Forças Armadas perderam 54 armas em 5 anos, diz estudo do Instituto Sou da Paz
Dados abrangem o período de 2015 a 2020 e incluem informações sobre o Exército, Marinha e Aeronáutica
Um estudo desenvolvido pelo Instituto Sou da Paz apontou que entre 2015 e 2020 as Forças Armadas do Brasil deixaram de ter o controle de 54 armas, entre metralhadoras, fuzis, espingardas e pistolas, que eram de propriedade da Aeronáutica, Exército e Marinha.
No período, não há registro semelhante ao “sumiço” de metralhadoras, como o ocorrido no último dia 10 no Arsenal de Guerra do Exército em Barueri, na Grande São Paulo. Na ocasião, 21 armas sumiram do local. Destas, oito foram localizadas na última quinta-feira (19) no Rio de Janeiro.
O recorte feito pelo instituto, que obteve acesso aos números via Lei de Acesso à Informação (LAI), inclui cenários que vão desde o desaparecimento em depósitos a profissionais que foram vítimas de roubos. Os dados também abrangem extravios “ou ainda o desvio intencional por meio de venda para o mercado ilegal”, segundo documento.
O estudo explica que o termo “desvio” é “utilizado para caracterizar a arma de propriedade estatal que deixou de estar sob este controle à revelia do desejo do Estado” e conclui que o controle de arsenais de armas de fogo e munições de propriedade do Estado é insuficiente no Brasil.
Sobre a característica das armas, os dados fornecidos pelo Exército não mencionam marcas. Em linhas gerais, o órgão informou que, entre janeiro de 2015 a março de 2020, dez fuzis, nove pistolas, cinco espingardas, uma submetralhadora e dois fuzis-metralhadoras, totalizando 27 armas, que desapareceram dos controles. Devido à falta de detalhes, não é possível estimar o prejuízo em valores.
Em relação à Marinha, 21 armas, sendo 12 fuzis e nove pistolas foram roubadas, furtadas ou desviadas, sendo que somente em 2016, seis fuzis não constavam no inventário da corporação. Já a Aeronáutica contabiliza o desvio de seis pistolas, todas do calibre 9mm, que são de uso restrito a forças federais.
Armas podem ser consertadas ou reparadas
Desde a primeira informação sobre o desaparecimento das armas, a investigação do Exército, que não descartou a hipótese de erro de conferência, desvio ou furto, diz que “os armamentos são inservíveis e que estavam no Arsenal, para o processo de desfazimento e destruição dos armamentos que tenham sua reparação inviabilizada”, segundo nota.
A CNN conversou com Natália Pollachi, que é Coordenadora de Projetos no Instituto Sou da Paz na área de controle de armas e justiça criminal, e uma das responsáveis pelo estudo. Ela falou sobre o que pode ter ocorrido no caso do sumiço das armas em Barueri, sobre o armazenamento de armas por forças de segurança e da possibilidade de reparos nas armas do Exército.
“Quando eles falam que as armas estavam em manutenção, eu entendo que ela estava aguardando um reparo. É importante comentar que hoje em dia, infelizmente, o crime organizado tem os seus próprios armeiros. Já vimos vários casos de fabricação de armas artesanais de muita qualidade e de pessoas que fazem reparos de armas complexas”, explica
Sobre a possível reforma de armas potentes, Pollachi diz que é possível que peças de armas sejam reformadas ou reparadas para uma combinação de peças e que independentemente da classificação “inservível”, o dano causado pelas armas pode ser considerado extenso.
“Se são 13 metralhadoras .50 e todas estão em manutenção, é uma arma tão potente, de uso em guerra. Se dessas 13 eles conseguirem reparar cinco ou seis, já é um dano muito grande. Se conseguirem recombinar as peças, já é um dano muito grande”, finaliza.
Investigação sobre o desaparecimento de metralhadoras em Barueri
A investigação sobre o desaparecimento das 13 metralhadoras calibre .50 e das oito metralhadoras calibre 7,62 do Arsenal de Guerra do Exército em Barueri segue sob sigilo.
Na noite de ontem, a Polícia Civil do Rio de Janeiro informou que oito armas foram recuperadas, sendo quatro calibre .50 e quatro calibre 7,62. De acordo com o Exército, a principal linha de investigação é que houve o furto com participação de militares. O órgão não descarta que civis tenham participado da ação.
Em entrevista coletiva, o general Maurício Vieira Gama, chefe do Estado-Maior do Comando Militar do Sudeste, disse que é possível que as armas tenham sido retiradas do depósito entre os dias 5 e 8 de setembro e que o local foi aberto pela última vez no dia 6 daquele mês.
Gama disse que o episódio é inaceitável e que o Exército está revisando os processos de armazenamento de armas. Ele informou que o tenente-coronel Batista, diretor do Arsenal de Guerra, será exonerado.
Sobre os militares que participaram da ação, Gama reforçou que “todos os militares do Arsenal de Guerra de São Paulo (AGSP) que tinham encargo de fiscalização ou controle e, comprovadamente cometeram irregularidades, serão responsabilizados e cumprirão punições disciplinares, à luz do Regulamento Disciplinar do Exército (RDE)”
As armas, que são capazes de perfurar veículos blindados e derrubar aeronaves, além de poder atingir um alvo com precisão a mais de 1,5 quilômetro, segundo especialistas consultados pela reportagem, têm alto valor agregado. No caso das metralhadoras .50, o preço no mercado ilegal pode ultrapassar R$ 200 mil.
O que dizem as Forças Armadas
Procurada pela CNN, a Força Aérea Brasileira (FAB) informou que “todos os casos de armamentos extraviados são rigorosamente apurados e geram a abertura de Inquéritos Policiais Militares (IPM), que, após a conclusão do processo, são de domínio do Ministério Público Militar”.
A Marinha também se manifestou à CNN em nota. “Em atenção aos seus questionamentos, a Marinha do Brasil esclarece que, em casos de armamentos extraviados, são instaurados Inquéritos Policiais Militares para apuração das circunstâncias. Todas as informações necessárias à elucidação de tais ocorrências são encaminhadas aos órgãos competentes para adoção de medidas cabíveis”.
A CNN aguarda retorno do Exército.