O Grande Debate: Bolsonaro deve divulgar exames médicos sobre COVID-19?
Thiago Anastácio e Gisele Soares ainda discutiram a declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre congelar salários de servidores em meio à COVID-19
Com participação dos advogados Thiago Anastácio e Gisele Soares, O Grande Debate desta terça-feira (28) abordou a decisão da Justiça para que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apresente todos os laudos médicos de testes da COVID-19.
Em março, Bolsonaro passou por exames para o novo coronavírus e afirmou, em posts nas redes sociais, que todos tiveram resultado negativo. À época, o presidente foi questionado se não seria importante divulgar o resultado devido à sua relevância pública, e ele apenas disse que a imprensa estava torcendo contra ele. Em meio à situação de isolamento social, recomendada pela Organização Mundial de Saúde e reforçada pelo próprio Ministério da Saúde, o presidente se encontrou com apoiadores em ruas e comércios, como um bar e uma padaria no Distrito Federal. A postura levanta questionamento, de opositores, se ele estaria contribuindo diretamente para a disseminação da doença.
A pergunta feita aos debatedores nesta terça foi se o presidente deve tornar públicos os exames médicos dele? Thiago e Gisele também falaram sobre a declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, que sugeriu congelar salários de servidores para equilibrar os gastos com o combate ao novo coronavírus.
Gisele Soares iniciou o debate questionando a legitimidade da ação do jornal O Estado de S. Paulo, que obteve na Justiça o direito de ver os exames, do presidente. Ela defende que o resultado prático disso, do ponto de vista do interesse processual, está superado. Com isso, Bolsonaro não teria obrigação de mostrar os exames.
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Thiago Anastácio disse ter “diversas críticas à decisão, mas em razão de outros recortes”, incluindo o fato de ter sido proferida por um juiz federal. Contudo, o advogado defendeu o pedido do jornal. “Evidentemente que é uma personalidade jurídica privada, mas exerce um múnus público – que é o de informar –, e essa ação pode ser vista como a instrumentalização desse dever”, pontuou.
Mediador do debate, Reinaldo Gottino aproveitou para incluir um novo olhar sobre a pergunta principal. “O presidente deveria ter apresentado o resultado exame que ele fez?”.
Gisele considerou que não. “O presidente tem o direito a inviolabilidade da sua privacidade, honra e imagem e, especialmente, neste caso, porque ele, no passado, foi ferido por uma facada”, citou ela, fazendo referência ao ataque sofrido por Bolsonaro durante um ato de campanha em Juiz de Fora, nas eleições de 2018. “Então é muito importante que a saúde do presidente goze de uma preservação especial”, acrescentou.
Thiago citou “o dever ético” ao abordar o questionamento. “A partir disso, assim como todos os políticos ao redor do mundo, o presidente da República deveria ter feito”, defendeu. Gisele Soares interrompeu o advogado para lembrá-lo de que Bolsonaro falou sobre o diagnóstico. “Ele deu as declarações e falou quais foram os resultados, só não apresentou os documentos”, disse.
O advogado citou que esse era o ponto dele. “Este é o grande equívoco nas argumentações. O presidente, por vontade própria, já não goza mais do sigilo e por uma razão: ele já o abriu ao afirmar que não teve [o novo coronavírus]. Agora estamos falando de uma verificação de legalidade de ato do presidente”, completou.
Gottino voltou ao debate e perguntou: “Mas só a fala do presidente já não é suficiente?”, quis saber. Thiago Anastácio imediatamente respondeu: “Mas é dele, Gottino. Ele disse e já abriu o sigilo, sendo que poderia ter dito que não falaria sobre o assunto e resguardar o sigilo”.
Gisele Soares discordou e rebateu. “Em primeiro lugar, se o presidente declarou, ele goza de presunção de veracidade, então discordo. Não acho que declarações precisam, a toda hora, de meios comprovatórios fidedignos. Para mim não faz muito sentido”, criticou.
O mediador colocou mais uma reflexão para os debatedores. “Dependendo do resultado, esse teste pode ter consequências, não?”, quis saber.
Gisele considerou que as consequências de um eventual resultado positivo seriam “apenas para o presidente” e questionou: “Mas por que a desconfiança na palavra dele? Por que, no Brasil, a palavra das pessoas não vale? Essa é uma lógica ruim que vai na contramão de todos os valores de cidadania que a gente quer e ensinar para as crianças”.
Thiago citou que o eventual resultado positivo significaria quebra de decoro e crime de responsabilidade. “Se mentir à nação como chefe dela não é quebra de decoro, nada mais é”, classificou ao ser interrompido por Gisele, que voltou a falar sobre a segurança da saúde de Bolsonaro. Ele rebateu: “Isso é uma coisa. Outra é ele ter praticado um ato à nação, que deve ser sempre lastreado”.
Considerações finais
Thiago Anastácio conclui sua participação dizendo que Bolsonaro “deve expor o exame porque deixou de ser indivíduo e passou a ser chefe de estado”. “Até para chegar lá se obriga que ele mitigue direitos, então este é um debate complexo e acho que seria muito salutar que ele viesse a público e mostrasse o documento”, afirmou, acrescentando que não acredita que isso irá ocorrer. “Porque ele sabe que, se foi contagiado, poderá ter problemas graves na violação de decoro que o presidente deve ter”, completou lembrando do contato físico de Bolsonaro com outras pessoas desde o início da pandemia.
Gisele Soares argumentou que “este é um momento de valorização das virtudes e das palavras”. “Nós precisamos deixar de exigir que as pessoas comprovem tudo o que elas dizem. É muito importante ter a comprovação, mas, neste momento de cidadania, é ainda mais, que valorizemos os comportamentos éticos e declarações”, defendeu. “Devemos respeitar a esfera de intimidade, a privacidade e a vida individual de cada um sem que isso comprometa o cargo que ocupam se não há uma relação direta. Mitigação de direitos não significa aniquilá-los”, finalizou.