Famílias enfrentam a dor do luto e de enterros sem velório durante a pandemia
Para o sociólogo Caio Moraes, os ritos fúnebres têm uma importância simbólica
O Brasil ultrapassou a Itália e agora é o terceiro país do mundo com mais mortos decorrentes da Covid-19. Com o terceiro recorde seguido no registro diário de novas mortes (1.473) pela doença, o país agora tem 34.021 vítimas fatais.
Além da perda, parentes dos mortos têm que encarar o luto de uma forma diferente e enterrar seus familiares de uma forma ainda mais dolorosa: distante e sem a possibilidade de realizar velórios.
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Em reportagem especial, produzida por Juliana Faddul e Eduardo Palácio, a CNN mostra como as famílias brasileiras têm lidado com a dor da perda e quais são os caminhos para compreender melhor o momento delicado provocado pela pandemia do novo coronavírus.
Adipe Neto perdeu o pai para a Covid-19 e, segundo ele, o momento mais marcante, foi aquele em que viu o caixão ser levado, sem cerimônia, em um corredor, sem direito de despedida.
“Meu pai começou com tosses muito fortes e que não passavam, além da febre. Na sexta-feira nós levamos ele no pronto socorro. O quadro se agravou muito rápido. Na terça à noite me ligaram para ir ao hospital. A médica tirou a luva e me pediu a mão dizendo que era a hora de dar a mão para alguém. Em seguida, ela me avisou que meu pai tinha falecido”, relembra.
Para o sociólogo Caio Moraes, os ritos fúnebres têm uma importância simbólica. “A morte coloca em xeque o equilíbrio simbólico entre a vida e a morte. Os ritos nos ajudam a elaborar coletivamente esse rompimento de vínculos. É uma maneira de preservar a memória e restabelecer as relações que foram rompidas”, explicou.
“Se formos pensar para além da ausência de um velório, da impossibilidade de esses ritos serem cumpridos, as pessoas ficam sem referencial de como lidar com isso e a perturbação é clara”, continuou Caio.
Adipe afirmou ainda que não pôde ver o corpo do pai. “Em nenhum momento eu vi meu pai, o que a gente viu foi um saco preto e que diziam que meu pai estava lá dentro. A minha irmã quis ver e foi uma das cenas mais marcantes da minha vida foi o caixão passando na nossa frente como se fosse qualquer outra coisa.”
“Minha irmã estava se jogando em cima do caixão, eu tendo que segurar os meus ânimos e os da minha irmã e tentar assimilar que era ali era o corpo do meu pai. Ao mesmo tempo em que ali não era o espaço, era um corredor e tinha um elevador”, completou.
Para a psicóloga Fernanda Hamann, é preciso se despetir dos mortos. “O sujeito precisa que determinadas ações coletivas forneçam um contorno individual para cada um. Você poder segurar na mão de alguém, chorar junto, falar sobre a pessoa que faleceu.”
“Então como se despedir de alguém sem contar com estas tradições coletivas? Talvez uma possibilidade possa ser a de que se procure dividir com o outro, essa dor”, concluiu.