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    Fornecedora de cloroquina do Exército foi consultada um mês antes de concorrente

    Aquisição custou 167% a mais que compra feita anteriormente em março deste ano

    Luiz Fernando Toledo, da CNN, em São Paulo

    O Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEx) procurou o grupo Sul Minas, responsável pela venda de insumos para fabricação de cloroquina, quase um mês antes em relação à única concorrente a participar da disputa e antes da formalização de qualquer processo público de consulta de preços. É o que mostram novos documentos públicos analisados pela CNN.

    A aquisição do produto pelo governo federal é investigada hoje pelo Tribunal de Contas da União (TCU) por suposto superfaturamento, pois custou 167% a mais do que compra feita dois meses antes com a mesma empresa, em março deste ano.

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    O LQFEx já fabrica a cloroquina há anos para tratamento de malária, mas entrou em evidência em 2020 ao ampliar a produção para atender às demandas de distribuição do Ministério da Saúde de tratamento para a Covid-19. O remédio não tem eficácia comprovada contra a doença.

    A Sul Minas foi procurada informalmente pelo Exército no dia 1º de abril por e-mail, ou seja, sem que nenhum processo de compra tivesse sido formalizado. É o que a própria corporação informou à CNN por meio da Lei de Acesso à Informação. “O envio da cotação pela empresa Sul Minas foi apenas uma resposta de solicitação de cotação com a intenção de começar um processo de aquisição. Entretanto não houve montagem de nenhum processo nesta época”. diz o texto enviado. Para especialistas em administração pública ouvidos pela CNN, a empresa Sul Minas pode ter sido favorecida com este contato prévio. 

    Solicitação do Exército à empresa Sul MinasFoto: CNN
    Laboratório procurou empresa no dia 1º de abril, um mês antes de concorrente
    Laboratório procurou empresa no dia 1º de abril, quase um mês antes de concorrente e fora de processo de compra formalizado
    Foto: CNN

    Cópia de e-mails entre o laboratório do Exército e a empresa mostram que o pedido de orçamento da Divisão de Planejamento, Controle e Apoio Logístico foi enviado ao grupo Sul Minas no dia 1º de abril de 2020. “De acordo com a liberação da Anvisa do medicamento Cloroquina 150 mg como adjuvante no tratamento de formas graves do Covid-19, solicito verificar o preço e o prazo de entrega de 1.400 kg de difosfato de cloroquina, conforme especificação anexa”, diz o e-mail. Difosfato de cloroquina é a substância usada para fabricar o remédio. O documento do pedido é assinado pelo Coronel Haroldo Paiva Galvão, diretor do laboratório.

    No dia 13 de abril a Sul Minas responde à solicitação com uma proposta de R$ 2,2 mil por quilo, que foi considerada cara pelo Exército, já que a última venda, feita pela mesma empresa, tinha sido a R$ 488 por quilo, em março de 2020. No e-mail enviado ao laboratório, um representante da empresa diz que “o orçamento do produto está atualizado em conformidade com os custos atuais, incluindo-se os valores de frete aéreo, impostos e taxas”. 

    O Exército decidiu não prosseguir com a compra naquele momento, mas em seguida abriu um processo de aquisição formal, que, mesmo durante a pandemia, exige que o órgão público procure concorrentes, faça cotações de preço na internet em sites especializados e busque o histórico de compras do mesmo produto pelo governo federal, dentre outras medidas. 

    Mesmo assim, somente uma concorrente foi consultada, a empresa MCassab. Segundo o Exército informou à CNN, houve contatos via telefone com “várias empresas”, mas somente a Sul Minas e esta única concorrente responderam, “por possuírem autorização de importação do Insumo Farmacêutico Ativo – IFA Cloroquina”. 

    A CNN pediu ao Exército e à Anvisa que explicassem quem tem autorização para importar este tipo de material no Brasil. Segundo a Anvisa informou à reportagem, não existe autorização específica para importar um produto ou outro, mas sim uma autorização geral de funcionamento da empresa. “Para atuar em qualquer etapa da cadeia de medicamentos a empresa tem que ter Autorização de Funcionamento (AF) da Anvisa. A AF é emitida por atividade. Exemplo: fabricar, distribuir, exportar, importar, etc”, disse a Agência, em nota. Já o Exército não informou, até o fechamento desta reportagem, a lista de empresas que poderia ter procurado com base neste critério.

    A troca de e-mails com a empresa concorrente MCassab mostra que eles só foram procurados no dia 28 de abril, praticamente um mês depois do primeiro contato com a Sul Minas para pedir orçamento. A MCassab fez uma oferta de venda a R$ 1,8 mil por quilo – portanto mais barata do que a primeira oferta que havia sido feita pela Sul Minas durante a consulta informal.  Mas não ganhou.

    Pedido de cotação a MCassabFoto: CNN

    A Sul Minas foi novamente consultada, agora dentro do processo formal de compras, e desta vez melhorou o preço para R$ 1.304 por quilo. O motivo da redução drástica no valor da proposta, segundo documento enviado pela própria empresa ao Exército e obtido pela CNN por meio da Lei de Acesso à Informação, foi que eles passaram a ter um estoque do material depois de o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos) ter cancelado uma licitação do produto da qual a Sul Minas participaria. 

    Para o cientista político e professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Marco Antonio Carvalho Teixeira, pode ter havido competição desigual. “Primeiro que não é normal procurar um fornecedor informalmente e conversar sobre algo que vai ser objeto de licitação pública. Também torna-se um problema uma empresa ter informações antes da outra, isso dá a ela vantagens que fazem muita diferença na competição. Além disso, quando há apenas dois concorrentes o processo pode ficar comprometido pelo fato de poder haver inclusive entendimento entre eles. Licitações sobre a coleta e destinação do lixo em grande cidades mostram isso”.

    O Grupo Sul Minas afirmou, em nota, que “todos os documentos referentes às aquisições de Cloroquina Difosfato por parte de entes da administração pública federal são públicos e podem ser consultadas no portal da transparência. Ademais, todas as informações relativas ao assunto já foram prestadas.” Disse também que está à disposição das autoridades para prestar qualquer esclarecimento que se faça necessário”. 

    Veja o posicionamento do Exército:

    “Atendendo à sua solicitação formulada por meio de mensagem eletrônica, de 26 de outubro de 2020, o Centro de Comunicação Social do Exército informa que, para realizar as aquisições, o Laboratório segue a Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos, como também a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas que poderão ser adotadas para enfrentamento da emergência de saúde pública para enfrentamento da COVID-19.
    O Laboratório Químico e Farmacêutico do Exército (LQFEx) possui o registro para produção de cloroquina desde de 2000, sendo a produção exclusiva para o Exército Brasileiro, por conta do combate à malária.
    Atualmente, o LQFEx é um dos três laboratórios farmacêuticos legalmente habilitados a fabricar a cloroquina no Brasil. Como unidade produtora, o LQFEx recebe demandas dos Ministérios da Saúde e da Defesa, por meio de Termos de Execução Descentralizada.”

    Veja como a instituição já se manifestou sobre a compra da cloroquina à CNN.

    Questionamentos do departamento jurídico

    A CNN investiga há meses a compra de insumos para fabricação de cloroquina pelo Exército. Em setembro, a reportagem mostrou que o laboratório da instituição aceitou sem questionar o aumento repentino de preço do produto.

    Já em outubro, a equipe revelou que o departamento jurídico do laboratório apresentou diversos questionamentos sobre o aumento no preço para efetivar a compra, mas eles nunca foram respondidos pela empresa, que alegou sigilo comercial, e mesmo assim a aquisição foi feita.

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