Lava Jato do RJ aponta indício de fraude em compra de álcool em gel pela Marinha
'Dá para todo mundo morder uma farpela', diz militar em gravação
Investigadores da Operação Lava Jato do Rio apontaram que há indícios de fraude na compra de álcool em gel pela Marinha, feita como medida de combate ao novo coronavírus. Apontado como um dos principais operadores financeiros do empresário Mário Peixoto, Alessandro Duarte, também empresário, aparece em mensagens combinando a simulação de preços para compra emergencial do item. Peixoto é um dos principais fornecedores de insumos para o governo do Rio desde que o governador do estado era Sérgio Cabral (2006-2014). Tanto Peixoto como Duarte foram presos nesta quinta-feira (14), no âmbito da Operação Favorito.
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De acordo com a denúncia, Alessandro era monitorado pelos investigadores quando começou a trocar mensagens para elaborar atos fraudulentos para se aproveitar da possibilidade de contratações emergenciais para combate ao coronavírus. Em fevereiro, o empresário começou a trocar mensagens com um militar da Marinha para combinarem uma forma de fraudar a licitação para compra de álcool gel. O Ministério Público Federal conclui, pelos diálogos obtidos a partir de gravações autorizadas pela Justiça, que dois conseguiram influenciar a licitação e ganharam a compra. No dia 28 de fevereiro, o militar procura Alessandro e pergunta: “Deixa te falar contigo (sic) rapidinho. Você consegue três preços diferentes com três CNPJ?”. Alessandro responde que sim, e ambos começam a combinar o esquema. No fim da conversa, o militar diz: “dá para todo mundo morder uma farpela”, uma gíria para dinheiro.
No dia 19 de março, a dupla volta a conversar, de acordo com a denúncia do Ministério Público, para combinar a entrega do material. As investigações revelaram que, depois de fraudar a compra de álcool em gel, a dupla pretendia continuar se expandindo e violar as regras de outras licitações para combate ao coronavírus. “Os diálogos acima transcritos demonstram não apenas fraudes pontuais para a aquisição de insumos por órgão da Marinha do Brasil, mas retratam um vínculo de confiança e parceria estabelecido entre o empresário Alessandro Duarte e funcionário público militar no exercício do cargo, para o direcionamento de contratos em curso, com o auxílio de terceiros e com risco em potencial de se ampliar”, afirmou o Ministério Público Federal. Os documentos do MPF, obtidos pela CNN, não trazem informações quanto aos valores das licitações.
Em nota, a Marinha informou que “instaurou procedimento administrativo para apuração dos fatos” e que “zela pela lisura nos procedimentos de aquisição de material”. A defesa de Alessandro Duarte não se pronunciou. Responsável pela decretação das prisões, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal Criminal do Rio, determinou que o MPF envie uma cópia dos autos para Justiça Militar, para apurar a conduta do militar que participou do esquema.
Veja trechos dos diálogos do dia 28 de fevereiro.
Militar: Deixa em te falar contigo rapidinho. Você consegue três preços diferentes com três CNPJ?
Alessandro: Consigo! Tem aí o volume que precisa?
Militar: Vou ver o volume … vai ser um volume grande. Todo quartel. Mas vai ser pior, não precisa fazer licitação. Vai ser com urgência, entendeu?
Alessandro: Então, DL (sic).
Militar: Ou vai pagar em dinheiro ou em (inaudivel). Mais fácil fazer compra.
Alessandro: Mais fácil. Tem que ver se está cadastrado no Siga ou Sicaf [sistemas para cadastro de fornecedores].
Militar: Deixa comigo.
Alessandro: Pega todas as informações que precisa.
Militar: Eu sempre faço. Eu só preciso que você mande para mim três preços diferentes. Eu sou ‘playmobil’, eu trabalho com (inaudível) e preço licitatório. Eu sou várias coisas amigão, eu sou multiuso (…)
Alessandro: (risos)
Militar: Eu pensei em você, “oxa eu vou falar com o Alessandro que é uma boa para ele”…
Alessandro: Qualquer coisa que pensar em serviço, lembra de mim primeiro.
Militar: Eu vou lembrar de você primeiro. De repente, eu consigo te arrastar aqui para dentro.
Alessandro: Se tiver outro amigo que faça isso, a gente divide.
Militar: Eu vou fazer contigo.
Alessandro: Pensa nos dois. Bota na mesa.
Militar: Dá para todo mundo morder uma farpela. Eu vou mandar para você o que eu quero por email ou mando pelo zap e você vai me mandar uma email para mim formalizando com três empresas. Eu vou pegar a empresa mais barata e vou fazer a compra. Tem nada de mais não, Alessandro, mas a documentação que precisa também precisa de certidão de balanço, essas coisas.