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    Marco Legal do Saneamento gera expectativa de melhoras em comunidades carentes

    A incidência de infectados a cada 100 mil habitantes é maior nos estados da região Norte, justamente a mais atrasada em saneamento no país

    Talis Maurício, da CNN em São Paulo

     

    Metade da população brasileira não tem acesso à coleta de esgoto, e 35 milhões vivem sem água potável. A falta de saneamento, um dos setores mais atrasados da infraestrutura interna, escancara a desigualdade social no país, ainda mais em tempos de pandemia. 

    O Novo Marco Regulatório do Saneamento, aprovado pelo Congresso, promete mudar essa realidade. “Como é viver sem água? É uma coisa que você não sabe o dia de amanhã. Você toma uma água hoje e amanhã você não sabe se você vai estar bem”, diz a dona de casa Eliane Soares, moradora da Comunidade Anchieta, no Grajaú, periferia da Zona Sul de São Paulo.

    A área é particular e foi ocupada em 2013. Hoje, mais de 4 mil pessoas vivem no local, a maioria em casinhas de madeira. Sem coleta de esgoto, a alternativa é a mais rudimentar: fossa séptica. Um buraco cavado na terra com cerca de dois metros de profundidade, o que não evita transbordamentos. “Fica aquele mal cheiro. As nossas fezes caem tudo ali. Aí de vez em quando, quando a gente está jantando, almoçando, tomando café sobe aquele odor. Faz até mal mesmo pra gente, pra vizinha que tem a filha dela pequena”, conta o autônomo Breno da Silva Noronha.

    Com a pandemia da Covid-19, realidades assim trazem a seguinte questão: como exigir higiene dessas pessoas, ou que lavem as mãos? O Instituto Trata Brasil divulgou um estudo que mostra a relação entre a falta de saneamento e o novo coronavírus.

    A incidência de infectados a cada 100 mil habitantes é maior nos estados da região Norte, justamente a mais atrasada em saneamento no país. Na comunidade, 14 pessoas já testaram positivo para a doença, e quase 100 casos estão em investigação. “Aqui as crianças… não só as crianças, mas os adultos também, sofrem pela falta de saneamento. Há muitos problemas causados pela falta de saneamento. Já tivemos aqui leptospirose causada pelos ratos, porque não é só a falta de água, do saneamento. A gente convive com os ratos até dentro das nossas próprias casas”, reclama a líder comunitária Elizabete da Silva.

    Novo Marco Regulatório do Saneamento

    São Paulo é o estado mais rico da federação. O saneamento avança para a universalização. Ainda assim, é possível encontrar realidades como a da Comunidade Anchieta dentro da capital paulista. Foi com a promessa de reduzir essa desigualdade social, que é ainda maior no Norte e no Nordeste do país, que os parlamentares aprovaram o Novo Marco Regulatório do Saneamento.

    A medida põe fim ao atual modelo de contrato entre municípios e empresas estaduais de saneamento, e torna obrigatória a licitação, o que vai incentivar a participação da iniciativa privada, que hoje atua em menos de 10% do setor. Também facilita a privatização das empresas estatais. E o mais ousado: exige a universalização do acesso à água, coleta e tratamento de esgoto até dezembro de 2033, quando termina o prazo do Plano Nacional de Saneamento Básico.

    Com os indicadores atuais, que revelam um abismo social entre regiões, a economia travada e ainda mais prejudicada pela pandemia do novo coronavírus, defensores do projeto avaliam a abertura como a única alternativa para uma mudança. “O próprio ministro da Economia deixa claro que se for depender do Estado, do governo federal, o saneamento não vai andar. Então, a gente precisa trazer outras empresas, outra forma de capital, mais modernidade, competição. É um setor que é monopólio, então as empresas não competem com ninguém. Não são cobradas pelos prefeitos, não tem metas para cumprir em muitos casos. Então, isso criou esse atraso”, avalia o presidente do Instituto Trata Brasil, Édison Carlos. 

    O senador Tasso Jereissati, relator do projeto de lei, avalia que o Novo Marco Regulatório do Saneamento vai trazer investimentos para o Brasil, e gerar cerca de 1 milhão de empregos nos próximos 5 anos. É uma das maiores possibilidades de investimento e retomada do crescimento econômico do nosso país. 

    Mas, a aprovação da medida não é consenso. Críticos avaliam que o tema foi pouco debatido, e não deveria ser votado no Senado em uma sessão remota. Para Roberval Tavares, presidente da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental, a exclusão social pode até aumentar. Isso porque empresas privadas dificilmente vão mostrar interesse econômico nos pequenos municípios, que não são rentáveis. Ele explica que isso já acontece em Tocantins. “Com isso, os municípios grandes vão partir para uma lógica de avanço, no nosso entendimento. Aconteceu isso no Tocantins, aonde os 78 municípios maiores tiveram avanço nesses 20 anos. Avanço pequeno, mas tiveram. E os outros 48 municípios do Tocantins tiveram regresso com relação aos indicadores de saneamento”.

    Segundo o IBGE, o Brasil tem mais de 1200 municípios com menos de 5 mil habitantes, o equivalente a 22% das cidades brasileiras. “Ele, o texto, sofre de carência muito forte em relação ao atendimento a todos os brasileiros”, complementa Tavares. 

    O senador Tasso Jereissati garante que o problema foi solucionado na atual versão do texto, com um mecanismo chamado “blocos regionais”. “Numa concorrência, numa licitação para um município como Maceió, que é atrativo, aquela concorrência que abrir pra Maceió vai ter que atender outros 20 municípios, por exemplo, juntos com Maceió. Então, faz um bloco regional, e esse bloco obriga que sejam atendidos os municípios mais ricos e os menos favorecidos”.  

    Se o país vai avançar em saneamento, veremos nos próximos anos. O que milhares de brasileiros como os moradores da comunidade Anchieta desejam é que essa não seja uma falsa promessa. “Nós acreditamos que nós seremos vistos agora. Esse saneamento irá chegar até nós e nós poderemos ter, pelo menos na parte de saneamento, uma dignidade melhor”, afirma a líder comunitária Elizabete da Silva.

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