Estratégias de comunicação impulsionam ativismo negro pelo Brasil
Juventude se destaca nas redes sociais com pautas raciais e indígenas
A população brasileira é composta por cerca de 54% de pessoas negras, enquanto 51,1% são do gênero feminino. Além disso, aproximadamente 23% correspondem a jovens entre 15 e 29 anos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
Nos últimos anos, a participação de jovens negros e indígenas na política, em movimentos sociais e no ativismo vem crescendo, principalmente com o uso das redes sociais.
Dessa forma, o termo ciberativismo, que representa a união e organização de grupos para transmitir ideias e realizar manifestações, torna todos protagonistas de um único tema.
Dentro deste conceito, utiliza-se peças fundamentais como as diferentes redes para conscientizar, levar informações e promover apoio. Uma nova geração surge a partir desta ferramenta.
Para a cientista política e consultora de Inteligência Eleitoral Nailah Neves Veleci, “o ciberativismo é uma adaptação de uma tecnologia de comunicação”. “Os ativistas negros já usaram desenhos, músicas, arquitetura e indumentárias para se comunicar e transmitir ideias. Agora estamos adaptando essas estratégias para as novas tecnologias disponíveis.”
Um exemplo da consolidação desta faceta do ativismo, com uso excepcional de hashtags, foi o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em português) que marcou um momento de revolta e manifestação nos Estados Unidos, repercutindo mundo a fora, especialmente em meio à pandemia da Covid-19.
Nailah que também é embaixadora da juventude da UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, da ONU), lembra que, antes deste movimento, foram vários acontecimentos e denúncias que não tiveram repercussão até o mundo estar preso em casa e mais conectado. “A branquitude foi obrigada a assistir o que fingiam não ver. Foi obrigada a parar pra olhar aquela realidade secular.”
O ativismo negro no mundo sempre foi muito conectado. Sempre houve trocas de estratégias, estudos e notícias entre os militantes negros da diáspora africana. Mas agora essa troca é muito mais rápida e conectada e os jovens que têm maior facilidade com as novas tecnologias contribuem muito para essa troca.
Nailah Neves Veleci, cientista política e consultora de Inteligência Eleitoral
“O ativismo da época do meu pai era um ativismo que precisou explicar que o racismo existia. Que precisou explicar o que era feminismo. E eles tinham que fazer isso imprimindo papeis do próprio bolso e passando de mão em mão. A juventude de agora pode trocar PDF e compartilhar com o mundo num clique”, acrescenta a cientista política.
O ativismo do jovem hoje só é possível pela luta do jovem do passado e minha expectativa é que deixemos um legado menos violento pro jovem do futuro lutar.
Nailah Neves Veleci, cientista política e consultora de Inteligência Eleitoral
A presença feminina sempre foi de protagonismo nas lutas sociais no Brasil e hoje não é diferente. Tanto em temas sociais como ambientais existem diversas ativistas e líderes de movimentos espalhadas pelo país.
Em entrevista à CNN, a internacionalista Mahryan Sampaio cita palavras da escritora Juliana Borges: “uma mulher negra feliz é um ato revolucionário”. E completa: “costumo dizer que nós, mulheres negras jovens, nos posicionamos cada vez mais como as vozes da revolução.”
Então nós, jovens negros –especialmente mulheres– somos aqueles que aproveitamos o potencial de vocalização da sociedade atual pra erguer nossa voz, buscando influenciar também uma geração que virá depois de nós.
Mahryan Sampaio, internacionalista
Mahryan é embaixadora da Juventude na ONU e sempre considerou importante que ao longo de sua formação desenvolvesse conhecimentos sobrea a área social, de diversidade e inclusão. “Ser sensível a esses temas faz toda a diferença.”
Durante a minha trajetória, ocupei muitos lugares nos quais eu era a única mulher negra. Eu nunca tive uma chefe negra e demorou anos para que eu tivesse uma colega de trabalho como eu.
Mahryan Sampaio, internacionalista
A partir dessas experiências, a internacionalista idealizou um projeto para criar um espaço seguro de resistência e compartilhamento para mulheres negras, no qual ensina empreendedorismo feminino, sustentabilidade, ancestralidade e desenvolvimento econômico.
“O ‘Projeto Yalodê’ é a minha resposta ao racismo e sexismo estruturais, em que eu afirmo que a excelência negra não é uma exceção e eu não serei mais a única jovem negra a ocupar esses espaços.”
Na COP26, diversos jovens ativistas brasileiros se fizeram presentes num espaço que tão pouco imaginariam a tempos atrás.
Mahryan e outros jovens discutiram e levaram importantes assuntos para a reunião internacional e reforça sobre racismo ambiental, termo que, segundo ela, explica a injustiça ambiental. “A injustiça ambiental no Brasil tem a cor de pessoas negras e indígenas, que tem a raça como um marcador social da diferença, que acaba por oprimir corpos, mentes e diminui nossa qualidade de vida.”
As consequências chegam para todo mundo, mas as pessoas pretas, indígenas e periféricas já vivem esse cenário primeiro.
Mahryan Sampaio, internacionalista
Para o comunicador Cristian Wari’u, esses meios internacionais seriam uma forma de denunciar o que estava acontecendo no país. “Eu acredito na importância de levar essas vozes para fora também, para um produto mais mundial por conta de não conseguir tanto esse diálogo aqui no Brasil.”
Cristian entende que lutas indígenas que acontecem em diferentes regiões do país se encontram em questões em torno dos direitos que são violados cada vez mais nos últimos anos.
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Ele destaca que o posicionamento de jovens como ele vem do empoderamento digital, utilizando ferramentas para impulsionar debates e diminuir a invisibilidade indígena e relembra movimentações do passado.
O movimento indígena já realizava, por meio das outras lideranças, que, por mais antigas que sejam, ainda trazem muito conhecimento, muita sabedoria em torno das nossas atividades, dentro do que a gente acaba tendo como essência.
Cristian Wari’u, comunicador
O comunicador coloca como principais expectativas para o futuro: demarcar espaços, discussão sobre povos indígenas e visibilidade.
Criador da ação popular que originou o projeto de lei Amazônia de Pé, que visa destinar as florestas públicas na Amazônia para proteção povos indígenas, Cristian coletou 1,5 milhão de assinaturas e deve levá-las ao Senado.
A ONG NOSSAS tem como missão fortalecer os movimentos e pessoas que estejam se organizando para lutar por direitos e melhores políticas públicas e busca impulsionar ativistas como Mahryan e Cristian.
Daniela Orofino, diretora de mobilização da ONG, destaca que “o NOSSAS também forma novos ativistas a partir do seu programa Mobilizadores, que é um programa de treinamento para ativistas pensado para apoiá-los a desenvolver habilidades de comunicação, habilidades de mobilização e habilidades de advocacy. O programa de mobilizadores incentiva que uma nova geração de ativistas se fortaleça no Brasil”.
Pro NOSSAS, a participação da juventude na política é fundamental para que eles sejam protagonistas das decisões que vão impactar as suas vidas e as vidas dos seus filhos, dos seus netos.
Daniela Orofino, diretora de Mobilização da ONG NOSSAS
A ONG afirma que utiliza o ciberativismo para fortalecer suas campanhas como mobilização online e offline.
As redes sociais são uma nova forma de comunicação e o que a gente tem que fazer é incidir nela.
Daniela Orofino, diretora de Mobilização da ONG NOSSAS