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    Deputado eleito repete alegações já desmentidas para tentar ligar Lula a FARC

    É enganoso conteúdo de vídeo em que o vereador e deputado federal eleito Nikolas Ferreira (PL-MG) acusa o PT e o seu candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, de ligações com o narcotráfico

    Do Projeto Comprova

    Enganoso: É enganoso conteúdo de vídeo em que o vereador e deputado federal eleito Nikolas Ferreira (PL-MG) acusa o PT e o seu candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, de ligações com o narcotráfico. Na publicação, o parlamentar também sugere, de forma enganosa, que o candidato tem relações com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), uma milícia transformada em partido político no país sulamericano. Entre as afirmações, há conteúdos falsos já desmentidos, como o de que a sigla CPX, em boné usado por Lula, tem ligação com o crime organizado, além de falas retiradas de contexto.

    Conteúdo investigadoVídeo publicado no Instagram do vereador de Belo Horizonte e deputado federal eleito por Minas Gerais Nikolas Ferreira (PL) com uma série de acusações ao ex-presidente Lula e a seu partido, PT, como suposta ligação com o tráfico de drogas no Rio de Janeiro e com as FARC. O vídeo é uma resposta ao youtuber Felipe Neto, declarado apoiador do petista nestas eleições.

    Onde foi publicado: Instagram, com reprodução em páginas no Twitter, TikTok e Facebook.

    Conclusão do Comprova: É enganoso o conteúdo de um vídeo em que o vereador de Belo Horizonte Nikolas Ferreira (PL), eleito deputado federal por Minas Gerais, tenta vincular o candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao narcotráfico e às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC).

    No vídeo, Nikolas recorre a afirmações já desmentidas, como a de que a sigla CPX, que aparece em um boné usado por Lula em comício em 12 de outubro no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, é associada à facção criminosa Comando Vermelho. Na verdade, CPX significa Complexo, em referência ao nome da comunidade. A sigla é também usada como abreviação de complexo em outras comunidades cariocas e que são dominadas por outras facções criminosas, como a Vila do João, no Complexo da Maré, e o Complexo de Israel, dominadas pelo Terceiro Comando Puro (TCP).

    O conteúdo também tira de contexto as ligações das FARC com o PT e com o Foro de São Paulo e, ainda, sobre relações de ex-presidentes do partido com ex-guerrilheiros.

    Para o Comprova, enganoso é o conteúdo retirado do contexto original e usado em outro de modo que seu significado sofra alterações; que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor; conteúdo que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.

    Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. O vídeo aqui investigado teve 15,5 milhões de visualizações no Instagram, 4,5 milhões de visualizações no TikTok e 515 mil visualizações no Twitter até o dia 27 de outubro de 2022.

    O que diz o responsável pela publicação: O Comprova entrou em contato por e-mail e telefone com a assessoria de imprensa de Nikolas Ferreira, que não respondeu até a publicação desta verificação. Na quinta-feira, 28, o deputado eleito publicou no Twitter um direito de resposta do PT, após decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A postagem afirma que Lula “não tem qualquer vinculação com a criminalidade ou organizações criminosas, essa suposta relação já foi desmentida reiteradas vezes pelo TSE”. O direito de resposta foi concedido na terça-feira, 25, em resposta a um vídeo intitulado “Faz o L”.

    Como verificamos: O Comprova recorreu a outras checagens sobre afirmações feitas por Ferreira no vídeo, como a que afirma que sigla em boné usado por Lula significa complexo e a que explica que fotos de políticos ou de personalidades em pacotes de drogas são identificações aleatórias.

    Na sequência, a equipe acessou notícias (El PaísThe Intercept BrasilBandNews Rio de JaneiroO Dia) sobre a atuação de criminosos que usam ou usavam a alcunha de CPX e suas relações com facções criminosas. Também buscou comunicados oficiais das polícias Civil e Militar do Rio de Janeiro, além do Disque-Denúncia e do portal de Procurados do Estado.

    Foram consultadas, ainda, reportagens (Folha de S.PauloEstadãoO Globo), sobre relações entre o PT e integrantes das FARC, assim como a participação da antiga guerrilha colombiana no Foro de São Paulo – organização que reúne partidos políticos e organizações de esquerda.

    Também foram feitas pesquisas em redes sociais e mecanismos de busca por informações que esclarecessem sobre o domínio do tráfico em comunidades do Rio.

    A ferramenta WayBack Machine foi utilizada para recuperar publicações antigas já deletadas de determinado site, mas cujo conteúdo foi salvo no arquivo da internet.

    Por fim, houve tentativa de contato com a assessoria de comunicação do candidato Lula, o Foro de São Paulo, a polícia do Rio de Janeiro e com o autor do conteúdo.

    Acusações do deputado

    Ao longo do vídeo que viralizou nas redes sociais, Nikolas faz ao menos 15 acusações contra Lula. Confira, a seguir, a checagem para cada uma delas:

    É falso que o boné usado por Lula, com a inscrição CPX, seja identificado com o Comando Vermelho

    O autor do vídeo mostra uma foto em que Lula aparece em um ato de campanha no Complexo do Alemão usando o boné preto com a sigla CPX em letras vermelhas. Então, tenta associar o CPX ao crime organizado, o que é falso. O Projeto Comprova já mostrou que a sigla CPX é popularmente usada no Rio de Janeiro e significa “complexo”. No dia em que o boné foi usado por Lula, em 12 de outubro, ele participava de um ato de campanha no Complexo do Alemão, na Zona Norte do Rio. O Estadão Verifica e o UOL Confere também desmentiram conteúdo similar. A abreviação para se referir a “complexo” é usada, inclusive, por autoridades, como a Polícia Militar do RJ. Em 2017, a PMERJ usou “CPX” ao falar do Complexo da Penha.

    Nascido e criado no Complexo do Alemão, o fundador do jornal Voz das Comunidades, com sede na região, Rene Silva, publicou no Twitter que “desde sempre CPX é abreviação de Complexo. Assim como usam BXD para Baixada e RJ para Rio de Janeiro”. Depois da viralização de mentiras envolvendo a sigla, ele inclusive alterou sua identificação na rede social para “Rene Silva CPX”.

    Em nota, a assessoria de imprensa da campanha de Lula reforçou que a sigla CPX refere-se a “complexo, como Complexo do Alemão” e que “não tem relação com o Comando Vermelho”.

    Não há evidências de que seja perigoso entrar na Vila do João com um boné CPX

    A próxima imagem a aparecer no conteúdo é um vídeo de um suposto morador de uma localidade chamada Vila do João. Ele sugere que CPX tem, sim, relação com o tráfico e que seria perigoso entrar lá com um boné como o que Lula usou. A Vila do João é uma comunidade do Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, dominada pela facção Terceiro Comando Puro (TCP), como mostram reportagens recentes sobre o tráfico de drogas na região (Rádio BandNews FMIntercept Brasil e O Dia). O Comprova localizou tuítes do perfil “Vila do João”, que posta conteúdos sobre a comunidade, em que a sigla “CPX” é utilizada justamente como abreviação de Complexo da Maré. Os tuítes são de 2020 (12 e 3). À época, o domínio na comunidade já era do TCP, como se constata em postagens nas redes sociais (123 e 4).

    Sendo assim, não faz sentido a alegação de que seja arriscado entrar na Vila do João com boné escrito “CPX”. O homem que diz isso no vídeo dá a entender que a sigla é identificada com o Comando Vermelho (CV), facção rival, o que não procede, já que a sigla referente ao termo “complexo” é utilizada também em regiões sob domínio do TCP.

    Além da Vila do João, outra região do Rio dominada pelo TCP, o Complexo de Israel, na Zona Norte, também utiliza a sigla “CPX” como abreviatura para complexo (12).

    Foto em que homem aparece com um bando usando camiseta com as siglas CPX e CV está descontextualizada

    Nikolas segue no vídeo mostrando imagens com a sigla CPX e exibe uma foto com armas e uma pessoa de costas vestindo uma camiseta com as siglas CPX e CV, em alusão ao Comando Vermelho. Ironicamente, ele diz que a sigla deve ser de um “clube de leitura”. A imagem foi postada no perfil @CpxMda, no Twitter, em 29 de fevereiro de 2020. No vídeo verificado, ela é utilizada para sugerir que a sigla CPX tem identificação com o Comando Vermelho (CV).

    Na descrição e no título do perfil, MDA CPX TD2, há indicações ao Morro do Adeus (MDA) e ao Complexo (CPX) do Alemão, onde fica o Morro do Adeus. Além disso, a sigla TD2 (ou “tudo 2”) remete ao CV, assim como os homens armados na fotografia, que mostram o número 2 com as mãos.

    A foto faz uma provocação aos rivais, ao insinuar que o CV retomou o controle do Morro do Adeus, no Complexo do Alemão, em um contexto de confronto com a facção TCP.

    Na época da postagem, traficantes do TCP e do CV travavam uma guerra pelo controle do Morro do Adeus (SBTExtra). Um tuíte da época comprova a disputa. Nele, um homem armado diz que o CV retomou a comunidade do TCP, que chama, no vídeo, de “TCPuta”. Percebe-se que o homem faz parte do CV porque ele diz: “É a tropa do Carão” em referência a Carão do Adeus, como é conhecido o traficante Fábio Brum Camargo. Segundo o Disque-Denúncia, ele pertence ao CV e é o chefe do tráfico de drogas no Morro do Adeus e no Morro da Baiana.

    Quem é Xandinho CPX?

    No vídeo, o deputado eleito exibe um cartaz de “procurado” referente a um homem identificado como Xandinho CPX. Esse era o apelido de Alexandre de Souza Lima, cujo cartaz foi divulgado pelo Disque-Denúncia em abril de 2019. Ele era apontado como traficante ligado ao Comando Vermelho. Atuava como segurança de Antonácio do Rosário, conhecido como Schumaker, chefe do tráfico no Jardim Catarina – comunidade que pertence ao Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio.

    A região onde Schumaker e Xandinho CPX atuavam, por sua vez, também costuma ser identificada pelas letras CPX em páginas do Facebook (12). A sigla é uma abreviação da palavra “complexo”, não a identificação de uma facção.

    Schumaker, também conhecido como Piloto ou F-1, foi assassinado aos 35 anos em abril de 2019, segundo matéria do jornal O Dia, após desavenças com aliados. Um dos suspeitos de matar o traficante foi o antigo comparsa Thomas Jhayson Vieira Gomes, que era conhecido como 2N. Após a morte de Schumaker, Thomas Jhayson deixou o Comando Vermelho e se juntou a outra facção, o Terceiro Comando Puro (TCP), identificado pelo sinal de 3. Por isso, 2N passou a ser conhecido como 3N, e Xandinho juntou-se a ele.

    Xandinho, 3N e mais oito pessoas respondiam, desde 2019, a um processo no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) por associação criminosa e roubo majorado – quando há uso de violência. O processo apontava Thomas Jhayson, o 3N, como líder do grupo. No entanto, 3N, Xandinho e mais um acusado morreram antes de serem sentenciados.

    Eles foram mortos em 26 de novembro de 2019 durante uma operação conjunta da Polícia Militar e da Polícia Civil do Rio de Janeiro em Itaboraí, na região metropolitana do Rio. O novo cartaz do Disque-Denúncia, que informava a morte de Alexandre, o chamava apenas de Xandinho, enquanto a PM referiu-se a ele como Xandinho do TCP.

    CPX da Trindade e foto de Lula em pacotes de drogas não provam ligação do PT com o tráfico de drogas

    Nas imagens, também surge uma foto de um pacote de maconha com uma foto de Lula e a inscrição “CPX da Trindade” – uma nova tentativa de associar o candidato ao tráfico de drogas. CPX da Trindade, ou Trindade, é um bairro de São Gonçalo (RJ). Em março de 2021, na reta final do Big Brother Brasil daquele ano, traficantes da região passaram a vender maconha com o rosto da participante Juliette no rótulo. O material é bem parecido com a imagem que aparece no vídeo verificado com o rosto de Lula, ao sugerir ligação do petista ao tráfico de drogas. Na época, o uso do rosto da campeã do BBB foi apontado como “marketing” da facção para vender a droga.

    Não é a primeira vez que o rosto de Lula aparece em rótulos de pacotes de drogas. Em 2018, o Projeto Comprova mostrou que fotos de Lula em rótulos de droga apreendida pela Polícia Militar de São Paulo não tinham relação com o petista ou com a campanha dele.

    Em julho deste ano, o Departamento de Operações de Fronteira da Polícia Civil do Mato Grosso do Sul apreendeu uma carga de entorpecentes que tinham alguns rótulos com o escudo do Flamengo e outros com a frase “Todo mundo merece uma xícara de café e Lula presidente”. Na época, a Polícia Civil descartou que houvesse ligação entre Lula, o PT e os traficantes e explicou que as inscrições em rótulos são comuns e aleatórias e servem apenas para identificação, como mostrou o Comprova.

    “Essas marcações de propriedades não possuem indicativos da participação do órgão oficial dono da marca afixada nos fardos. Os adesivos são apenas o meio utilizado para identificação da propriedade do entorpecente se caso esta chegasse ao seu destino final”, explicou na época o capitão Eduardo Garcia da Costa Marques em entrevista à RIT TV.

    O próprio Bolsonaro já teve a imagem usada mais de uma vez. Em 2017, quando ele ainda era deputado, dois homens foram presos em Sarandi (PR) com embalagens de droga que levavam uma caricatura de Bolsonaro; em 2019, um adolescente de 17 anos foi apreendido em Mogi Mirim (SP) com embalagens de maconha com a foto do presidente e as inscrições “Bolso Bek” e “Na primeira legalizo”. Em 2020, foi a vez da polícia da Paraíba encontrar embalagens de maconha com a foto de Bolsonaro. No mesmo ano, a Polícia Civil de São Paulo disse que traficantes usavam a foto do presidente nas embalagens para indicar que a droga era de qualidade.

    Cantor que já foi preso apoia Lula, mas isso não prova ligação do político com tráfico

    O vídeo em que um homem aparece cantando funk, com ofensas a Bolsonaro e às facções TCP e ADA (Amigo dos Amigos), é antigo e circula na internet desde 2020. Na imagem, que teria sido gravada em baile funk dentro de uma comunidade do Rio, é possível ver traficantes armados. O cantor em questão é Marlon Brandon Coelho Couto da Silva, o MC Poze do Rodo, que, recentemente, postou vídeo em apoio a Lula. Esta outra imagem mostra um show em que ele diz à plateia:

    “(…) E outra, só explicando. Todo mundo tem seu direito de escolha. Cada um escolhe o que quer ser. E eu sou Lula, po**a”.

    MC Poze chegou a ser preso em setembro de 2019. No ano seguinte, foi denunciado pelo Ministério Público em inquérito que apurou relações entre ele e o Comando Vermelho. No mesmo ano, a Justiça do Rio revogou o mandado de prisão ao apontar que a defesa do réu comprovou “atividade laborativa lícita e endereço residencial fixo”.

    É enganoso afirmar que o apoio declarado de MC Poze a Lula signifique o apoio dos traficantes de drogas a Lula.

    O processo contra MC Poze segue em andamento no Tribunal de Justiça do Rio (Nº 0122164-61.2020.8.19.0001). A acusação é pelos crimes de associação ao tráfico, incitação ao crime, apologia ao crime e corrupção de menores.

    Não foram encontradas informações sobre o contexto do fuzil com CPX grafado em letras brancas

    O Comprova não conseguiu identificar o contexto da imagem que mostra um fuzil com as inscrições CPX e CV na cor branca. Pelas características do espaço, a imagem parece ter sido registrada em uma delegacia do Rio de Janeiro. A PM e a Polícia Civil do estado foram contatadas, mas não responderam. Na internet, não foi possível localizar conteúdo que elucidasse sobre a origem da imagem.

    O que são as FARC e qual a sua relação com o PT?

    No vídeo, o vereador Nikolas Ferreira diz que Lula está ao lado de bandidos e cita ligação do petista com as FARC. As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia formavam um grupo de cunho marxista-leninista que atuava no meio rural e adotava táticas de guerrilha. Criada em 1964 pelo ex-combatente liberal Pedro Antonio Marín, também conhecido como Tirofijo, essa organização tinha como discurso ideológico a implantação do socialismo na Colômbia. Promovia a distribuição igualitária de renda, a reforma agrária e o fim de governos corruptos e das relações políticas e econômicas com os Estados Unidos.

    Em 2016, foi celebrado um acordo de paz entre as FARC e o governo de Juan Manuel Santos. Os combatentes entregaram as armas. Após mais de meio século de conflito, em 27 de junho de 2017, as FARC deixaram de ser oficialmente um grupo armado, época em que seus cerca de 7 mil combatentes se encontravam na fase final de transição à vida civil. Ainda nesse ano, o ex-grupo de guerrilha ingressou legalmente na política partidária do país com o nome de Força Alternativa Revolucionária do Comum – escolhido para manter a sigla original, FARC, mas com um novo significado e atuação na esfera legal. Conforme os termos do Acordo de Paz, foi garantida à nova FARC dez cadeiras no Congresso colombiano, divididas entre o Senado e a Câmara.

    Já em 2021, o partido FARC mudou novamente de nome. Desta vez, para Comunes. Essa mudança ocorreu justamente para dissociar o partido da imagem de violência que as antigas Forças Armadas Revolucionárias deixaram no país.

    Nas últimas décadas de atuação como guerrilha, as FARC foram acusadas de usar o tráfico de drogas como meio de financiamento de suas ações e de atuar na rede de narcotráfico internacional. Também empreenderam vários sequestros, entre os quais o da então senadora Ingrid Betancourt (Partido Verde), quando ela fazia campanha pela Presidência da Colômbia em 23 de fevereiro de 2002. Betancourt foi resgatada por uma operação militar do governo em 2 de julho de 2008.

    Em 2018, o PT publicou, em seu site, o texto que Nikolas expõe no vídeo sobre a solidariedade da Força Alternativa Revolucionária do Comum (a nova FARC, criada em 2017) a Lula, na ocasião da prisão do ex-presidente. Trata-se da seguinte nota:

    “O partido Força Alternativa Revolucionária do Comum expressa sua solidariedade ao companheiro e ex-presidente brasileiro Lula. Rejeitamos a decisão adotada contra ele pelo Supremo Tribunal de Justiça do Brasil [em referência ao Superior Tribunal de Justiça] e exigimos para ele todas as garantias políticas e judiciais no âmbito da constituição política brasileira, seu sistema jurídico interno e direito internacional.

    Apoiamos o apelo do ex-presidente Lula ao Supremo Tribunal Federal no sentido de que sejam oferecidas as garantias de uma verdadeira justiça, com o devido processo legal e o respeito à presunção de inocência.

    Rejeitamos que, assim como aconteceu com a ex-presidente Dilma Rousseff, recorram a práticas juridicamente questionáveis ​​que obscurecem o dever de uma democracia, com o objetivo de deslegitimar e bloquear o caminho para seu adversário político. Mais grave quando o recurso ao ódio é alimentado como uma tática da reação brasileira fiel às diretrizes imperiais, que compromete a estabilidade, a soberania e a segurança de todo um povo.

    Esse jogo macabro acaba por distorcer as instituições judiciárias para fabricar convicções com fundo político claro. O interesse em impedir uma nova presidência de Lula é evidente.

    Juntamo-nos à sincera homenagem que Lula presta a Marisa Letícia, sua companheira de vida e de luta e que ao seu lado sofreu toda a perseguição e ignomínia. Estendemos nossa solidariedade ao seu grupo político, o Partido dos Trabalhadores, e ao povo brasileiro que clama por justiça e avanços democráticos”.

    A assessoria de imprensa da campanha de Lula diz não haver nenhum vínculo entre as FARC (o grupo de guerrilha que atuou até 2016) e o PT ou o ex-presidente. “As FARC, inclusive, nem existem mais, como parte do acordo de paz da Colômbia”, informou ao Comprova.

    Não há provas de que as FARC tenham participado oficialmente do Foro de São Paulo

    No vídeo, Ferreira insinua que as FARC estiveram presentes no Foro de São Paulo. Embora integrantes do grupo tenham dito que participaram de encontros (anuais) do Foro, nenhum documento menciona as Farc como integrante formal. Portanto, a guerrilha não atuava nas discussões de orientação do Foro e na elaboração de suas declarações. No livro “Declaração Final dos Encontros do Foro de São Paulo (1990-2012)”, publicado pela Secretaria de Relações Internacionais do PT, não é encontrada a palavra Farc ou Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.

    Os encontros anuais do Foro de São Paulo chamavam a atenção de agrupamentos latino-americanos que não eram formalmente integrantes. Nada impedia que tentassem se aproximar dos participantes oficiais.

    Em entrevista ao jornal O Globo, em 2019, o ex-guerrilheiro das FARC Rodrigo Granda afirma que, embora a guerrilha não esteja presente nas atas oficiais do Foro de São Paulo, integrantes do grupo participaram em várias edições do Foro, inclusive na de sua fundação, em 1990. Naquela ocasião, uma carta de Pedro Antonio Marín (Tirofijo), então líder das FARC, foi lida na abertura do evento.

    Na mesma entrevista, entretanto, Granda disse que o PT e outros partidos tentaram expulsar representantes das FARC do Foro de São Paulo, mas sem sucesso. “De fato, alguns partidos não viam com bons olhos nossa participação, como o PT e a Frente Ampla, mas não se trata do gosto pessoal de um ou outro partido. O Foro nasceu para coordenar trabalhos e intercambiar opiniões. Sempre discordamos quando governos eleitos o usaram como plataforma de sua política exterior. É um espaço de interlocução”, disse.

    Granda afirmou ainda que, durante os governos de Álvaro Uribe na Colômbia, entre 2002 e 2010 (período em que Lula estava na Presidência), as FARC não puderam mais enviar representantes aos encontros do Foro de São Paulo.

    Reportagem da Folha de S.Paulo de 31 de maio de 2008 informa que as Farc foram impedidas de participar da reunião de 2005, realizada no Memorial da América Latina, em São Paulo. A decisão foi tomada pela secretaria do Foro que, na ocasião, estava nas mãos do PT. Segundo a reportagem, a guerrilha também tinha sido barrada em seminário do Foro um ano antes em Manágua, Nicarágua.

    Em 2016, após o acordo de paz com o governo colombiano, as FARC se transformaram em um partido político (Força Alternativa Revolucionária Comum) e mantiveram a mesma sigla da guerrilha. Em 2021, o partido mudou de nome e, agora, chama-se Comunes. O Comunes está listado entre os nove partidos da Colômbia que integram a formação atual do Foro de São Paulo.

    A assessoria de imprensa da campanha de Lula afirma que as FARC (em referência à antiga guerrilha), “justamente por serem grupo armado, jamais fizeram parte do Foro de São Paulo”.

    Lula se relacionou, como chefe de Estado, com os ditadores Hugo Chávez, da Venezuela, e Fidel Castro, de Cuba

    O vídeo verificado traz uma imagem de Lula ao lado dos ditadores Hugo Chávez, da Venezuela, e Fidel Castro, de Cuba, “os cabeças da quadrilha inteira”, diz o deputado eleito. A imagem é pano de fundo para a afirmação de que Lula tem relação com ditadores.

    A fotografia mostrada no vídeo é da posse de Lucio Gutierrez como presidente do Equador, de 15 de janeiro de 2003. No mesmo grupo, está (à esquerda, ao fundo) o então príncipe de Astúrias, dom Felipe de Bourbon, hoje rei da Espanha. No portal de fotografias Alarmy, há outras fotos da cerimônia, entre as quais a de Felipe de Bourbon, Fidel Castro, Lula e o então presidente da Colômbia, Álvaro Uribe, sentados lado a lado.

    Como presidente da República, Lula manteve vários encontros com Hugo Chávez e com Fidel Castro. Em especial, durante reuniões do Mercosul, da Unasul e da Cúpula Iberoamericana, e em posses presidenciais em países da América Latina. Houve encontros bilaterais de Lula com Fidel Castro e com Hugo Chávez. Também um trilateral, com os então líderes de Cuba e da Venezuela, em Ciudad Guayana.

    A assessoria de imprensa da campanha de Lula afirma que os três eram chefes de Estado. “O jovem deputado (Nikolas Ferreira) faz acusações sem provas contra pessoas mortas, que ele nem conhece”, diz a nota, se referindo às afirmações de que Hugo Chávez e Fidel Castro eram ligados ao narcotráfico.

    Alckmin fez a acusação da relação das FARC com o PT, mas em 2010

    O trecho do vídeo de Geraldo Alckmin mencionado por Ferreira foi retirado de uma entrevista no dia 29 de julho de 2010, durante sabatina com os candidatos ao governo de São Paulo. Na semana anterior à entrevista, Alckmin, que era do PSDB, havia citado que a ligação do PT com as FARC era de conhecimento de todos. Quanto à suposta ligação do PT com o Comando Vermelho ou outras facções, Alckmin disse, à época, não ter informações suficientes para fazer tal acusação.

    A assessoria de imprensa da campanha de Lula informou que desconhece a declaração e seu contexto. O Comprova encaminhou o link com o vídeo e a data, mas não obteve resposta.

    Vídeo de Merval Pereira sobre a ligação entre o PT e as FARC é de 2008

    O vídeo do jornalista Merval Pereira é um recorte do comentário dele no J10, da GloboNews, edição de 4 de março de 2008, quando Lula era presidente do Brasil. O comentário completo está disponível no YouTube. Na véspera daquele dia, a Colômbia havia feito um bombardeio contra um acampamento das FARC no Equador, que resultou na morte do líder rebelde Raúl Reyes.

    Na ocasião, Merval disse que havia indícios de um apoio logístico dos Estados Unidos ao ataque, o que talvez justificasse o fato de o governo brasileiro não ter condenado diretamente as FARC e ter pedido que a Organização dos Estados Americanos (OEA) investigasse o caso e, até então, o tratasse apenas como uma invasão de território do Equador por parte da Colômbia. O outro motivo seria porque o PT, segundo Merval, sempre tinha sido um aliado das FARC nas políticas de esquerda, uma vez que grupos guerrilheiros, como a ALN e as FARC, faziam, segundo Merval, parte do Foro de São Paulo.

    Guerrilheiro Raúl Reyes afirma ter se encontrado com Lula, mas não há registros

    Na tentativa de reforçar a ligação do PT com as FARC, Ferreira ainda apresenta uma entrevista em que um guerrilheiro afirma ter conhecido Lula pessoalmente. Raúl Reyes, já falecido, de fato, concedeu uma entrevista à Folha de S.Paulo, publicada em 24 de agosto de 2003, em que cita suposto encontro com Lula. À época, Reyes era comandante das FARC (ainda guerrilha) e conversou com o enviado especial Fabiano Maisonnave na Amazônia colombiana. Em determinado trecho da entrevista, ele afirma ter conhecido o petista “em San Salvador, em um dos Foros de São Paulo”. Acrescenta, contudo, que não se recorda do ano.

    Questionado pelo repórter se teria havido uma conversa entre os dois, Reyes confirma. “Sim, ficamos encarregados de presidir o encontro. Desde então, nos encontramos em locais diferentes e mantivemos contato até recentemente.” Eles teriam se falado pela última vez por volta dos anos 2000.

    Em 2002, ano anterior à publicação da entrevista, Lula havia sido eleito presidente da República. À Folha, Reyes diz que as FARC chegaram a enviar uma “carta de felicitações” ao político, mas que não haviam recebido resposta: “Quando ele se tornou presidente, não pudemos mais falar com ele.”

    Foro de São Paulo foi criado em 1990 a partir de um chamamento dos ex-presidentes Lula e Fidel Castro a partidos, movimentos e organizações de esquerda. O objetivo, segundo o próprio grupo, era refletir sobre os acontecimentos pós-queda do Muro de Berlim e sobre “caminhos alternativos pela visão da esquerda da América Latina e Caribe, para além das respostas tradicionais”. O primeiro encontro foi na cidade de São Paulo, em julho de 1990, e reuniu 48 partidos e organizações que representavam diversas experiências e matrizes político-ideológicas de esquerda de toda a região latino-americana e caribenha. Em vídeo do encontro, disponível no YouTube, é feito o anúncio das delegações participantes. As FARC não são citadas.

    De lá para cá, três encontros ocorreram em San Salvador: em 1996, em 2007 e em 2016. Reyes foi morto em 2008, durante operação militar colombiana em território do Equador, onde estava montado um acampamento das FARC. Procurada, a assessoria de Lula negou o encontro. Informou que as Farc, justamente por ser grupo armado, jamais fizeram parte do Foro de São Paulo.

    Não foram encontrados registros fotográficos do suposto encontro entre Lula e Reyes.

    Não há prova de doação ao PT feita pelo guerrilheiro Padre Medina

    No final do vídeo, Nikolas tenta fazer mais associações entre o PT e as FARC ao mencionar o ex-guerrilheiro Francisco Cadenas Collazos, conhecido como Padre Medina, a esposa dele, a professora Angela, e uma decisão do STF sobre asilo político para Medina.

    O ex-guerrilheiro começou a ser associado ao PT sobretudo depois de ser mencionado em uma matéria da revista Veja de 16 de março de 2005. A revista publicou uma longa reportagem com base em documentos da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). O material denunciava que representantes das FARC, entre eles o ex-padre Francisco Cadenas Collazos, conhecido como Olivério Medina ou Padre Medina, teriam se reunido com lideranças do PT e prometido uma doação de R$ 5 milhões à campanha de Lula à Presidência da República em 2002. O índice daquela edição da revista foi salvo através da ferramenta WayBack Machine, mas o texto da reportagem não está mais disponível.

    Um dia após a publicação da reportagem, o então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo federal, general Jorge Félix, apresentou um documento que era mantido nos arquivos da Abin à Comissão Mista de Controle de Atividades de Inteligência do Congresso Nacional. Segundo ele, no entanto, a agência não tinha memória sobre o suposto autor do material. Félix reiterou que os documentos usados pela reportagem não tinham sido elaborados pela Abin.

    Alguns meses depois, em agosto de 2005, a Polícia Federal prendeu Olivério Medina em São Paulo. Segundo uma matéria da Folha de S.Paulo publicada na época, Medina atuava no Brasil como porta-voz das FARC. A prisão preventiva tinha sido decretada pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, a pedido do governo da Colômbia, que acusava Medina de ter comandado um ataque a uma unidade do Exército colombiano em 1991.

    Em 14 de junho de 2006, quase um ano após a prisão, o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), vinculado ao Ministério da Justiça, reconheceu Medina como refugiado político. Em novembro, a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, solicitou ao governador do Paraná, Roberto Requião, que a professora Ângela Maria Slongo, servidora da Secretaria de Educação do Paraná, fosse colocada à disposição do governo federal para atuar na Secretaria Especial da Aquicultura e Pesca.

    Ângela Maria Slongo era mulher de Medina e, de acordo com nota divulgada pela pasta da Aquicultura, ela foi selecionada em 2006 para trabalhar no Projeto de Alfabetização dos Pescadores como assistente técnica e foi cedida pelo Estado do Paraná. A Secretaria negou qualquer vínculo entre a contratação de Ângela Maria e as atividades de seu marido, Padre Medina.

    Em 2007, Medina foi solto e prometeu romper ligações com as atividades na Colômbia. Em 2008, contudo, a Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados pediu informações ao então ministro da Justiça, Tarso Genro, sobre as atividades de Medina no Brasil. “Em carta de próprio punho, Olivério Medina se comprometeu a romper totalmente relações com as FARC e abandonar qualquer atividade política. Mas notícias veiculadas nos últimos meses pela imprensa enfatizaram a troca de e-mails entre o ex-padre colombiano e o representante número dois das FARC, falecido recentemente”, diz publicação feita em 2008 pela Comissão.

    Gilmar Mendes não autorizou a extradição de Padre Medina?

    Em tom crítico, o vereador Nikolas Ferreira ainda exibe um print de reportagem do Estadão de 2007 sobre decisão do STF contrária à extradição do Padre Medina. Ele cita Gilmar Mendes como relator, dando a entender que o ministro teria sido o responsável pela decisão.

    Em março de 2007, o STF negou a extradição do Padre Medina para a Colômbia por causa da condição de refugiado político de que ele gozava no Brasil desde 2006. Na mesma decisão, arquivou a investigação contra Medina e revogou sua prisão domiciliar. A Suprema Corte não chegou a analisar se os crimes pelos quais Medina era acusado na Colômbia eram comuns ou políticos. O que pesou na decisão foi o fato de que a legislação brasileira diz que refugiados políticos não podem ser extraditados para seus países de origem.

    O único voto favorável à extradição foi justamente o de Gilmar Mendes, que havia autorizado a prisão de Medina em 2005. Para o ministro, que foi vencido pelos colegas, o STF deveria primeiro analisar se os crimes pelos quais Medina era acusado se qualificavam como políticos ou comuns, para depois decidir se ele poderia ou não receber o status de refugiado político.

    O refúgio foi concedido pelo Conare por entender que as acusações contra Medina eram políticas. Em agosto de 2008, parlamentares pediram que o Conare revisse a posição para que o colombiano pudesse ser extraditado.

    Por que investigamos: O Comprova investiga conteúdos suspeitos que viralizam nas redes sociais sobre pandemia, políticas públicas do governo federal e eleições presidenciais. Conteúdos como o investigado nesta checagem, que contêm desinformação, algumas inclusive já desmentidas anteriormente, podem influenciar a decisão do eleitor, que deve se basear em informações verdadeiras e confiáveis na hora de decidir sobre o voto. O material se torna ainda mais nocivo quando divulgado às vésperas do segundo turno.

    Outras checagens sobre o tema: O Projeto Comprova já mostrou que a sigla CPX em boné usado pelo candidato Lula durante ato de campanha no Complexo do Alemão significa “complexo”, e não tem ligação com facções criminosas; também já mostrou que era enganosa postagem que tentava ligar Lula e o PT a droga apreendida no Mato Grosso do Sul.

    Investigado por: Estado de S.Paulo, Grupo Sinos, O Dia e Correio do Estado; Verificado por: Uol, CNN Brasil, Metrópoles, Crusoé, A Gazeta, Folha de S.Paulo, Correio Braziliense, Estado de Minas, SBT, SBT News e O Popular

     

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