Ex-defensora suspeita de injúria racial é intimada a depor nesta sexta (13)
Em outras duas ocasiões em que era esperada, a servidora aposentada não apareceu; segundo o delegado responsável pelo caso, se ela não comparecer novamente, o inquérito será concluído mesmo sem o depoimento
A ex-defensora pública suspeita de praticar injúria racial contra dois entregadores em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, foi intimada para depor na delegacia na tarde desta sexta-feira (13). A mulher de 59 anos é aguardada pela polícia pela terceira vez. Nas outras duas ocasiões em que era esperada, ela não compareceu.
À CNN, o delegado Carlos César Santos informou que, se ela faltar, o inquérito será concluído sem o depoimento. A pena para injúria racial varia de um a três anos de prisão.
A mulher já tem pelo menos seis registros policiais. Em 2001, por lesão corporal e constrangimento; em 2013, foram dois por injúria e um por lesão corporal. No ano seguinte, 2014, mais dois por injúria e, em 2017, houve mais um registro de injúria.
O caso em Niterói teve início com um vídeo feito por uma das vítimas, que viralizou nas redes sociais. Nele, a defensora pública aposentada chama um dos entregadores de “macaco”. Segundo relatos, a ofensa aconteceu depois que ela pediu para que o homem retirasse a van de entrega de produtos da frente de sua garagem.
De acordo com as vítimas, o entregador informou que aguardaria o outro funcionário para remover o veículo, já que ele não tinha carteira de habilitação. Segundo Joab Gama de Souza, advogado responsável pela defesa das vítimas, depois das ofensas, a mulher lançou objetos na direção dos entregadores.
A Polícia Civil informou que ouviu o depoimento das vítimas e analisou os vídeos das câmeras de segurança do condomínio, além do vídeo feito por um dos entregadores.
A Defensoria Pública do Rio de Janeiro informou que “é absolutamente contrária a qualquer forma de discriminação”. A CNN não conseguiu o contato da defesa da defensora aposentada.
Racismo no país
Neste 13 de maio, a abolição da escravatura no Brasil completa 134 anos. Anualmente, centenas de brasileiros pretos e pardos continuam sofrendo preconceito, com ofensas e xingamentos racistas.
Em 2021, foram registradas 1.181 violações de direitos humanos praticadas contra pessoas pretas e pardas, motivadas pela raça ou cor da vítima, segundo dados disponíveis no site do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Do início deste ano até o dia 6 de maio, mais 374 foram registradas.
Para o coordenador executivo da Iniciativa de Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR), Fransérgio Goulart, o racismo não pode ser encarado como um problema apenas da população negra.
“Enquanto o branco, primeiro, não perceber que é parte do problema, se reconhecer como uma raça e que essa raça é dotada de privilégios, nós não vamos avançar. Quem faz esse tipo de ofensa racista está exercendo esse privilégio, que não é só econômico, e que faz com que a pessoa se sinta superior”, diz Goulart.
“É o que muitas pessoas e parte do movimento negro têm colocado, que se a gente não conseguir levantar o debate dos privilégios da branquitude, a gente não vai conseguir enfrentar o racismo”, defende.
Os dados do governo federal mostram ainda que o número de violações cresce entre pessoas com renda mais baixa. Em um ano, de maio do ano passado até o momento atual, pessoas pretas e pardas que ganham até 1 salário mínimo foram quase 19 vezes mais vítimas de preconceito do que as que ganham entre 5 e 15 salários mínimos.
Enquanto os mais pobres sofreram 302 violações, os que têm maior renda somaram 16 casos. Os que ganham mais de 15 salários foram vítimas em apenas 6 ocasiões, nesses 12 meses.
Para Daniela Fichino, coordenadora da Justiça Global, organização não governamental de direitos humanos, “o recorte de classe não pode invisibilizar o caráter estrutural da violência racial”.
“Penso que nenhuma pessoa negra no Brasil está livre de sofrer racismo. Mas é certo que pessoas de renda mais baixa estão socialmente mais expostas a sofrerem violações relacionadas ao racismo, porque a própria prevalência de pessoas negras em setores sociais de baixa renda é um efeito do racismo sistêmico. A ausência de água encanada, de saneamento básico, de alimentação adequada, de moradia são violações que afetam mais a população negra proporcionalmente do que a população branca”, afirma a advogada.
“Vivemos sob uma dinâmica social estruturalmente forjada no racismo e o maior índice de violações contra pessoas negras de baixa renda, apontado na pesquisa, faz parte inequívoca dessa combinação de vulnerabilidades sociais impostas estruturalmente às pessoas negras”, completa.