O Grande Debate: Quebra de sigilo de parlamentares é justificada?
Thiago Anastácio e Gisele Soares também falaram sobre a declaração do ministro Celso de Mello, do STF, sobre autoritarismo
O Grande Debate da manhã desta quarta-feira (17) abordou a quebra de sigilo financeiro de dez deputados e um senador como parte do inquérito que investiga a organização e o financiamento de atos antidemocráticos no Brasil. Todos os alvos são da base do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) no Congresso Nacional.
A decisão foi consequência de uma análise detalhada da Procuradoria-Geral da República sobre o financiamento de atos que pedem, além de intervenção militar, o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso.
A operação ocorrida na terça-feira (16) está ligada ao inquérito que investiga a origem de recursos e a estrutura de financiamento de grupos suspeitos da prática de atos antidemocráticos. As buscas foram requeridas pela PGR e determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
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A mediadora da edição matinal do quadro da CNN, Carol Nogueira, questionou os advogados Thiago Anastácio e Gisele Soares se a decisão de quebra de sigilo é justificada ou apenas mais um capítulo na queda de braço entre o presidente e o STF.
Gisele afirmou que “toda decisão judicial precisa ser justificada e fundamentada”, mas que não teve acesso à decisão da quebra de sigilo para verificar quais foram os fundamentos legais.
Ela descreveu como “extremamente duras e invasivas” as ordens de quebra de sigilo e busca e apreensão, que ela classificou como “invasão de escritórios, gabinetes e residência”.
“Embora parlamentares tenham uma vida pública e tenham, inclusive, parte dela exposta até por determinação legal, esses atos são todos extremamente rígidos, duros e violentos do ponto de vista dessa invasão de privacidade do ambiente familiar e profissional”, considerou.
Anastácio também avaliou que uma conclusão dependeria “de ter a decisão em mãos”. “Sem isso é impossível fazer análise da decisão específica ao caso”, justificou.
De forma geral, ele ressaltou a importância da coleta de provas na investigação e citou que, algumas vezes, elas estão dentro da intimidade de cada um, que “só pode ser violada dentro de alguns critérios”.
“O primeiro deles é a estreita observação e autorização do Poder Judiciário. O segundo ponto é que essas medidas nunca podem ser as primeiras a serem tomadas”, explicou. “Elas já devem vir embasadas por uma série de elementos de prova, que já esgotaram o que podiam esgotar, e os fatos só puderem ser descobertos a partir da violação dos sigilos”, acrescentou ele.
Autoritarismo
Thiago Anastácio e Gisele Soares também abordaram a declaração do ministro Celso de Mello, do STF, que citou autoritarismo e vocação de ditadores, no início da sessão da Corte na terça.
O decano afirmou que é “inconcebível” que ainda sobreviva no aparelho de Estado brasileiro um “resíduo de forte autoritarismo, que insiste em proclamar que poderá desrespeitar, segundo sua própria vontade arbitrária, decisões judiciais” e que “enquanto houver cidadãos dispostos a submeter-se ao arbítrio, sempre haverá vocação de ditadores”.
Ao responder se há resquícios de autoritarismo no estado brasileiro, Gisele questionou a que momento da história política ele estava se referindo e avaliou que o ministro “precisa tomar bastante cuidado com as falas e as mensagens que tem passado ao público”.
“São falas impróprias em um momento que há já uma grande tensão e uma série de operações e investigações que são bastante duras. É preciso que se tome esse cuidado, porque o Poder Judiciário precisa auxiliar na harmonia entre os poderes”, considerou.
Para ela, Celso de Mello ainda sugere que “as pessoas são capazes de fazer boas escolhas e que, neste caso, o Judiciário e os outros poderes precisariam auxiliá-las nessa boas escolhas”. “Essas são falas próprias do Judiciário que deve ser imparcial e isento. Não é o momento desse tipo de manifestação extremada”, criticou.
Anastácio defendeu que “falar de autoritarismo é falar de morte das ideias e das liberdades”. Anastácio citou o escritor Nelson Rodrigues ao mencionar que “o torturador tem câncer na alma” e acrescentou: “Não confundam os 57 milhões de votos de Bolsonaro com legitimidade para que alguns deles não possam ser investigados por violação ou tentar violar o regime democrático institucional”.
Para o advogado, que defendeu a posição do decano do Supremo, Celso de Mello “é o que menos fala na Corte e está falando com razão”. “Nós temos horror à ditadura, essa Carta da República não admite isso”, concluiu.
Considerações finais
Em suas considerações finais, Gisele classificou a palavra ditadura como “absolutamente abjeta e que não podemos aceitar”. “Mas não podemos aceitá-la de nenhum dos poderes”, criticou.
“É importante que todos os dias nos lembremos que o poder emana do povo, que esse poder é nosso e que nós outorgamos àqueles que são eleitos para exercer sua função de nos servir”, acrescentou ela, que ainda defendeu que o povo “não deve ser tratado como pessoas que sabem escolher seus eleitos, mas como quem tem o poder”.
“Não cabe ao Judiciário nem ao Parlamento retirar destes eleitos o poder que foi outorgado pelas pessoas, portanto, é importante que cada instituição saiba e exerça sua função típica, cuidando desses excessos e críticas, muitas extremadas, para que tudo não vá parar no Poder Judiciário”, finalizou.
Anastácio concluiu demonstrando “preocupação com palavras que escondem fatos” e fez críticas. “Vamos dizer que fatos não são relevantes para dizer que é muito improvável que não existam atos contra a democracia vindos de setores progressistas? Quem mundo é esse? Parece que há uma grande perturbação ideológica e psicológica desse país”, avaliou.
“Estamos falando de barbárie e perseguição, de um povo que deve ser criticado porque louvam o novo nazismo e a tortura. O presidente da República falou sobre o horror de Dilma Rousseff e o general que a torturou. Sabe do que precisamos? É de vergonha na cara e não de legislação”, encerrou.
Ouça na íntegra:
(Edição: Sinara Peixoto)