O Grande Debate: monitorar celulares é invasão ou defesa contra a COVID-19?
Augusto de Arruda Botelho e Caio Coppolla também discutiram sobre as melhores maneiras de ajudar micro e pequenas empresas a superar a pandemia
O Grande Debate da noite desta terça-feira (14) abordou três temas. O primeiro assunto foi o uso de geolocalização como medida para evitar aglomerações. Depois, Caio Coppolla e Augusto de Arruda Botelho discutiram medidas para ajudar as pequenas e médias empresas. Por último, debateram quais podem ser as consequências para o combate a pandemia de coronavírus dos recorrentes atritos no governo federal.
Augusto iniciou a argumentação criticando a formulação da pergunta sobre a geolocalização. Para ele, esse é um “falso dilema”, e diz que a questão é menos grave do que fizeram parecer. “Os dados que vão ser usados pelo governo são anônimos, diz respeito apenas ao aparelho e à localização dele. Mais do que isso, os dados são consolidados e enviados apenas no dia seguinte, então não há monitoramento em tempo real. A própria Comissão Europeia vem incentivando o uso dessas tecnologias, e defendem a expansão de suas funcionalidades para verificar onde doentes passaram”, disse.
Já Caio abriu sua fala com uma frase de Benjamin Franklin que diz que “aqueles que abrem mão das liberdades essenciais para segurança momentânea não merecem nem uma coisa nem outra”. “Uma coisa é abrir mão consensualmente de seus dados em relação comercial com as operadoras, outra é permitir que o governo use eles para monitoramento. A pandemia é transitória, mas seu impacto depende como iremos superar ela”, afirmou.
Em relação à questão de violação de direitos fundamentais, Augusto disse que o próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assinou duas leis que abrem espaço para maior controle de dados pessoais pelo governo. “Um decreto assinado por Bolsonaro em 2019 criou o cadastro base do cidadão que compila todos os dados pessoais de uma pessoa, até detalhes de seu rosto. Já a medida de 6 de fevereiro de 2020, que trata da pandemia, diz que é obrigatório o compartilhamento de dados essenciais para a identificação de pessoas infectadas ou com suspeita de coronavírus. Falta de coerência do governo federal para criticar a medida”, disse.
Caio então afirmou que a responsabilidade das leis é compartilhada, pois foram aprovadas pelo Congresso, e acrescentou. “A decisão de usos de dados anônimos é legítima. O grande problema é usá-la para fins coercitivos, como aventado pelo governador [de São Paulo, João] Doria, que chegou a cogitar multar e até prender quem não respeitasse a quarentena”, disse.
Como ajudar pequenas e médias empresas?
O segundo tema do debate foram as ações focadas nas micro e pequenas empresas, setores entre os mais afetados pelo isolamento social.
Para Caio, o problema não está nas medidas, mas sim na classe política, que, segundo ele, criou “duas classes de cidadãos”, um que trabalha no serviço público e outro no privado. “Essa elite não está reduzindo seus vencimentos durante o isolamento. Mantém sua renda intacta enquanto proíbe o autônomo de trabalhar. Ele tem imunidade financeira e fiscal”, afirmou.
Já Augusto citou conversa com um especialista no assunto, Guilherme Afif Domingos, atualmente assessor especial do Ministério da Economia. “O governo já está em estágio avançado de negociação com a Caixa Econômica Federal para liberar uma linha de crédito que irá fornecer até 50% do faturamento da empresa por três meses, com carência de 6 meses e parcelamento em até 24 vezes. Me parece uma iniciativa bastante inteligente e saudável para garantir o capital de giro das empresas”, disse.
Caio voltou a citar os problemas do funcionalismo público, e disse que a medida de liberação de crédito para garantir capital de giro e sobrevivência das empresas é “enxugar gelo”. “Enquanto o Brasil tiver duas classes de trabalhadores, enquanto não mudarmos o mindset da elite política, o país não vai para frente”, afirmou.
Em relação à crítica de Caio, Augusto disse concordar com a necessidade de que “todos cortem da própria carne”, mas se disse contra ao que chamou de “demonização da política”. “Não gosto do discurso de só falar mal da classe política. Se olharmos para o estado de São Paulo, há ações para diminuir gastos. Eles podiam estar fazendo malis, mas algo está sendo feito”, disse.
Caio disse então: “Acho legítimo elogiar iniciativas, mas o Parlamento se recusa a liberar os R$ 3 bilhões do fundo eleitoral, estão criando uma farra fiscal nos estados com o orçamento de guerra”.
Como as tensões afetam a crise?
O último assunto do debate foram as tensões entre Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e como isso afeta a condução da crise do coronavírus no Brasil. Augusto disse que até mesmo sua vida pessoal é afetada pelo que chamou de “novela”, e reiterou a necessidade de coordenação para o enfrentamento do problema. “Não é o momento de disputa política, mas sim de serenidade, ciência e, principalmente, de coordenação entre o presidente e o ministro da Saúde. A novela faz um mal enorme a todos”, disse.
Já Caio disse que Mandetta perdeu o timing de suas disputas com o presidente. “Se ele tivesse saído na última segunda feira (6), sairia como herói moral, mas ele foi perdendo a unanimidade, e como nada é binário, gradualmente pessoas foram vendo o passado dele e questionando suas decisões”, afirmou.
Argumentos finais
Em sua fala final, Augusto disse que a terça-feira (14) foi um dia marcado por más notícias, e que momento não é de se fazer política. “Um estudo de Harvard traz previsão de que teremos isolamento intermitente por vários anos caso não encontremos vacina. O isolamento na cidade de São Paulo caiu em 50%, tivemos dois governadores que testaram positivo hoje. Os Principais hospitais de referência de São Paulo já estão com 70% dos leitos ocupados. Diante de tudo isso, é preciso resolver com estudo e medicina”, disse.
Caio concordou com Augusto e defendeu a pluralidade das vozes para tratar a questão. “Concordo com as palavras do Augusto. O que falta no debate público é o apreço pela ciência, por escutar vozes plurais. O estudo de Harvard traz tom alarmista, mas não podemos refutá-los pela nossa vontade. Estamos discutindo coisas que transcendem questões ideológicas, mas não podemos confundir politização a fazer críticas à administração do nosso dinheiro”, afirmou.