estrutura de defesa civil e corpo técnico que sabe gerenciar esse tipo de problema, mas ainda assim há a necessidade de os poderes investirem mais nos recursos humanos e logísticos para gerenciar esse tipo de desastre”, afirmou.
“Precisamos de profissionais capacitados e treinados nas prefeituras das cidades brasileiras. Sem isso, a demanda é muito grande para gerenciar os risco que determinadas cidades, como Petrópolis, possuem. O Brasil atualmente tem enorme carência de equipes de geólogos e geotécnicos”, concluiu Ferreira.
A tragédia em Petrópolis começou na noite da última terça-feira após, em apenas quatro horas, ter chovido mais do que em toda a média histórica observada para o mês. Segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), a chuva na cidade foi a maior registrada na história da cidade.